terça-feira, maio 21, 2013

Opinião: "Pós-troika”, essa expressão enganadora"



"Lentamente, a expressão "pós-troika" vai-se infiltrando no politiquês nacional. O governador do Banco de Portugal alerta para a preparação do "pós-troika", o Presidente da República dedica hoje um Conselho de Estado ao "pós-troika", no Partido Socialista afiam-se as facas para o "pós-troika", nos jornais já se discute o destino do vilipendiado Vítor Gaspar no "pós-troika" - enfim, o termo propaga-se e será, em breve, uma daquelas modas repetidas nos media até à exaustão.
Lentamente, a expressão "pós-troika" vai-se infiltrando no politiquês nacional. O governador do Banco de Portugal alerta para a preparação do "pós-troika", o Presidente da República dedica hoje um Conselho de Estado ao "pós-troika", no Partido Socialista afiam-se as facas para o "pós-troika", nos jornais já se discute o destino do vilipendiado Vítor Gaspar no "pós-troika" - enfim, o termo propaga-se e será, em breve, uma daquelas modas repetidas nos media até à exaustão. O problema, contudo, é que a mera formulação "pós-troika" engana. A expressão parte de uma interpretação errada do papel da ‘troika' e arrisca alimentar uma esperança infundada sobre o futuro imediato de Portugal na Europa.
Do ponto de vista formal é verdade que o "pós-troika" significará o fim das humilhantes avaliações oficiais sobre  a execução do memorando. E também é verdade que o fim do programa oficial de resgate limitará o envolvimento mais directo dos técnicos do FMI, do BCE e da Comissão Europeia no desenho das políticas públicas em Portugal. Haverá um pouco mais de espaço para o Governo - este e o próximo - respirar. 
Mas, as diferenças ficam-se por aqui. Ao contrário da percepção comum, a ‘troika' não é o credor directo de Portugal, nem o decisor sobre as condições de pagamento da dívida. A ‘troika', construída apressadamente em 2010, serve de veículo de intermediação - para negociação e controlo - entre os verdadeiros credores e o país. Os credores ao abrigo do memorando são os fundos de resgate europeus, financiados pelos países da União Europeia, e o FMI. O "pós-troika" não significará o fim da nossa relação difícil com os credores - levará, apenas, a um relacionamento institucional diferente. Se em meados de 2014 tivéssemos acesso pleno a financiamento - para o Estado e para os privados -, uma dívida pagável e uma economia a crescer, a relação com os credores seria normal. 
Mas no Portugal "pós-troika" não teremos nenhuma destas condições. Portugal sairá do memorando com um rácio de dívida pública superior a 120% do PIB, um sector privado ainda muito endividado, uma economia devassada por falta de investimento, um músculo exportador muito curto e um Estado praticamente por reformar. O memorando serviu mais para fechar o défice externo à bruta e reconquistar a confiança de quem manda na Europa (confiança que, por sua vez, atrai a dos mercados), do que para resolver o problema económico de Portugal na zona euro. 
Com ou sem ‘troika' estaremos, então, totalmente dependentes dos credores. Precisaremos deles para assegurarmos financiamento e para arrancarmos cedências profundas nas condições  de pagamento da dívida. Não será fácil. Estes credores europeus são cultural e politicamente hostis face ao que entendem ser o "Sul da Europa", com quem lidam por necessidade e com um paternalismo antigo e sem limites. 
Qualquer discurso sobre o "pós-troika" que caia fora desta realidade será sempre demagogia (a menos que se defenda a saída do euro e se assumam, detalhadamente, os custos dessa decisão). No euro, a melhor defesa dos interesses do país passa por um pacto político interno sobre as questões essenciais - disciplina orçamental e reformas, por exemplo -, que dê credibilidade a uma negociação activa na Europa. Num país com o verniz social em risco de estalar sob pressão do desemprego recorde, tal pacto enfrenta vários obstáculos. A retórica vazia do PS de Seguro contra a austeridade é um deles. A retórica liberal agressiva do PSD de Passos Coelho - hostil para os valores da maioria do eleitorado - é outro. O pacto precisará de posições menos exacerbadas - e de actores políticos diferentes" (texto de Bruno Faria Lopes, Económico com a devida vénia)