"Eu chego a
pensar que tenho um defeito qualquer. Porque quando ouço a maioria dos outros
comentadores reparo que eles veem sempre uma enorme gravidade em factos onde
eu vejo normalidade e vice-versa.
Se
ontem aqui escrevi sobre Marques Mendes (que eu achei
grave), hoje debruço-me sobre o discurso de Portas, de que os outros acham
coisas tenebrosas e eu não.
O
que o líder do CDS disse está em linha com o seu pensamento e com as
preocupações democratas-cristãs do CDS. Claro que Portas descobriu esta
linha cristã personalista muito recentemente e quando lhe deu jeito. O
partido dos pensionistas, dos reformados e da lavoura parece-me mais um desejo
de marcar terreno do que uma convicção profunda do líder do CDS. Mas esse
tipo de pecadilhos todos os têm e não vale a pena criticar Portas por isso.
As
preocupações que ele mostrou sobre o ataque às pensões fazem sentido. Eu concordo
com elas e gostaria que os comentadores e dirigentes políticos, em vez de se
debruçarem sobre as divisões do Governo ou as 'célebres' desautorizações do
primeiro-ministro, dissessem claramente se estão ou não de acordo com a
substância do discurso do líder centrista.
E
mais do que concordar com as suas preocupações, eu concordo inteiramente com
este facto: Portas faz bem em não derrubar o Governo e faz bem em manifestar as
suas divergências. A isto chama-se liberdade e há quem queira restringi-la exigindo
que num Governo, para mais de coligação, haja unanimismo. Recordo aos mais
velhos (entre os quais estão comentadores como Marcelo Rebelo de Sousa) que o
falecido professor Mota Pinto, apesar de vice-primeiro-ministro do IX Governo
Constitucional, exigia, em comícios, que o Governo aprovasse determinadas
reformas. Foi, aliás, o início da expressão 'reformas estruturais' (já lá
vão 28 anos). Na altura ninguém estranhava...
Nesse
sentido regredimos. Há uma espécie de comentário político que se ocupa da
forma, no que se assemelha ao comentário desportivo. Não me parece que as
graves condições do país se compadeçam com isso. Aqueles que contam com
Portas para derrubar o Governo (talvez o caso do PS), ficaram a saber que ainda
não é desta. Aqueles a quem dá jeito dizer que eles são todos iguais,
ficaram a saber que não são. O mundo não é a preto e branco, como muitos
desejariam, tem muitos matizes. E Portas veio lembrar isso. Se foi isto que
defendeu desde o início, incluindo os compromissos com o PS e a UGT, foi pena
não o terem ouvido.
Porém,
para quem vive com a 'Santa Inquisição' na cabeça, que parte do velho
princípio de que só há dois lados - o dos bons e o dos maus - é natural que
a intervenção do líder do CDS seja desastrosa. Porque nem é igual à de
Passos, nem é contra Passos. Talvez, se um dia pensarem no país e não nas
suas agendas e intrigas, consigam entender melhor o que disse Paulo Portas" (texto de
Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)