segunda-feira, maio 06, 2013

Opinião: "Paulo Portas e os da 'Santa Inquisição"



"Eu chego a pensar que tenho um defeito qualquer. Porque quando ouço a maioria dos outros comentadores reparo que eles veem sempre uma enorme gravidade em factos onde eu vejo normalidade e vice-versa.
Se ontem aqui escrevi sobre Marques Mendes (que eu achei grave), hoje debruço-me sobre o discurso de Portas, de que os outros acham coisas tenebrosas e eu não.
O que o líder do CDS disse está em linha com o seu pensamento e com as preocupações democratas-cristãs do CDS. Claro que Portas descobriu esta linha cristã personalista muito recentemente e quando lhe deu jeito. O partido dos pensionistas, dos reformados e da lavoura parece-me mais um desejo de marcar terreno do que uma convicção profunda do líder do CDS. Mas esse tipo de pecadilhos todos os têm e não vale a pena criticar Portas por isso.
As preocupações que ele mostrou sobre o ataque às pensões fazem sentido. Eu concordo com elas e gostaria que os comentadores e dirigentes políticos, em vez de se debruçarem sobre as divisões do Governo ou as 'célebres' desautorizações do primeiro-ministro, dissessem claramente se estão ou não de acordo com a substância do discurso do líder centrista.
E mais do que concordar com as suas preocupações, eu concordo inteiramente com este facto: Portas faz bem em não derrubar o Governo e faz bem em manifestar as suas divergências. A isto chama-se liberdade e há quem queira restringi-la exigindo que num Governo, para mais de coligação, haja unanimismo. Recordo aos mais velhos (entre os quais estão comentadores como Marcelo Rebelo de Sousa) que o falecido professor Mota Pinto, apesar de vice-primeiro-ministro do IX Governo Constitucional, exigia, em comícios, que o Governo aprovasse determinadas reformas. Foi, aliás, o início da expressão 'reformas estruturais' (já lá vão 28 anos). Na altura ninguém estranhava...
Nesse sentido regredimos. Há uma espécie de comentário político que se ocupa da forma, no que se assemelha ao comentário desportivo. Não me parece que as graves condições do país se compadeçam com isso. Aqueles que contam com Portas para derrubar o Governo (talvez o caso do PS), ficaram a saber que ainda não é desta. Aqueles a quem dá jeito dizer que eles são todos iguais, ficaram a saber que não são. O mundo não é a preto e branco, como muitos desejariam, tem muitos matizes. E Portas veio lembrar isso. Se foi isto que defendeu desde o início, incluindo os compromissos com o PS e a UGT, foi pena não o terem ouvido.
Porém, para quem vive com a 'Santa Inquisição' na cabeça, que parte do velho princípio de que só há dois lados - o dos bons e o dos maus - é natural que a intervenção do líder do CDS seja desastrosa. Porque nem é igual à de Passos, nem é contra Passos. Talvez, se um dia pensarem no país e não nas suas agendas e intrigas, consigam entender melhor o que disse Paulo Portas" (texto de Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)