quinta-feira, maio 16, 2013

Opinião: "A estratégia errada para a reforma do Estado"



"O primeiro-ministro fala hoje ao País para apresentar as medidas que vão garantir os cortes de 4,7 mil milhões de euros entre o próximo ano e 2016. O Diário Económico já antecipou algumas das medidas e os alvos são óbvios: funcionários públicos e pensionistas. Será que poderia ser de outra forma? Nos alvos, não. Na metodologia, sim. O problema não está no onde, está no como. Provavelmente, vai-se perder uma oportunidade histórica para fazer a reforma que o Estado necessita.
O sector privado já fez grande parte do ajustamento. O excedente no saldo externo, alcançado em 2012 e que se deve prolongar nos próximos anos, é a prova disso. A recessão profunda, as múltiplas falências e o desemprego recorde são a factura do ajustamento à bruta que as empresas e os trabalhadores do privado foram obrigados a fazer. Com a chegada da ‘troika' fechou-se o crédito bancário e a carga fiscal disparou nos últimos dois anos - primeiro o IVA e depois IRS, IRC e IMI.
No sector público ainda há muito por fazer. Desde logo, o défice orçamental continua acima dos 6% do PIB e a dívida pública está nos 200 mil milhões de euros, mais de 120% do produto. O grande desequilíbrio da economia nacional ainda está no Estado. Sem a possibilidade de continuar a subir os impostos - a receita favorita de Vítor Gaspar -, resta atacar a despesa pública. E isto, implica afectar funcionários públicos e prestações sociais, que correspondem a mais de três quartos dos gastos da Administração Pública.
Até agora, o Governo tem seguido uma estratégia para a despesa pública: atacar tudo por igual. Os funcionários públicos já sofreram cortes nos seus rendimentos de forma transversal. Não há distinção entre quem é necessário e quem está a mais. Esqueceram a meritocracia. O Executivo argumenta que os funcionários públicos têm mais direitos e ganham mais do que o equivalente no privado, pelo que há que acelerar o processo de convergência. Não faz muito sentido. O Estado não é igual ao sector privado. Funções como a Justiça, a segurança interna e externa, a cobrança de impostos, a representação externa do País não são privatizáveis. Logicamente, estes funcionários públicosdevem ter um estatuto especial e provavelmente um salário superior. Mesmo em áreas como a educação e a saúde, o Estado quer continuar a ter uma palavra pelas externalidades positivas que trazem para o País.
Pedro Passos Coelho e o seu Governo preparam-se para perpetuar o erro. Hoje, o primeiro-ministro deve anunciar mais medidas transversais para os funcionários públicos: mais horas de trabalho e menos férias, mais gente empurrada para a mobilidade especial e menos rendimento. Não é o caminho certo. Desta forma, desvaloriza-se toda a Administração Pública. Os bons e os maus, os esforçados e os preguiçosos, os dedicados e os conformados.
O Executivo está a seguir a estratégia mais fácil porque perdeu dois anos cruciais para fazer uma reforma do Estado com pés e cabeça. Primeiro, há que definir as áreas prioritárias, modernizando os serviços, apostando nas pessoas, dando mais formação e melhores remunerações. Segundo, escolher as áreas onde o Estado não deve estar e privatizar. Sair, ponto final.
Só a avaliação dos funcionários e a meritocracia devia ser transversal à Administração Pública. Gerir é escolher. A política deve ser tomar decisões, mesmo que difíceis.
Pedro Passos Coelho perde uma oportunidade histórica porque, perante a crise profunda, os portugueses estavam dispostos a debater e a aceitar uma reforma profunda do Estado. O Governo perdeu tempo e desperdiçou o seu crédito político. Agora vai propor um conjunto de medidas que vão provocar muita dor mas que não mudam o paradigma. Provavelmente, vai sofrer muita contestação e muitas medidas vão morrer pelo caminho. O primeiro-ministro não esteve à altura das circunstâncias" (texto de Bruno Proença, Económico, com a devida vénia)