"O primeiro-ministro
fala hoje ao País para apresentar as medidas que vão garantir os cortes de 4,7
mil milhões de euros entre o próximo ano e 2016. O Diário Económico já
antecipou algumas das medidas e os alvos são óbvios: funcionários públicos e
pensionistas. Será que poderia ser de outra forma? Nos alvos, não. Na
metodologia, sim. O problema não está no onde, está no como. Provavelmente,
vai-se perder uma oportunidade histórica para fazer a reforma que o Estado
necessita.
O sector
privado já fez grande parte do ajustamento. O excedente no saldo externo,
alcançado em 2012 e que se deve prolongar nos próximos anos, é a prova disso. A
recessão profunda, as múltiplas falências e o desemprego recorde são a factura do
ajustamento à bruta que as empresas e os trabalhadores do privado foram
obrigados a fazer. Com a chegada da ‘troika' fechou-se o crédito bancário e a
carga fiscal disparou nos últimos dois anos - primeiro o IVA e depois IRS, IRC
e IMI.
No sector
público ainda há muito por fazer. Desde logo, o défice orçamental continua
acima dos 6% do PIB e a dívida pública está nos 200 mil milhões de euros, mais
de 120% do produto. O grande desequilíbrio da economia nacional ainda está no Estado.
Sem a possibilidade de continuar a subir os impostos - a receita favorita de
Vítor Gaspar -, resta atacar a despesa pública. E isto, implica afectar
funcionários públicos e prestações sociais, que correspondem a mais de três
quartos dos gastos da Administração Pública.
Até agora,
o Governo tem seguido uma estratégia para a despesa pública: atacar tudo por
igual. Os funcionários públicos já sofreram cortes nos seus rendimentos de
forma transversal. Não há distinção entre quem é necessário e quem está a mais.
Esqueceram a meritocracia. O Executivo argumenta que os funcionários públicos
têm mais direitos e ganham mais do que o equivalente no privado, pelo que há
que acelerar o processo de convergência. Não faz muito sentido. O Estado não é
igual ao sector privado. Funções como a Justiça, a segurança interna e externa,
a cobrança de impostos, a representação externa do País não são privatizáveis.
Logicamente, estes funcionários públicosdevem ter um estatuto especial e
provavelmente um salário superior. Mesmo em áreas como a educação e a saúde, o
Estado quer continuar a ter uma palavra pelas externalidades positivas que
trazem para o País.
Pedro
Passos Coelho e o seu Governo preparam-se para perpetuar o erro. Hoje, o
primeiro-ministro deve anunciar mais medidas transversais para os funcionários
públicos: mais horas de trabalho e menos férias, mais gente empurrada para a
mobilidade especial e menos rendimento. Não é o caminho certo. Desta forma,
desvaloriza-se toda a Administração Pública. Os bons e os maus, os esforçados e
os preguiçosos, os dedicados e os conformados.
O Executivo
está a seguir a estratégia mais fácil porque perdeu dois anos cruciais para
fazer uma reforma do Estado com pés e cabeça. Primeiro, há que definir as áreas
prioritárias, modernizando os serviços, apostando nas pessoas, dando mais
formação e melhores remunerações. Segundo, escolher as áreas onde o Estado não
deve estar e privatizar. Sair, ponto final.
Só a
avaliação dos funcionários e a meritocracia devia ser transversal à
Administração Pública. Gerir é escolher. A política deve ser tomar decisões, mesmo
que difíceis.
Pedro Passos Coelho perde uma oportunidade histórica porque,
perante a crise profunda, os portugueses estavam dispostos a debater e a
aceitar uma reforma profunda do Estado. O Governo perdeu tempo e desperdiçou o
seu crédito político. Agora vai propor um conjunto de medidas que vão provocar
muita dor mas que não mudam o paradigma. Provavelmente, vai sofrer muita
contestação e muitas medidas vão morrer pelo caminho. O primeiro-ministro não
esteve à altura das circunstâncias"
(texto
de Bruno Proença, Económico, com a devida vénia)