I. Já aqui me referi, no meu texto de ontem, à palhaçada que foi encenada esta semana em Paris a pretexto da entrega de um estudo encomenda pelo governo de coligação de Lisboa à OCDE. Palhaçada porque os nossos governantes, com a cumplicidade idiota de responsáveis por algumas instituições internacionais, europeias ou não, muitas delas sem credibilidade, insistem em dizer que está tudo bem neste miserável país escondendo o descalabro social em que estamos mergulhados e que este ano se vai agravar com todas as consequências na própria instabilidade social nas ruas.
Aliás, de pouco ou nada serve recordar que ainda ontem ficamos a saber que a economia portuguesa acumula nove trimestres consecutivos de recessão, tendo sofrido a maior contracção da actividade desde início de 2009: caiu 3,9% no primeiro trimestre deste ano comparando com igual período do ano passado, indica o Instituto Nacional de Estatística. Mas para os governantes estamos no bom caminho e tudo está a desenvolver-se de acordo com o previsto.
De pouco ou nada serve recordar que ainda ontem ficamos a saber que a taxa de desemprego em Portugal manteve-se nos 17,5% em Março, a terceira maior dos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Para os governantes, estamos no caminho certo e tudo está a desenvolver-se de acordo com o previsto. Pouco importam os custos sociais graves, os problemas causados nos rendimentos das famílias, o desemprego a níveis vergonhosos e nunca antes vistos, os dramas dos jovens obrigados a emigrar, a pobreza dos reformados e pensionistas cada vez mais alvos preferenciais da gatunagem do poder lisboeta, etc. Nada disso é importante para a escumalha, seja ela qual for. O importante é pagarmos milhões roubados aos cidadãos só em juros para encher a pança da banca especulativa e dos credores que conseguem lucrar com a dívida e a desgraça dos países com mais problemas e mais frágeis.
Mas voltando a palhaçada da encenação propagandística em Paris, por causa de um relatório com propostas para a chamada reforma do estado, melhor dizendo, para viabilizar os cortes da despesa pública, permito-me transcrever., com a devida vénia, um pequeno texto de opinião do jornalista e director do Expresso, Ricardo Costa, publicado na plataforma digital deste jornal, e que dispensa mais comentários:
"Uma das coisas boas de ser jornalista durante alguns anos é podermos ver em poucos anos uma coisa e o seu contrário. Quando via Pedro Passos Coelho, em Paris, ao lado de Angel Gurría na sede da OCDE, veio-me à memória uma imagem do mesmíssimo Angel Gurría em Setembro de 2010 ao lado de Teixeira dos Santos no "nosso" Terreiro do Paço. Nessa altura o governo socialista tentou usar como trunfo a vinda a Lisboa do secretário-geral da OCDE para apresentar um relatório onde se recomendava o aumento da carga fiscal para conseguir o chamado equilíbrio orçamental.
Para além de defender o aumento de impostos - o que, na altura, começava a dar imenso jeito a Sócrates e Teixeira dos Santos - Angel Gurria apelou a um "um forte consenso político" para alcançar a consolidação das contas públicas e considerou "uma injustiça" a pressão dos mercados financeiros sobre Portugal. Música para os ouvidos do PS... e trovões para os do PSD. Não faltou muito para o PSD atacar a OCDE nem para Passos vir dizer que não aceitava um aumento de impostos no Orçamento do Estado para 2011...
A crítica mais violenta (e divertida) veio pela voz de António Nogueira Leite, recordando os tempos em que Angel Gurría tinha literalmente deitado as finanças do México ao charco: "são palavras absolutamente inaceitáveis de um senhor que fez parte de um Governo que durante 70 anos teve o México sob mão de ferro, naquilo a que muita gente apelidou da ditadura perfeita, esse senhor de facto não tem nível para estar no lugar que está". O PS achou a crítica indigna e elevou a OCDE aos degraus do Parnaso. O PSD arrasou a organização.
Passaram apenas dois anos e meio e o PSD anda abraçado à OCDE e o PS a desqualificá-la. O único que deve ter a mesma opinião sobre Angel Gurría é mesmo o António Nogueira Leite. Vantagens de já não estar na política".
Quando se fala de mentirosos e de hipócritas na política, quando a política muitas vezes se transforma numa arena para o desfilar de demagogias, oportunistas e patetas, julgo que este pequeno texto do Ricardo Costa fala por si só sobretudo quando coloca em evidência a postura absolutamente idiota de partidos e políticos, que perderam toda a vergonha, que há muito perderam referencias ideológicas ou princípios éticos, já que que varia em função de estarem no poder ou na oposição. A trampa, confesso, infelizmente é a mesma neste país. Percebe-.se porque cresce o distanciamento dos cidadãos relativamente à política, aos políticos e aos partidos. Com estes comportamentos não há volta a dar
II. A RTP emitiu recentemente uma reportagem sobre a aldrabice vergonhosa dos contractos "swaps" que representam, para as situações já identificadas, riscos de perdas potenciais para o Estado da ordem dos 3 mil milhões. Ou seja estamos perante um novo escândalo que pode significar cerca de 50 por cento do que nos custou o BPN, situação que se se confirmar será uma vez mais paga pelos contribuintes. Mas sobre isto, o nº 2 do governo de coligação de Lisboa nada disse.
O que é vergonhoso é que o cobrador de impostos Gaspar, sempre muito solícito quando se trata de lixar os cidadãos, sobre esta pouca-vergonha - que já provocou a demissão de dois secretários de estado e que pode ainda causar uma baixa numa secretária de estado do Ministério das Finanças - nada disse, limitando a afirmar na comissão parlamentar onde esteve há dois dias o seguinte: "Existe matéria que se fosse revelada publicamente teria como consequência, danos para o interesse público que é dever do governo defender". Afinal o que é que se passa com este escândalo? Que mafiosidade estará a ser escondida pelo servo da Alemanha e da banca europeia que estranhamente ainda se mantem no ministério das finanças, garantindo deste modo que este continua sob "ocupação estrangeira"? O mistério agrava-se quando nessa mesma reportagem da RTP – no espaço denominado Sexta às 9 - um professor universitário garante que "ainda não vimos mais do que a ponta do iceberg...". Com que direito o cobrador de impostos Gaspar esconde a verdade aos portugueses? E porque motivos? O que é que ele esconde ou quer esconder? Que ligações, que tramóias, que cumplicidades, que protagonistas afinal estão associados a este potencial escândalo? O que é que ele defende, quem é que ele está a defender? (LFM-JM)