domingo, abril 17, 2022

Novo Governo: 14 dos 17 ministros nunca trabalharam no setor privado?

O QUE ESTÁ EM CAUSA?

"Dos 17 ministros do novo Governo, 14 nunca trabalharam no privado. (…) É uma vergonha e comprova a desconexão entre o mundo político e o mundo real", critica-se num "tweet" de 2 de abril, em referência ao XXIII Governo Constitucional que tomou posse no dia 30 de março, sob a liderança do primeiro-ministro António Costa. Verificação de factos. "Dos 17 ministros do novo Governo, 14 nunca trabalharam no privado. Com 21 anos, eu tenho mais experiência profissional no privado do que a maioria do novo Executivo. É uma vergonha e comprova a desconexão entre o mundo político e o mundo real", destaca-se num tweet de 2 de abril, em referência ao XXIII Governo Constitucional que tomou posse no dia 30 de março, sob a liderança do primeiro-ministro António Costa. O Polígrafo consultou os currículos oficiais dos 17 ministros, bem como outras informações sobre os respetivos percursos profissionais. Como trabalho no setor privado apenas foi considerado o desempenhado em tempo integral ou maioritário (neste segundo caso, mesmo que para várias entidades).

A quase totalidade dos ministros do XXIII Governo Constitucional fez a sua carreira profissional, de facto, maioritária e principalmente na esfera estatal (António Costa e Silva é a exceção, mas também com vínculo a uma universidade pública). Porém, nove ministros tiveram a base do seu vínculo na academia, transitando (ou intercalando) depois para  outros organismos do Estado.

Academia

Percurso profissional praticamente em exclusivo em universidades públicas (apenas deixaram a docência universitária e/ou a investigação quando ingressaram no Executivo):

João Costa

Elvira Fortunato

Pedro Adão e Silva

Longo percurso no ensino superior público, ainda que  também com outras funções para o Estado (alternada ou simultaneamente):

Helena Carreiras (Instituto da Defesa Nacional)

Catarina Sarmento e Castro (Tribunal Constitucional)

António Costa e Silva (cargos executivos em diversas empresas)

Ana Abrunhosa (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro)

Percurso com passagem relevante por universidades públicas:

João Gomes Cravinho (cargos diplomáticos)

Marta Temido (vários organismos do Serviço Nacional de Saúde e Ministério da Saúde)

Política

Os próprios cargos políticos anteriormente exercidos constituem o outro grande viveiro profissional deste Executivo. Sete ministros têm o seu currículo profissional praticamente tomado pela folha de serviços políticos, facto atestado pelo carácter intensivo e o número de anos dessas funções:

Fernando Medina - nos últimos 22 anos, apenas entre 2002 e 2005 não teve cargos políticos remunerados como principal ocupação (nesse período esteve na então Agência Portuguesa para o Investimento).

Mariana Vieira da Silva - desde 2005, na altura quase com 27 anos, que desempenha diversas funções no Governo (de assessora a ministra), com exceção do período 2011-15, período durante o qual se dedicou ao doutoramento e investigação académica. Tem vínculo à União das Mutualidades Portuguesas (Terceiro Sector), onde ingressou em 2003 mas não trabalha lá efetivamente desde 2005.

Pedro Nuno Santos - nos últimos 20 anos dedicou a maior parte do seu tempo a cargos políticos (com ou sem remuneração): líder da JS (2004/8), deputado (2005/9 e 2011/15) e membro do Governo desde 2015.

Duarte Cordeiro - desde que iniciou a vida profissional (há cerca de 20 anos), 17 foram passados em cargos de nomeação ou eleição: gabinete governamental (2005/6); Instituto da Juventude (2006/8); deputado (2009/13); autarca em Lisboa (2013/19) e membro do Governo a partir de 2019.

José Luís Carneiro - neste século desempenhou quase sempre funções políticas remuneradas, sendo essa a sua principal atividade: chefe de gabinete do grupo parlamentar do PS (2000/2); deputado (2005); presidente da Câmara de Baião (2005/15), secretário de estado no 1º executivo de António Costa (2015/19) e secretário-geral adjunto do PS (2019/22).

Ana Catarina Mendes - eleita deputada consecutivamente desde 1995 (embora também advogada, mas não como atividade principal ou sequer permamente), foi também secretária-geral adjunta do PS (2016/19).

Maria do Céu Antunes - ligada desde o início da vida profissional à esfera autárquica: de 1993 a 2006 numa empresa com gestão indicada por vários municípios (A. Logos), de 2006 até integrar o Governo (2019) esteve na Câmara de Abrantes, primeiro como vereadora depois como presidente.

Nem academia nem política

Ana Mendes Godinho - é a exceção a esta matriz do exercício de cargos ou funções na universidade ou na política, embora igualmente com cargos profissionais no Estado ou em instituições na sua dependência (Ministério da Defesa, Autoridade para as Condições do Trabalho, Direção-Geral do Turismo, Turismo de Portugal), alguns de nomeação.

Mas, dos 17 ministros, quantos afinal já exerceram atividade profissional principal no setor privado?

Ana Abrunhosa - como o currículo oficial indica, "iniciou a sua atividade profissional na empresa Ernst & Young na área de auditoria, onde trabalhou desde julho de 1994 a outubro de 1995".

António Costa e Silva - exerceu cargos de chefia ou foi alto quadro técnico em várias empresas que não estão na dependência do Estado português, quase todas ligadas a projetos internacionais de exploração de petróleo: Partex (portuguesa até 2019, até essa data pertencente à Fundação Calouste Gulbenkian), Compagnie Générale de Geophysique e as estatais Sonangol e Institut Français du Pétrole. É o único ministro com experiência significativa fora do sector público.

Duarte Cordeiro - começou a sua vida profissional, entre 2002 e 2004, no “Departamento Comercial e de Marketing” da Reckitt Benckiser, uma multinacional de grande consumo.

José Luís Carneiro - colaborou com vários jornais nos anos 90 (O Comércio do Porto, O Independente) e foi professor universitário na Universidade Lusíada (privada) entre 1995 e 2005. O segundo ministro com mais experiência fora do Estado.

Pedro Nuno Santos - após licenciar-se em Economia, exerceu as funções de "adjunto da administração" no grupo empresarial da família, em São João da Madeira: Tecmacal, SA. Fê-lo nos primeiros anos deste século, mas não precisa no seu currículo quantos (embora se consiga deduzir que não terão sido mais de dois ou três).

Ainda que a maioria de forma breve e em início de vida profissional, de facto, pelo menos cinco ministros já tiveram no setor privado o seu trabalho principal, portanto são 12 os que nunca o fizeram de modo primacial fora do Estado. Acresce que três governantes tiveram carreira exclusiva no setor público, mas nas universidades (entre a docência e a investigação) e outros quatro passaram parte significativa do seu percurso em atividades similares (Avaliação do Polígrafo: Falso, texto do jornalista Carlos Gonçalo Morais)

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