quinta-feira, maio 16, 2013

Opinião: "O discurso do girassol"



"O discurso que se tornou corrente no período entre o fim da guerra de 1939-1945, e a crise mundial em que a comunidade mundial se encontra, deu origem à teoria do Estado espetáculo, uma expressão que perdeu uso à medida que a euforia desfalecia acompanhando a quebra de confiança na governação, no contrato social, e no futuro.
Num dos contos de Gabriel García Márquez, sobre "O afogado mais bonito do mundo", encontra-se o modelo desaparecido dessa eloquência, quando na miserável aldeia de Esteban desembarca um comandante inesperado e desconhecido, e "disse ao povo em catorze idiomas, olhem para ele, onde o vento é agora tão manso que fica a dormir debaixo das camas, ali, onde o sol brilha tanto que os girassóis não sabem para onde girar..."
Traduzido para europeu, a versão parece ter sido reduzida a um breve conceito que espera ver os girassóis naquele embaraço pelo método, apontado como apoiado em alicerces científicos, da destruição construtiva. A primeira parte tem sido conseguida com desenvoltura, mas as gerações vivas parecem cada vez menos esperançosas de que, ao menos as gerações futuras, vejam nascer os girassóis enlouquecidos pela luz.
A Europa, por enquanto, anda pretensiosamente dividida entre ricos do Norte e pobres do Sul, agravando o desastre apoiada em duas hesitações: a de romper a submissão aos indícios de diretório com péssima crónica secular e exigir um regresso aos fundamentos estruturais da União, usando o poder da voz dos muitos atingidos pela pobreza contra a voz do poder dos que necessitam de ser chamados à realidade; e a da timidez dos fracos, omitindo enfrentar e procurar soluções viáveis e aceitáveis para gerir a ganância globalista que, no passado, conseguiu dos povos do terceiro mundo que pagassem em juros mais do que o capital recebido.
É o Conselho Económico e Social da ONU que pode ver-se na situação de fazer recomendações ao Conselho de Segurança. Estas considerações não se filiam necessariamente na angústia que vai crescendo, tomam antes em conta que já no século passado a ONU, que agora parece evoluir para templo de orações a um Deus desconhecido, foi advertida para a necessidade de prestar a devida atenção a duas perigosas ameaças para a paz, que eram a disseminação das armas de destruição maciça e a miséria.
Não é necessário um grande esforço para reconhecer que as primeiras tiveram uma disseminação que alerta todos os governos responsáveis e que a segunda mostra um dinamismo que, pelo que toca aos europeus, já ultrapassou o Mediterrâneo, por enquanto hesitante em saltar para lá do limes do império romano. Os que, na década de sessenta do século passado, alertaram a ONU sabiam, por experiência vivida, que a quebra da paz pode ter início por acidentes banais: a guerra de 1914-1918 começou com o assassínio de um príncipe, a de 1939-1945 porque subiu ao poder germânico, pela via democrática, um desequilibrado de pouca estatura e cabelos pretos, fascinado pelos loiros e ruivos do Norte.
Porque os poderes políticos, como já foi assinalado, dão mostras, em número crescente, de serem ultrapassados pelos factos, a sociedade civil agredida movimenta-se independente das formações partidárias, em busca de uma nova versão do contrato social, porque é angustiante a necessidade da sobrevivência com dignidade, mesmo reduzida esta à ambição modesta de ter trabalho e pão na mesa.
Não parece que a atenção dos responsáveis europeus, sobretudo dos que se consideram abonados de recursos, de saber certificado e de ambição de poder, tenha sempre na memória os factos de relevância improvável que frequentemente quebraram a paz.
Há poucos dias, um português modesto dirigiu-se ao provedor de Justiça, segundo notícias publicadas, invocando o direito constitucional de resistência, para escolher entre pagar impostos ou alimentar os filhos. É de esperar que a petição, se existe, esteja a ser meditada." (texto de Adriano Moreira, DN deLisboa com a devida vénia)