sábado, abril 30, 2022

A receita dos bancos centrais há 40 anos


Nos anos 70, os bancos centrais aumentaram os juros até 20% nos Estados Unidos e 25% em Portugal. O anterior surto inflacionista nas economias desenvolvidas saiu da prateleira das bibliotecas para refrescar a memória dos economistas e políticos que acham que a história se está a repetir. O anterior ciclo de preços altos, que já não se via desde o final da II Guerra Mundial, iniciou-se há quase meio século. Viria a ser debelado com um aperto extremo da política monetária, com os juros do banco central a chegarem a 20% em alguns meses de 1980 e 1981 nos Estados Unidos, a atingirem 25% em Portugal e a mais do que duplicarem na Alemanha (então República Federal da Alemanha).

O custo da operação de meter a inflação na ordem foram dois anos de recessão na América, com o desemprego a chegar a perto de 11%, e um período na Comunidade Económica Europeia (CEE, a antecessora da União Europeia) que foi batizado de ‘euroesclerose’ por um economista alemão, Herbert Giersch, com quase-estagnação e desemprego acima de 10%. Em Portugal, que padecia adicionalmente de várias ‘doenças’ próprias, aquele período saldou-se por dois resgates do Fundo Monetário Internacional (FMI), uma desvalorização deslizante do escudo, dois anos de recessão e o desemprego acima de 7%.

Por isso, quando hoje se fala de acelerar a subida dos juros, não perdendo nem mais um minuto, e de emagrecer rapidamente os ativos obesos dos bancos centrais em níveis recorde (em €8,8 biliões no caso do Banco Central Europeu e quase nove biliões de dólares para a Reserva Federal norte-americana), alguns economistas insistem em recordar os custos das políticas violentas de desinflação dos anos 70 e 80 do século passado. Na semana passada, Hélène Rey, uma economista francesa que dá aulas na London Business School, deixou um aviso num debate promovido pelo FMI: “Apertem, mas não exagerem.”

O regresso atual do palavrão ‘estagflação’ (junção de estagnação económica com alta inflação) pode ser até enganador. A situação há 40 anos era diversa em termos de médias anuais e entre as economias desenvolvidas e na combinação entre o comportamento do PIB e dos preços. Nos EUA dava-se atenção, inclusive, à evolução conjunta de três variáveis: crescimento, inflação e desemprego. Este último era muito sensível, com a memória da catástrofe social na Grande Depressão.

A TERAPIA DE VOLCKER

Regressando à história, nos Estados Unidos o surto é apenas um ano mais velho do que o 25 de Abril português. No espaço de apenas um ano, os preços no consumidor quase duplicaram: de 3,3% em 1972 para 6,2% no ano seguinte, em que dois choques se conjugaram para abalar a maior economia do mundo — o Presidente Nixon acabaria com a indexação do dólar ao ouro e o cartel da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) decretou um embargo aos países apoiantes de Israel.

Então, o surto na América não foi temporário — durou uma década. A taxa de inflação chegou a registar dois dígitos entre 1979 e 1981, e aquele período foi batizado de “Grande Inflação”, imitando a designação de Grande Depressão usada para o maior cataclismo económico do século XX. Em Portugal, a inflação duplicou no espaço de três anos, chegando aos 26% no final do ano da Revolução dos Cravos, e na Alemanha se também multiplicou por dois, saltando de 6% para quase 13%.

A taxa de desconto do Banco de Portugal disparou de 4% em 1973 para 25% de 1983 a 1985

Para controlar a Grande Inflação, os EUA hesitaram durante algum tempo, com uma política monetária que ficou conhecida por ‘pára-arranca’, até que o Presidente democrata Jimmy Carter decidiu chamar, em agosto de 1979, Paul Volcker, até então presidente do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque, para tomar as rédeas do Conselho de Governadores da Reserva Federal. O mundo sofria então um segundo choque petrolífero depois da queda do xá do Irão. E Volcker resolveu aplicar um choque monetário logo a partir da famosa reunião de um sábado, a 6 de outubro: as taxas subiram de 11,5% para 13% e, passado duas semanas, já estavam em 15,5%. No ano seguinte, logo em março, subiram para um máximo de 20%, quando a inflação atingiu um pico de quase 15%. Volcker acabou por gerir a taxa em estilo ioiô, com subidas e descidas, e voltou a impor 20% em dezembro de 1980 e em fevereiro e maio de 1981. A inflação acabaria por levar algum tempo a descer de um pico anual de 13,5%, em 1980, para 3,5%, três anos depois. O custo foi uma contração ligeira em 1980 e uma recessão de quase 2% em 1982.

Na Alemanha, o Bundesbank foi menos agressivo. As taxas nunca chegaram sequer a triplicar: de 3% em 1978 subiram até 7,5% no início de 1982, para iniciarem uma descida até ao ponto de origem, interrompida a partir de 1989. O crescimento médio na CEE caiu abaixo de 1% entre 1981 e 1983, mas nunca entrou em recessão. No entanto, o desemprego manteve-se acima de 10%, em média, durante quase 10 anos, enquanto nos EUA acabou por descer. Em Portugal, a taxa de desconto do Banco de Portugal disparou de 4% em 1973 para 25% de 1983 a 1985. A economia portuguesa sofreu duas recessões, em 1975 e 1984.

Nas duas décadas seguintes, os bancos centrais começaram a conquistar a sua independência formal face aos Governos e avançaram com metas de controlo da inflação. Os pioneiros foram os da Nova Zelândia, Canadá e Reino Unido, a que se seguiu o Banco Central Europeu, depois de criado, em 1998. A Fed levaria mais tempo e só aprovou a meta de 2% em 2012 (Expresso, texto do jornalista JORGE NASCIMENTO RODRIGUES)

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