"Se Passos Coelho e Vítor Gaspar
precisarem de justificar qualquer aplicação da taxa de sustentabilidade sobre
as pensões, o FMI tem o álibi perfeito para lhes emprestar. No retrato da
economia portuguesa, fechado já no início deste ano, aquele que é um dos
principais credores do país faz um diagnóstico dramático do Estado.
E
prepara-nos para o estado de sítio que nos aguarda. Primeiro, um choque de
realidade: as reformas valem 14% do PIB, mais de 80% das transferências sociais
e têm sido uma das principais culpadas pelo aumento da despesa pública na última
década. Além disso, há desequilíbrios entre sistemas: um antigo funcionário
público recebe da Caixa Geral de Aposentações uma pensão, em média, três vezes
maior do que quem descontou para o regime geral, vantagem a que se têm
adicionado menos horas e menos anos de trabalho para garantir a reforma.
Depois, um aviso à navegação: as alterações mais recentes limitaram-se a
sobrecarregar o fardo fiscal da actual geração, o que os leva hoje a pagar
muito mais pelas reformas dos seus pais e avós do que aquilo que certamente vão
receber no futuro. Por fim, um balde de água fria: sem reformas ou passagem a
um novo sistema, os encargos vão continuar a subir, pelo menos, nos próximos
dez anos. E assim não há como manter a rede firme para os pensionistas. Ao
diagnóstico, seguem-se os remédios propostos pelo FMI.
Entre
eles estão cortes a golpe de catana em pensões (na ordem dos 10 a 15%),
encurtamento dos futuros períodos de reforma e, numa versão mais radical, uma
taxa de sustentabilidade - precisamente, a famigerada proposta de ‘taxa social
única' sobre os pensionistas que está a causar a agitação entre reformados e
(ainda mais) brechas na coligação do Governo. A medida, a avançar e sem
proteger as pensões mais baixas, é uma impiedosa golpada sobre os pensionistas
que não trabalharam tanto para tão pouco.
O
problema é que não há como manter o actual estado das pensões. Acreditando no
relatório do FMI - segundo o qual Portugal até está em melhor posição do que a
média dos 27 parceiros comunitários na sustentabilidade do sistema de pensões
entre 2020-2060 (gasta menos 0,8 pontos com pensões em relação ao PIB enquanto
na UE27 os encargos sobem 2,4 pontos no mesmo período) -, o sistema português
até parece sustentável no longo prazo. Mas neste momento não é: nem sustentável,
nem justo. O actual modelo está a alimentar um conflito de gerações, com uma
maioria (crescente) de reformados e uma minoria (minguante) de trabalhadores
lado a lado.
Aproximar
os dois lados em tensão depende da tolerância das duas partes: uma passa por
aceitar pagar mais para o Estado, outra por aceitar receber menos desse mesmo
Estado. Por mais que custe, e há alguns a quem custa mais que a outros, esse é
um dos caminhos. Outro seria oferecer opções privadas de poupança, num sistema
que seria mais de capitalização e menos de partilha (como é o actual) - mas
isso é reforma para outra conversa. Restaurar a justiça e garantir a
sustentabilidade do sistema de pensões está agora nas mãos do Governo que, para
mal de muitos pecados, está a gerir as reformas com mãos de tesoura: de forma
desengonçada, é mais aquilo que estraga do que aquilo que reforma para melhor.
Talvez por isso esteja na hora de reformar a sua própria maneira de agir, antes
que os portugueses os enviem para uma reforma antecipada" (texto
de Helena
Cristina Coelho,
Económico, com a devida vénia)