segunda-feira, maio 13, 2024

Opinião: O Turismo em mudança?

 

Em Canárias instalou-se uma polémica em torno do modelo de desenvolvimento turístico para as ilhas, da relação entre o turismo e a falta de habitação, dos preços pedidos pelas habitações e pelo arrendamento em praticamente todas as ilhas a que se junta uma quase inglória necessidade de levar o assunto a Bruxelas - o chefe do governo regional das Canárias já se comprometeu a fazê-lo, mas duvido que a UE se comprometa com o assunto - na expectativa de uma decisão comum aos estados-membros afectados por estes fenómenos recentes do turismo versus locais. Tudo isto teve origem na instabilidade no Médio Oriente, longe de resolução, e nos efeitos da crise da pandemia, que alteraram muitas rotas turísticas europeias. Acresce a tudo isto uma polémica em torno da exigência de expulsão, defendida pela extrema-direita de Canárias, de imigrantes chegados ilegalmente ao arquipélago espanhol, bem como manifestações públicas, com forte envolvimento dos locais, solicitando a tomada urgente de medidas que travem o impacto negativo de um turismo demasiado massificado, populista e pouco despesista, passível de abrir uma porta de inquietação e de dúvida junto de um “outro” turismo mais selectivo e exigente e eventualmente até potencialmente interessado em investir nas ilhas.

Recordo que, no caso português, ouvimos recentemente um alto quadro do grupo hoteleiro Pestana, admitir num programa de rádio que "podemos vir a ter protestos contra turismo de massa" em Portugal, Madeira incluída.

Acredita o CEO do maior grupo hoteleiro nacional que "as manifestações contra a massificação do turismo podem alastrar-se a Portugal", apelando à regulação do setor. Ou seja, as pessoas começam a perceber que, apesar das indesmentíveis vantagens do turismo para a economia, para as receitas fiscais e para o emprego, a pressão causada por um desregulado excesso de turismo, sobretudo em pequenas regiões - que pouco ou nada fizeram para se prepararem antecipadamente para o impacto decorrente de crescimentos significativos da procura e para a imposição de um certo perfil turístico que apela a uma rigorosa regulação, incluindo acessos a locais de  maior procura e mais emblemáticos nos destinos de acolhimento – com dificuldades em conciliarem tudo sem colocar em causa a qualidade de vida de residentes e visitantes. O que muitos questionam - e este fenómeno registado em Canárias tem-se alastrado a vários países europeus e mesmo ao Japão - é se o turismo pode ou não colocar em causa a qualidade de vida – não confundir com nível de vida - das populações das regiões turísticas em causa. Repare-se que ficamos a saber esta semana que nas ilhas de Furteventura e Lanzarote, em Canárias, em regra "um em cada três é turista"... E mais. Um jornal canário admitiu que "o turismo cria uma população flutuante diária de 420.595 visitantes em Canárias" e que isso é já motivo para algumas preocupações crescentes entre a população local, alguns sectores políticos e empresariais regionais, numa região já pressionada pelos efeitos causados pelas correntes de imigrantes que procuram chegar à Europa através das Canárias, dada a sua proximidade de alguns portos do continente africano.

Para além, das taxas turísticas, já em vigor ou ainda em discussão - Mogan no sul de Canárias pretende ser "exemplar"... - o arquipélago vizinho começa a discutir também a eventual adopção de medidas "punitivas" para habitações retiradas ao mercado de arrendamento para serem colocadas no negócio do alojamento turístico com rentabilidade superior garantida. Mas Bruxelas já deixou avisos para radicalismos mais excessivos...

Embora a consensualidade não seja uma garantia de generalização, acredito que o caminho começa a ser construído paulatinamente, e que a celeridade no processo de tomada de decisões depende em grande medida da dimensão do grau de insatisfação das populações residentes que insistem em responsabilizar o turismo pelos problemas existentes na habitação, trânsito, carências no abastecimento de água, mas "esquecendo" o impacto positivo que a actividade tem noutros domínios, caso do emprego e do investimento público, entre outras áreas de intervenção pública (Texto publicado no Tribuna da Madeira de 10.05.2024)

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