sexta-feira, maio 24, 2013

Offshores mundiais escondem 14 biliões de euros



Segundo os jornalistas do Público, Cristina Ferreira e Victor Ferreira, "dois terços do dinheiro em paraísos fiscais - 9,5 biliões de euros -, tem origem na União Europeia. Discutir o fim das offshores está a deixar de ser um tabu, mas a solução está longe de ser alcançada. Depois de em Bruxelas altos responsáveis terem aparecido a defender que o fim da fraude e da evasão fiscal é uma questão fiscal e de sobrevivência das economias, ficou a saber-se que estes "territórios" escondem 14 biliões de euros (18,5 triliões de dólares). O que se traduzirá numa perda de receita fiscal para os governos em torno dos 120 mil milhões de euros, segundo as contas da organização internacional não-governamental Oxfam. No dia da reunião dos chefes de Estado e de governo europeus agendada, hoje em Bruxelas, para tomar medidas de reforço na luta contra a evasão e a fraude fiscal, a Oxfam revelou que dois terços do dinheiro "ocultado" em paraísos fiscais estão relacionados com "territórios" da União Europeia (UE). A ONG pediu aos responsáveis europeus que actuem de modo articulado e urgente para pôr um fim à evasão fiscal. Como é que se chegou àquelas contas? Um consultor e especialista da Oxfam, Matti Kohonen, refaz o percurso ao PÚBLICO: a ONG teve em consideração 52 paraísos fiscais; usou como base a lista do US Government Accountability Office, que lista 50, juntando-lhes depois mais dois territórios, a Holanda e o estado norte-americano de Delaware; é um número menor de paraísos fiscais do que aquele que se obtém (cerca de 60) seguindo os critérios da OCDE ou do FMI. "Decidimos usar esta lista de 50 por nos parecer apropriado ao objectivo de exigir a estas potências que ponham fim ao segredo que propicia a existência destes paraísos fiscais", explica.
Desta lista, da UE, estão o Luxemburgo, Holanda, Chipre, Malta, Irlanda e Letónia, além de territórios ultramarinos, associados ou dependentes de países europeus como Andorra (França), Gibraltar (Reino Unido), Aruba (Holanda). Portugal e a Zona Franca da Madeira, por exemplo, não aparecem no grupo de territórios que servem para esconder dinheiro que, em impostos, seria suficiente para "acabar duas vezes com a pobreza extrema no mundo", diz a Oxfam. E porque não está a Madeira? Porque uma zona franca tem "regras mais relaxadas para atrair negócios", mas "é diferente de um paraíso fiscal, que se rege pelo segredo extremo, onde os não residentes podem esconder os seus bens financeiros das autoridades dos seus países de residência", justifica Kohonen. Mas a Madeira "não deixa de preocupar a Oxfam", porque mesmo assim "pode permitir a evasão fiscal".
Já o advogado Gonçalo Martins, da SRS & Advogados, especialista em operações financeiras, considera que, com o fim dos benefícios fiscais, uma imposição do memorando assinado com a troika, a Madeira perdeu as suas características offshores.
Num contexto de maior pressão sobre os orçamentos europeus em que os contribuintes são chamados a pagar décadas de desregulamentação financeira, os decisores, que sempre olharam de lado para estas questões, surgem agora mais colaborantes. Há dois dias o presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy chamou a atenção: "Em tempos de severas restrições orçamentais e de cortes na despesa, combater a evasão e a fraude fiscal é mais do que uma questão de justiça fiscal. Tornou-se essencial para a aceitabilidade política e social da consolidação orçamental." Já antes, o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, saíra em defesa de uma maior transparência dos circuitos financeiros.
Catherine Olier, conselheira da Oxfam para as questões europeias, considera legítimas as preocupações dos responsáveis europeus: "Em tempos de austeridade e de cortes orçamentais, a luta contra a evasão fiscal é uma maneira fácil de conseguir reunir grandes quantidades de dinheiro como alternativa aos cortes" que penalizam as populações, disse ontem ao PÚBLICO. "Em qualquer parte do mundo, os impostos são fontes mais sustentáveis de obter recursos para financiar serviços públicos como a Saúde e a Educação".
Afirmações que surgem no quadro de movimentações que começaram a ganhar asas na Primavera de 2009, quando se realizou a grande cimeira da globalização. Na altura, foi num quadro de incerteza quanto à evolução económica que o G20 proclamou "que a ausência de regulação estava na base da crise" financeira. Mas não agiu em consonância. As 20 potências, entre as quais a UE, limitaram-se a celebrar um compromisso genérico "para ampliar a supervisão e o registo regulador das agências de rating". E sobre o combate à evasão e fraude fiscal pouco adiantaram.
Gonçalo Martins considera o relatório da Oxfam "bem estruturado", pois apela à conciliação "da necessidade de obter receitas para combater a pobreza, com a existência de quantias impensáveis que são detidas por empresas offshore, muitas delas em países que têm índices de desenvolvimento humano baixo, algo que é, no mínimo, paradoxal."
A Oxfam chama a atenção para, em resultado da ocultação de 14 mil milhões de euros em paraísos fiscais, se deixarem de cobrar 120 mil milhões de euros de impostos: "Duas vezes o necessário para que cada pessoa no mundo em pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares por dia." Contas que dão que pensar. Sobre Portugal, Gonçalo Martins diz que não existem números certos, mas acredita "que seja uma parte ínfima dos 9,5 biliões de euros [referentes aos dois terços do bolo total que está na esfera da UE], pois a maior parte está associada aos grandes centros financeiros, como Londres, Frankfurt e Paris."
Utilizar a Holanda não é uma novidade para os portugueses. Um trabalho do PÚBLICO, de Agosto de 2011, sobre o "trilho dos grupos do PSI 20 registados em regiões com menor carga fiscal", concluiu que 19 das 20 maiores empresas cotadas na bolsa lisboeta tinham, no total, 74 sociedades com sedes em países com vantagens fiscais em relação a Portugal. A Holanda era a preferida. Mas a Irlanda e o Luxemburgo também. Já os bancos optavam pelas ilhas Caimão.
Um relatório feito a pedido do grupo socialista europeu, e disponível no site da Comissão Europeia, dá uma indicação sobre Portugal: anualmente a fuga ao fisco representa uma perda de 12 mil milhões de euros. O mesmo valor da linha pública reservada à recapitalização da banca portuguesa e mais 1500 milhões do que o valor do défice público português de 2012 (10,6 mil milhões de euros).
O que deve Portugal fazer? "Tem de apostar numa posição europeia comum clara relativamente à imposição de restrições, a nível global, de zonas de tributação nula ou reduzida", diz o advogado especializado em operações financeiras transnacionais. A existência "de zonas de tributação reduzida na UE (Luxemburgo e Malta, por exemplo) é um factor de desigualdade entre países da UE, mas reforça a competitividade financeira da própria UE, desde que as instituições financeiras sejam supervisionadas. Este último aspecto é fundamental, veja-se o caso de Chipre." Ontem, já terminada a cimeira, a Oxfam comentou o resultado da reunião: "Os líderes da UE não conseguiram pôr-se de acordo sobre uma lista negra de paraísos fiscais e a imposição de sanções contra eles e quem os usa", disse Olier. "É positivo que mostrem vontade, mas são os mais pobres dos pobres que mais são atingidos com as más práticas fiscais e não há um sinal mínimo de que a UE queira envolver os países em desenvolvimento neste esforço".