segunda-feira, abril 18, 2022

Chega ainda não faz tremer Açores...

Cinco meses depois, o Chega Açores volta a ameaçar chumbar o próximo Orçamento. E, novamente, com a garantia de que agora será mesmo de vez. Mas nenhum outro partido está a dar grande importância às declarações de José Pacheco, deputado único do Chega na Assembleia Legislativa, que na semana passada garantiu que “acabou” o seu apoio ao Governo Regional. Primeiro, porque o Orçamento só será discutido daqui a mais de meio ano, depois, porque se dizem todos mais preocupados com as crises sucessivas: à crise provocada pela pandemia somaram-se os efeitos económicos e sociais da guerra na Ucrânia e a crise sismovulcânica na ilha de São Jorge. Foi justamente de visita àquela ilha que o presidente do Governo Regional, José Ma­nuel Bolieiro, descreveu a mais recente ameaça do Chega como um assunto “lateral”, garantindo estar “pronto, responsavelmente, para a estabilidade”.

A coligação pós-eleitoral (PSD/CDS/PPM) tem acordos de incidência parlamentar com o Chega e com o deputado independente (ex-Chega), enquanto o PSD assinou um acordo com o deputado único do Iniciativa Liberal (IL). Com o Chega a saltar fora, o Governo Regional perde a maioria. Mas, sendo deputado único, Pacheco não pode apresentar uma moção de censura ao Governo, uma ferramenta regimental disponível apenas aos grupos parlamentares. Ora, tanto o PS como o Bloco de Esquerda (BE) afastaram essa hipótese, pelo que não há, para já, qualquer risco para o Executivo de Bolieiro. As “exigências” do Chega, apresentadas em novembro como “a última oportunidade” que o partido dava ao Governo Regional, foram “colocadas na gaveta”, queixa-se Pacheco. “Andaram a borrifar-se para nós, numa falta de respeito descarada. Tudo isto é um chorrilho de tretas, tudo isto é uma incapacidade de cumprir e de governar”, acrescenta ao Expresso.

“Andaram a borrifar-se para nós, numa falta de respeito descarada”, queixa-se José Pacheco, o deputado único do Chega

As viaturas para a corporação de bombeiros, os incentivos à natalidade e a remodelação governamental foram algumas das exigências para o Chega não romper no final do ano passado. O deputado fixou que a remodelação teria de acontecer até abril, dando “um prazo bastante alargado”, recorda. Ao que o Expresso apurou, essa remodelação estará “por dias”, podendo ainda decorrer dentro do prazo fixado por Pacheco. “Está bem. Mas acha isso razoável?”, interroga-se agora. Quanto às restantes exigências, até reconhece “alguma ingenui­dade” da sua parte por não ter definido um horizonte temporal para que fossem atendidas. Ao contrário do que aconteceu na primeira ameaça de chumbo do Orçamento, o deputado garante que desta vez não recebeu quaisquer “instruções” do líder nacional, André Ventura: “Antes pelo contrário. Fui eu que informei o meu presidente.”

Vasco Cordeiro, atual líder do PS Açores, diz que a “postura” do Chega, não sendo nova, prova que “o principal foco de instabilidade está do lado desta solução”. Uma solução que o ex-presidente do Governo Regional descreve ao Expresso como “uma coligação de derrotados” (o PS foi o partido mais votado nas regionais de 2020, mas o Governo formou-se à direita), acrescentando que, no caso particular do Chega, “a região é um brinquedo nas mãos de André Ventura”. E lamenta que o Governo ande “distraído”, “desfocado” e mesmo “paralisado”, sempre a ver se “o Chega acorda bem ou maldisposto”. “Está mais preocupado com a sua sobrevivência política e vai a reboque das circunstâncias”, acusa. António Lima, um dos dois deputados regionais do BE, também aponta o dedo a um Governo “mais preocupado em lidar com o Chega do que em criar medidas para atenuar a crise e o custo de vida”. De resto, não valoriza em demasia “esse estado de alma” — “é só mais um” — do Chega Açores, que “não existe enquanto partido com autonomia”.

Governo Regional “está mais preocupado com a sua sobrevivência política e vai a reboque das circunstâncias”, acusa Vasco Cordeiro

Pedro Neves, deputado único do PAN, admite que o Governo Regional terá condições de estabilidade pelo menos até novembro, quando for discutido o próximo Orçamento. A ameaça recorrente de o chumbar só revela o “amadorismo” do Chega e “é como a fábula do Pedro e o Lobo”, diz ao Expresso. O relatório da comissão de inquérito no âmbito das Agendas Mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência é que poderá fazer tremer o Executivo caso se conclua que foram favorecidas “grandes empresas”, alerta. A advertência é, aliás, transversal a todos os partidos fora da coligação governativa.

Nuno Barata, deputado do IL, sublinha que essa é uma das questões que “mais têm abalado a confiança” no Governo. “Resta saber até quando a comissão de inquérito se vai arrastar e que conclusões se vão retirar”, afirma ao Expresso, lamentando que por vezes nas comissões de inquérito nos Açores se “esgrimam mais argumentos políticos” e haja “poucos factos” apurados (Expresso, texto dos jornalistas HÉLDER GOMES e LILIANA COELHO)

Sem comentários: