quinta-feira, maio 16, 2013

Opinião: "Pensões? Salve-as quem puder"



"Se Passos Coelho e Vítor Gaspar precisarem de justificar qualquer aplicação da taxa de sustentabilidade sobre as pensões, o FMI tem o álibi perfeito para lhes emprestar. No retrato da economia portuguesa, fechado já no início deste ano, aquele que é um dos principais credores do país faz um diagnóstico dramático do Estado.
E prepara-nos para o estado de sítio que nos aguarda. Primeiro, um choque de realidade: as reformas valem 14% do PIB, mais de 80% das transferências sociais e têm sido uma das principais culpadas pelo aumento da despesa pública na última década. Além disso, há desequilíbrios entre sistemas: um antigo funcionário público recebe da Caixa Geral de Aposentações uma pensão, em média, três vezes maior do que quem descontou para o regime geral, vantagem a que se têm adicionado menos horas e menos anos de trabalho para garantir a reforma. Depois, um aviso à navegação: as alterações mais recentes limitaram-se a sobrecarregar o fardo fiscal da actual geração, o que os leva hoje a pagar muito mais pelas reformas dos seus pais e avós do que aquilo que certamente vão receber no futuro. Por fim, um balde de água fria: sem reformas ou passagem a um novo sistema, os encargos vão continuar a subir, pelo menos, nos próximos dez anos. E assim não há como manter a rede firme para os pensionistas. Ao diagnóstico, seguem-se os remédios propostos pelo FMI.
Entre eles estão cortes a golpe de catana em pensões (na ordem dos 10 a 15%), encurtamento dos futuros períodos de reforma e, numa versão mais radical, uma taxa de sustentabilidade - precisamente, a famigerada proposta de ‘taxa social única' sobre os pensionistas que está a causar a agitação entre reformados e (ainda mais) brechas na coligação do Governo. A medida, a avançar e sem proteger as pensões mais baixas, é uma impiedosa golpada sobre os pensionistas que não trabalharam tanto para tão pouco.
O problema é que não há como manter o actual estado das pensões. Acreditando no relatório do FMI - segundo o qual Portugal até está em melhor posição do que a média dos 27 parceiros comunitários na sustentabilidade do sistema de pensões entre 2020-2060 (gasta menos 0,8 pontos com pensões em relação ao PIB enquanto na UE27 os encargos sobem 2,4 pontos no mesmo período) -, o sistema português até parece sustentável no longo prazo. Mas neste momento não é: nem sustentável, nem justo. O actual modelo está a alimentar um conflito de gerações, com uma maioria (crescente) de reformados e uma minoria (minguante) de trabalhadores lado a lado.
Aproximar os dois lados em tensão depende da tolerância das duas partes: uma passa por aceitar pagar mais para o Estado, outra por aceitar receber menos desse mesmo Estado. Por mais que custe, e há alguns a quem custa mais que a outros, esse é um dos caminhos. Outro seria oferecer opções privadas de poupança, num sistema que seria mais de capitalização e menos de partilha (como é o actual) - mas isso é reforma para outra conversa. Restaurar a justiça e garantir a sustentabilidade do sistema de pensões está agora nas mãos do Governo que, para mal de muitos pecados, está a gerir as reformas com mãos de tesoura: de forma desengonçada, é mais aquilo que estraga do que aquilo que reforma para melhor. Talvez por isso esteja na hora de reformar a sua própria maneira de agir, antes que os portugueses os enviem para uma reforma antecipada" (texto de Helena Cristina Coelho, Económico, com a devida vénia)