Cinco meses depois, o Chega Açores volta a ameaçar chumbar o próximo Orçamento. E, novamente, com a garantia de que agora será mesmo de vez. Mas nenhum outro partido está a dar grande importância às declarações de José Pacheco, deputado único do Chega na Assembleia Legislativa, que na semana passada garantiu que “acabou” o seu apoio ao Governo Regional. Primeiro, porque o Orçamento só será discutido daqui a mais de meio ano, depois, porque se dizem todos mais preocupados com as crises sucessivas: à crise provocada pela pandemia somaram-se os efeitos económicos e sociais da guerra na Ucrânia e a crise sismovulcânica na ilha de São Jorge. Foi justamente de visita àquela ilha que o presidente do Governo Regional, José Manuel Bolieiro, descreveu a mais recente ameaça do Chega como um assunto “lateral”, garantindo estar “pronto, responsavelmente, para a estabilidade”.
A coligação pós-eleitoral (PSD/CDS/PPM) tem acordos de incidência parlamentar com o Chega e com o deputado independente (ex-Chega), enquanto o PSD assinou um acordo com o deputado único do Iniciativa Liberal (IL). Com o Chega a saltar fora, o Governo Regional perde a maioria. Mas, sendo deputado único, Pacheco não pode apresentar uma moção de censura ao Governo, uma ferramenta regimental disponível apenas aos grupos parlamentares. Ora, tanto o PS como o Bloco de Esquerda (BE) afastaram essa hipótese, pelo que não há, para já, qualquer risco para o Executivo de Bolieiro. As “exigências” do Chega, apresentadas em novembro como “a última oportunidade” que o partido dava ao Governo Regional, foram “colocadas na gaveta”, queixa-se Pacheco. “Andaram a borrifar-se para nós, numa falta de respeito descarada. Tudo isto é um chorrilho de tretas, tudo isto é uma incapacidade de cumprir e de governar”, acrescenta ao Expresso.
“Andaram a borrifar-se para nós, numa falta de respeito descarada”, queixa-se José Pacheco, o deputado único do Chega
As viaturas para a corporação de bombeiros, os incentivos à natalidade e a remodelação governamental foram algumas das exigências para o Chega não romper no final do ano passado. O deputado fixou que a remodelação teria de acontecer até abril, dando “um prazo bastante alargado”, recorda. Ao que o Expresso apurou, essa remodelação estará “por dias”, podendo ainda decorrer dentro do prazo fixado por Pacheco. “Está bem. Mas acha isso razoável?”, interroga-se agora. Quanto às restantes exigências, até reconhece “alguma ingenuidade” da sua parte por não ter definido um horizonte temporal para que fossem atendidas. Ao contrário do que aconteceu na primeira ameaça de chumbo do Orçamento, o deputado garante que desta vez não recebeu quaisquer “instruções” do líder nacional, André Ventura: “Antes pelo contrário. Fui eu que informei o meu presidente.”
Vasco Cordeiro, atual líder do PS Açores, diz que a “postura” do Chega, não sendo nova, prova que “o principal foco de instabilidade está do lado desta solução”. Uma solução que o ex-presidente do Governo Regional descreve ao Expresso como “uma coligação de derrotados” (o PS foi o partido mais votado nas regionais de 2020, mas o Governo formou-se à direita), acrescentando que, no caso particular do Chega, “a região é um brinquedo nas mãos de André Ventura”. E lamenta que o Governo ande “distraído”, “desfocado” e mesmo “paralisado”, sempre a ver se “o Chega acorda bem ou maldisposto”. “Está mais preocupado com a sua sobrevivência política e vai a reboque das circunstâncias”, acusa. António Lima, um dos dois deputados regionais do BE, também aponta o dedo a um Governo “mais preocupado em lidar com o Chega do que em criar medidas para atenuar a crise e o custo de vida”. De resto, não valoriza em demasia “esse estado de alma” — “é só mais um” — do Chega Açores, que “não existe enquanto partido com autonomia”.
Governo Regional “está mais preocupado com a sua sobrevivência política e vai a reboque das circunstâncias”, acusa Vasco Cordeiro
Pedro Neves, deputado único do PAN, admite que o Governo Regional terá condições de estabilidade pelo menos até novembro, quando for discutido o próximo Orçamento. A ameaça recorrente de o chumbar só revela o “amadorismo” do Chega e “é como a fábula do Pedro e o Lobo”, diz ao Expresso. O relatório da comissão de inquérito no âmbito das Agendas Mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência é que poderá fazer tremer o Executivo caso se conclua que foram favorecidas “grandes empresas”, alerta. A advertência é, aliás, transversal a todos os partidos fora da coligação governativa.
Nuno Barata, deputado do IL, sublinha que essa é uma das questões que “mais têm abalado a confiança” no Governo. “Resta saber até quando a comissão de inquérito se vai arrastar e que conclusões se vão retirar”, afirma ao Expresso, lamentando que por vezes nas comissões de inquérito nos Açores se “esgrimam mais argumentos políticos” e haja “poucos factos” apurados (Expresso, texto dos jornalistas HÉLDER GOMES e LILIANA COELHO)
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