"Conta-se que
Henry Kissinger só lia a terceira versão dos relatórios enviados pelos seus
colaboradores.Nas primeiras versões, escrevia na primeira página: "É
capaz de fazer melhor". E mandava devolver. O Documento de Estratégia
Orçamental (DEO), divulgado pelo Governo na terça-feira ao fim do dia, merecia
tratamento semelhante. Vítor Gaspar é capaz de melhor. O propósito do DEO é
apresentar a estratégia de consolidação das contas públicas para os próximos
quatro anos, neste caso, até 2017. Tendo em conta que neste momento o défice e
a dívida pública são dos problemas mais graves da economia nacional, este
documento tinha uma importância reforçada. Para mais quando o Governo já
prometeu várias vezes apresentar as medidas que concretizam a reforma do
Estado. Pois bem, nada disso. Num documento de 45 páginas, o capítulo reservado
às "Perspectivas de Médio Prazo para as Finanças Públicas 2013-2017"
tem três páginas, tantas como o índice.
O documento
avança com um conjunto alargado de números, previsões e projecções mas não
explica como se vão concretizar. Ou seja, esquece-se de apresentar as medidas
para transformar as previsões em realidade. Fala em descida do défice e da
dívida pública, em recuperação da economia, em agravamento de austeridade, que
atingirá agora 6,5 mil milhões de euros entre este ano e 2017, explicando quase
nada. Desta forma, o DEO é mais um conjunto de palpites do que uma estratégia
consistente de consolidação orçamental.
É verdade
que tem indicações importantes: mais de metade da redução da despesa pública
será conseguida com cortes nas despesas com funcionários públicos e nas
prestações sociais. Os famosos consumos intermédios continuam a resistir e são
a rubrica que menos cai até 2017. Ou seja, antecipam-se más notícias para
funcionários públicos e pensionistas mas será necessário esperar mais alguns
dias para conhecer as novas medidas de austeridade. O DEO não diz nada.
O que falta
em respostas às dúvidas dos portugueses, sobra em considerações políticas.
Vítor Gaspar decidiu usar o DEO para explicar qual é o seu entendimento sobre o
papel do ministro das Finanças e enviou recados para os colegas do Executivo.
"A especificação das medidas necessárias para alcançar o esforço [da
reforma do Estado] é uma responsabilidade do Governo como um todo". Há
muito que Vítor Gaspar está isolado no Executivo. A sua visão financeira não é
partilhada pela maioria dos outros ministros do CDS e PSD. A divisão é cada vez
mais profunda e está a bloquear o Governo, com os Conselhos de Ministros a
transformarem-se em maratonas improdutivas. Por isto, Gaspar manda recados para
os seus colegas, pedindo coesão.
O ministro não compreende que provoca mais discórdia do que
entendimentos. Gaspar teve um papel importante no relacionamento com a
‘troika'. Essa função esgotou-se. Este ministro das Finanças chegou ao fim da
linha. Agora faz parte do problema e não da solução. Reitero o que já escrevi:
Passos Coelho tem que remodelar Vítor Gaspar se quiser salvar o Governo" (texto
de Bruno Proença, Económico, com a devida vénia)