terça-feira, maio 14, 2013

Opinião: "Jorge Miranda acha que o meu dinheiro é dele"

"O constitucionalíssimo Jorge Miranda, um dos grandes reaccionários do actual momento da pátria, resolveu considerar a pensão de reforma como algo equivalente à propriedade privada. É um pouco triste, mas neste país constitucionalíssimo ninguém parece interessado em vasculhar o baixo mundo da matéria, a realidade concreta e suja da vidinha. Tal como milhares de outros reformados ou de pessoas a caminho da reforma, Jorge Miranda não conhece o funcionamento do modelo de segurança social existente em Portugal (quer na CGA, quer no regime geral). Não sabe ou não quer saber, e por isso cai neste reaccionarismo que recusa qualquer mudança no status quo. Um status quo que, repita-se, só beneficia a geração de Jorge Miranda, Ferreira Leite, Bagão Félix, etc.
Tal como existe em Portugal, a segurança social é um sistema estatal que obriga os cidadãos a fazer x descontos. Repito: é estatal e obrigatório. Além disso, os descontos do cidadão Jorge Miranda não ficam anexados a uma conta pessoal e intransmissível. Era bom que assim fosse, mas não é assim que o sistema funciona (aliás, aposto que Jorge Miranda consideraria inconstitucional um sistema de segurança social que criasse contas individuais e capitalizadas). Nesta realidade colectiva e a milhas da noção de propriedade privada, os descontos do contribuinte Jorge Miranda são atirados para um saco comum que alimenta quem já está reformado. Quando chegar à idade da reforma, Jorge Miranda dependerá dos descontos da geração mais nova. Ou seja, a pensão do dr. Miranda dependerá da propriedade privada de outrem. Sim, é isso mesmo: em Portugal, a pensão de reforma não é propriedade privada do reformado, porque depende da propriedade privada de quem está a descontar. As reformas destes sistemas colectivos que nos apascentam não são Planos de Poupança e Reforma (PPR).
E este é precisamente o centro da falácia de Jorge Miranda: o Sôr Doutor Constitucionalíssimo está a pedir um efeito capitalista para uma causa socialista, está a pedir uma protecção individual para algo que foi sempre colectivo, está a ver um PPR privado onde só existe um saco colectivo. Ora, um PPR é mesmo propriedade privada, porque o seu proprietário colocou dinheiro numa conta pessoal abrangida pelo direito de propriedade. Aquele dinheiro existe mesmo, não é um cálculo virtual. Ao invés, as pensões dos sistemas colectivos são meros cálculos virtuais que não resistem à frieza dos números do PIB e da demografia. Com a crescente redução do número de trabalhadores e de jovens e com o crescente aumento dos reformados, o valor das pensões tem mesmo de descer. Menos pessoas e menor riqueza não podem continuar a pagar pensões calculadas num cenário que contava com mais gente e maior riqueza. Ou será que quem tem menos de 50 anos está destinado a trabalhar apenas para aquecer, isto é, para pagar impostos e segurança social? E a Constituição nada diz sobre a ausência de dinheiro para as reformas dos mais novos em 2030 ou 2040? Onde é que está o contrato entre gerações?" (texto de Henrique Raposo, Expresso, com a devida vénia)