terça-feira, abril 19, 2022

Remodelação do Governo açoriano era uma das condições do Chega. Quais eram as outras?


De uma proposta de apoio à natalidade à criação de um gabinete anticorrupção, o Chega atrelou uma série de medidas à continuidade do seu apoio ao Governo Regional. Cinco meses depois, o partido diz-se “enganado”. A remodelação do Governo Regional dos Açores avançou mesmo - e dentro do prazo estipulado pelo Chega quando, em novembro, o partido ameaçou rasgar o acordo de incidência parlamentar com os partidos da coligação governativa. No final da semana passada, José Pacheco, o único deputado regional do Chega, recordava que até tinha dado “um prazo bastante alargado” em relação a esta condição e que até tinha cometido um erro ao não colocar prazos em todas as suas reivindicações. Ao que o Expresso apurara, essa remodelação estaria “por dias”, como se verificou entretanto, ocorrendo ainda durante o mês de abril e, portanto, no prazo fixado pelo deputado. Alertado para a iminência da remodelação, José Pacheco respondeu: “Está bem. Mas acha isso razoável?”.

O deputado do Chega Açores declarou esta segunda-feira à agência Lusa que “ainda havia muito mais a limpar” e que agora cabe ao Executivo mostrar que o seu partido estava “enganado” quanto ao fim do apoio. No início do mês, José Pacheco deu por terminado o apoio do Chega ao Governo Regional, avançando que pretendia chumbar o próximo Orçamento da região. Ou seja, cinco meses depois, o partido voltava a ameaçar chumbar o documento. A nova ameaça não terá consequências no imediato, uma vez que o próximo Orçamento só será discutido e votado no final do ano. E, sendo deputado único, José Pacheco não pode apresentar uma moção de censura, uma ferramenta regimental disponível apenas aos grupos parlamentares. Ora, tanto o PS como o Bloco de Esquerda já afastaram essa hipótese.

Ao Expresso, o deputado assumiu que se sente “enganado” e que “não é razoável” que o Governo de José Manuel Bolieiro venha, “no final, à pressa, atirar areia para os olhos”, antes da discussão e votação do Orçamento. “O apoio acabou porque as condições não foram cumpridas”, acrescentou. Recorde-se que a coligação pós-eleitoral (PSD/CDS/PPM) tem acordos de incidência parlamentar com o Chega e com o deputado independente (ex-Chega), enquanto o PSD assinou um acordo com o deputado único do Iniciativa Liberal. Com o Chega a saltar fora, o Governo Regional perde a maioria.

SOLUÇÃO PARA A SATA, MAIOR FISCALIZAÇÃO DO RSI E GABINETE ANTICORRUPÇÃO

Que condições, além da remodelação, eram essas? Importa recuar a novembro do ano passado para recordar os motivos por que José Pacheco não acatou as “instruções” do presidente nacional do partido. (André Ventura sugerira então que o seu deputado insular deixasse cair o Governo Regional, a começar com o voto contra no Orçamento.) Acabando por votar favoravelmente, José Pacheco tinha sinalizado, dias antes, três grandes questões que podiam desatar o nó ou fazer cair o Executivo de Bolieiro. Primeira: “O Governo precisa de ser reduzido”. (O deputado pedia também uma “solução definitiva” para que a companhia aérea açoriana SATA deixasse de ser “um sorvedouro de dinheiros públicos”.) Segunda: “Uma melhor e mais eficaz fiscalização” dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI). Terceira: Um gabinete anticorrupção. À última hora, uma proposta de apoio à natalidade e a atribuição de quatro viaturas às corporações de bombeiros de Povoação, Ponta Delgada, Angra do Heroísmo e Horta foram suficientes para alavancar “a última oportunidade” que o Chega disse, na altura, dar ao Governo Regional.

Volvidos cinco meses, é este o ponto de situação que José Pacheco faz ao Expresso:

SATA: “Enviámos dois requerimentos a pedir o plano de reestruturação. Não nos foi entregue. Pedimos ainda que nos fosse dada a viabilidade das rotas aéreas. Também não nos foi dada, alegando segredo comercial.”

Fiscalização do RSI: “Foi-nos prometida uma série de concursos, de novos inspetores. A verdade é que não vemos nada.”

Gabinete anticorrupção: “Em janeiro fomos visitá-lo e fomos surpreendidos com um sótão, em que as pessoas andam a malhar com a cabeça nos tetos. Sem condições, sem meios humanos e técnicos e sem dignidade para fazer um trabalho eficaz.”

Apoio à natalidade: “A proposta carecia de legislação, de regulamentação. Essa regulamentação nunca apareceu.”

Viaturas para os bombeiros: “A única informação que tenho da parte do secretário regional, e até vou dar o benefício da dúvida, é que está em fase de estudo.”

AGENDAS MOBILIZADORAS DO PRR

A “gota de água” para José Pacheco foram as Agendas Mobilizadoras do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). “O secretário regional mentiu-me. Disse que o Governo não tinha tido qualquer interferência e eu ouvi das câmaras de comércio que o Governo Regional teve toda a influência”, acusa o deptuado regional.

Todos os partidos fora da coligação governativa, ouvidos pelo Expresso, alertam que se o relatório da comissão de inquérito concluir que houve irregularidades, o Executivo poderá mesmo tremer. O deputado do Chega não espera por essas conclusões: “Eu já concluí. Não preciso de chegar ao fim. Eu ouvi os intervenientes.”

Nenhum outro partido está a dar grande importância às ameaças de José Pacheco. Primeiro, porque o Orçamento só será discutido daqui a mais de meio ano, depois, porque se dizem todos mais preocupados com as crises sucessivas: à crise provocada pela pandemia somaram-se os efeitos económicos e sociais da guerra na Ucrânia e a crise sismovulcânica na ilha de São Jorge. E ainda porque à ameaça do ano passado se seguiu um recuo por parte do Chega. Mas todos aguardam as conclusões da comissão de inquérito sobre as Agendas Mobilizadoras do PRR. É aí que poderá jogar-se a sério o futuro do Executivo de Bolieiro (Expresso, texto do jornalista Hélder Gomes)

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