domingo, abril 24, 2022

Zona Franca: Atraso do governo põe em risco dois terços da receita de IRC da Madeira


Numa região altamente dependente do turismo, Centro Internacional de Negócios garante investimento diversificado e emprego especializado. Empresas industriais, serviços internacionais e registo de navios valem 12% de toda a receita fiscal regional e empregam 3% dos madeirenses. Costa deixou prolongamento do regime de benefícios fiscais fora do OE2022. E sem validação, não entram novos negócios. No topo do Caniçal, onde o vento não dá tréguas, há oito pratos gigantes apontados ao céu, no parque da Zona Franca e Industrial da Madeira, que asseguram comunicação e posicionamento dos satélites de telecoms, serviços de localização e vídeo, de internet e comunicações (incluindo de aviões e navios) e todo o tipo de necessidades de agências de segurança em missões críticas por toda a Europa. Com as instalações recentemente duplicadas para responder ao crescimento do trabalho altamente especializado e uma nova área dedicada a uma parceria altamente sensível com a Agência Espacial Europeia, nos 13 anos que a Eutelsat Madeira conta aqui, trouxe à Região Autónoma 23 milhões de euros de investimento direto. O efeito de se ter instalado naquela que é uma das mais pobres freguesias do Funchal, em vez de optar pelas Canárias ou Malta - com quem a RAM competia e que têm regimes com benefícios semelhantes para atrair companhias que naturalmente optariam por outras localizações - vai muito além disso. "Sendo uma multinacional altamente especializada, criou uma dinâmica enorme na área, gerou emprego, crescimento para a freguesia e oportunidades de desenvolvimento para as pessoas, além da complementaridade que se cria com outras empresas do parque industrial", explica Filipe Manso Teixeira, administrador da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM).

A Eutelsat é apenas uma entre perto de 50 empresas instaladas só no parque industrial da Zona Franca da Madeira, onde também se encontram biotecnológicas, empresas de cosmética, tecnológicas... Mas a Zona Franca também conta com o valor acrescentado de outro tipo de negócios. Como o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), nascido para desenvolver a economia azul e associado ao Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) e que é hoje é um dos dos maiores registos de navios e iates da Europa. Com 828 registos, mais de 700 dos quais navios mercantes pertencentes a armadores de 42 nacionalidades, o MAR tem crescido significativamente pela sua capacidade de atração de navios, acrescentando valor a este porto.

A completar a oferta do CINM, há ainda a área dos Serviços Internacionais, que tem beneficiado sobretudo de tecnológicas (29% das mais de 100 chegadas em 2021) que ali instalam centros de desenvolvimento, abrindo oportunidades a jovens licenciados em lugares de grande valor acrescentado. É o caso da Connecting Software (e de mais 1600 firmas), com sede em Viena mas que em cinco anos já tem mais pessoas a trabalhar no Funchal do que na Áustria.

"O objetivo é duplicar a breve prazo, para 40", assegura o CEO, Thomas Berndorfer, que a partir da Madeira gere serviços de software inovadores para mais de mil clientes e 350 mil utilizadores, incluindo o Departamento de Justiça do Canadá, os serviços públicos da Nova Zelândia ou ONG como a Cruz Vermelha.

2556 Empresas registadas. A capacidade de atração de negócio do Centro Internacional tem crescido sempre nos últimos anos, chegando a dezembro com mais de 2500 empresas, sobretudo nos serviços de tecnologia. De janeiro a março saíram 40. Até o prolongamento do regime ser aprovado não será possível dar entrada a novo investimento.

Zona franca cria emprego e atrai investimento

Com o turismo a representar mais de um terço da riqueza e do emprego da Região, fixar empresas como estas é vital para a Madeira. A pandemia revelou as fragilidades da Região: em 2020, as perdas no PIB madeirense excederam os 20%, acima da queda nacional. O que dá mais razão de ser à SDM, que, com a concessão da Zona Franca da Madeira em 1987 (que inspirou a Zona Económica Especial das Canárias, nos anos 1990), tem o objetivo de reduzir a dependência turística da Região Autónoma, atraindo investimento de empresas das áreas industrial, serviços internacionais e shipping. E com isso gerando não apenas negócio e correspondente receita mas também emprego, sobretudo qualificado, para jovens madeirenses, cujas saídas profissionais são limitadas.

Roy Garibaldi, CEO da SDM, não tem dúvidas: "As empresas que se fixam no Centro Internacional de Negócios não estariam aqui sem este regime. A Madeira sempre foi boa para férias, mas a insularidade não atrai negócios; há questões logísticas, custos brutais... as empresas não viriam só porque é bonito e agradável."

Dos 56,3 milhões de euros de IRC recolhidos na Madeira no último ano, dois terços foram gerados no CINM pelas empresas que o regime mais favorável atraiu. Tratando-se de uma região ultraperiférica, Bruxelas prevê que locais como a Madeira (Canárias, Malta, Chipre...) possam oferecer condições especiais para atrair investimento.

Os negócios da banca estão há muito fora do acordo - não se trata, portanto, de um paraíso fiscal. O ganho materializa-se em condições especiais (IRC de 5% e desconto no IMI, por exemplo) para quem crie emprego na região, se mais qualificado, melhor, e ali gerem riqueza. E o resultado é visível: 12% de toda a receita fiscal da Madeira vem da zona franca e só contabilizando os postos de trabalho diretos criados na Região (deixando de fora os mais de 10 mil tripulantes de navios), representa 3540 pessoas. "São 3% da população empregada na Madeira", resume Roy, lembrando que, por serem muito qualificados, têm remuneração acima da média regional. E também isso se traduz em receita fiscal: "Esses postos de trabalho liquidaram 11% do IRS recolhido na Região em 2021."

13 246 Empregos criados. Sem contar com postos de trabalho indiretos afetos às sociedades do CINM, as três áreas (serviços internacionais, MAR incluindo tripulantes e indústria) garantem mais de 13 mil postos de trabalho.

Renovação atrasada: já saíram 40 empresas

Dado o peso na economia regional, que cresceu sempre nos últimos seis anos sendo em dezembro 2556 as empresas registadas no CINM, o atraso na renovação do IV Regime de benefícios fiscais pelo governo está a causar grande apreensão. "Imaginem o que seria o país perder, de um dia para o outro, 12% de toda a receita fiscal (uns 5 mil milhões de euros)." O exercício é proposto por Roy Garibaldi como retrato rápido do que está em causa.

Apesar da luz verde de Bruxelas e de Canárias e outras praças já terem avançado, o governo português optou por não incluir a proposta de renovação no Orçamento do Estado para 2022 (OE) - que torna a reduzir a dotação para a Região Autónoma, para 217 milhões de euros (-15 milhões).

Contrariamente às expectativas dos madeirenses e dos fiscalistas também agora não consta da proposta de OE, prevendo-se que seja o regime que produz efeitos até 2027 possa ser prorrogado na discussão na especialidade. "A CE entende e sempre aprovou estes regimes, é uma forma de equilibrar a balança e criar um certo level playing field em regiões ultraperiféricas, como a Madeira", explica Filipe Manso Teixeira.

"Sabemos que há conversas entre PS e PSD e temos a expectativa de que o acordo chegue em breve e permita abrir portas às empresas que estão à espera para aqui se fixar", diz Roy Garibaldi. Mas com a votação final do OE marcada para 27 de maio, o semestre está perdido. "Nos últimos seis anos, as empresas na Zona Franca têm crescido consistentemente, trazendo riqueza, emprego qualificado e potenciando toda a economia da Região, do imobiliário aos prestadores de serviços regionais, que ganharam nestas empresas novos clientes. Neste ano, isso não será possível", prevê o CEO da SDM, indicando que o atraso é apenas parte do problema que está a deixar a Madeira para trás.

12% Peso da receita fiscal. O regime fiscal especial prevê vantagens como, além da taxa de IRC a 5% (condicionada à criação de emprego e investimeno mínimo de 75 mil euros), isenção de tributação nos dividendos e 80% de desconto no IMI. E permitiu angariar para a Região Autónoma consistentemente mais de 100 milhões de euros por ano: cerca de 12% de toda a receita fiscal da Madeira.

Sem benefícios, Madeira perdia 101 milhões em IRC

"Na sequência da questão suscitada por Ana Gomes sobre os parâmetros de criação de emprego e da decisão de Bruxelas, em dezembro, saíram 50% mais empresas do que é normal." Só no primeiro trimestre deste ano, foram 40 as que trocaram a Madeira por praças concorrentes, como Irlanda, Holanda, Luxemburgo, Malta ou Canárias, opções mais seguras e onde a lei não foi alterada no sentido da clarificação decorrente da divergência de interpretação entre Portugal e CE - para o CINM, passaram a contar apenas os postos a tempo inteiro e abertos na Região.

Pior, as empresas que entraram ao abrigo desse Regime, antes da clarificação - e por isso contabilizaram trabalhadores fora da Madeira ou a tempo parcial -, vão começar a ser notificadas pela Autoridade Tributária para devolver os benefícios fiscais. "É uma quebra de confiança", diz Roy, frisando a mudança de regras a meio do jogo e antecipando que se vá traduzir numa longa batalha judicial. "As empresas vão impugnar. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal vai ser inundado e isto vai arrastar-se por anos, não sendo líquido sequer que venham a devolver o que quer que seja. E terá consequências na economia regional."

O atraso na aprovação do prolongamento do IV Regime, que admitirá entradas até 2023, com as firmas a beneficiar das condições especiais até 31 de dezembro de 2027, é portanto motivo de ainda maior apreensão: há saídas a mais e zero admissões até que haja luz verde. "Mesmo em Espanha, com um governo PSOE com o Podemos dentro, isto andou sem problema ou alarido. Nós, infelizmente, somos vítimas de um impasse político, da ideologia de partidos mais extremistas como o BE e de pessoas como Ana Gomes, para quem dar cabo do regime da Madeira é uma bandeira", lamenta o CEO da SDM, considerando os argumentos usados como simples populismo. "Dizer que estas empresas só pagam 5% de impostos, em vez dos 21% do continente e por isso há perdas fiscais, é uma ideia fácil de vender. A verdade é que sem estes benefícios as empresas nem cá estariam. Em vez de 101 milhões entraria zero nos cofres regionais."

E se o governo decidir não dar seguimento à Zona Franca? "Seria um desastre", diz. "Em termos de credibilidade internacional, nos mercados, ninguém iria entender que não o fizéssemos quando a CE deu luz verde e as Canárias já avançaram. Em termos concretos, há muitas empresas à espera para serem admitidas e que estão a olhar para este impasse - não haver prorrogação seria sinal de que o regime acabaria em 2027 e não seria negociado o V Regime, que vigorará até final da próxima década. É imperativo que este atraso não se prolongue e que em 2023 se discuta o próximo enquadramento em Bruxelas com toda a transparência (Dinheiro Vivo, texto da jornalista Joana Petiz)

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