Segundo
os jornalistas do Público, Cristina Ferreira e Victor Ferreira, "dois
terços do dinheiro em paraísos fiscais - 9,5 biliões de euros -, tem origem na
União Europeia. Discutir o fim das offshores está a deixar de ser um tabu, mas
a solução está longe de ser alcançada. Depois de em Bruxelas altos responsáveis
terem aparecido a defender que o fim da fraude e da evasão fiscal é uma questão
fiscal e de sobrevivência das economias, ficou a saber-se que estes
"territórios" escondem 14 biliões de euros (18,5 triliões de
dólares). O que se traduzirá numa perda de receita fiscal para os governos em
torno dos 120 mil milhões de euros, segundo as contas da organização internacional
não-governamental Oxfam. No dia da reunião dos chefes de Estado e de governo
europeus agendada, hoje em Bruxelas, para tomar medidas de reforço na luta
contra a evasão e a fraude fiscal, a Oxfam revelou que dois terços do dinheiro
"ocultado" em paraísos fiscais estão relacionados com
"territórios" da União Europeia (UE). A ONG pediu aos responsáveis
europeus que actuem de modo articulado e urgente para pôr um fim à evasão
fiscal. Como é que se chegou àquelas contas? Um consultor e especialista da
Oxfam, Matti Kohonen, refaz o percurso ao PÚBLICO: a ONG teve em consideração
52 paraísos fiscais; usou como base a lista do US Government Accountability
Office, que lista 50, juntando-lhes depois mais dois territórios, a Holanda e o
estado norte-americano de Delaware; é um número menor de paraísos fiscais do
que aquele que se obtém (cerca de 60) seguindo os critérios da OCDE ou do FMI.
"Decidimos usar esta lista de 50 por nos parecer apropriado ao objectivo
de exigir a estas potências que ponham fim ao segredo que propicia a existência
destes paraísos fiscais", explica.
Desta
lista, da UE, estão o Luxemburgo, Holanda, Chipre, Malta, Irlanda e Letónia,
além de territórios ultramarinos, associados ou dependentes de países europeus
como Andorra (França), Gibraltar (Reino Unido), Aruba (Holanda). Portugal e a
Zona Franca da Madeira, por exemplo, não aparecem no grupo de territórios que
servem para esconder dinheiro que, em impostos, seria suficiente para
"acabar duas vezes com a pobreza extrema no mundo", diz a Oxfam. E
porque não está a Madeira? Porque uma zona franca tem "regras mais
relaxadas para atrair negócios", mas "é diferente de um paraíso
fiscal, que se rege pelo segredo extremo, onde os não residentes podem esconder
os seus bens financeiros das autoridades dos seus países de residência",
justifica Kohonen. Mas a Madeira "não deixa de preocupar a Oxfam",
porque mesmo assim "pode permitir a evasão fiscal".
Já
o advogado Gonçalo Martins, da SRS & Advogados, especialista em operações
financeiras, considera que, com o fim dos benefícios fiscais, uma imposição do
memorando assinado com a troika, a Madeira perdeu as suas características
offshores.
Num
contexto de maior pressão sobre os orçamentos europeus em que os contribuintes
são chamados a pagar décadas de desregulamentação financeira, os decisores, que
sempre olharam de lado para estas questões, surgem agora mais colaborantes. Há
dois dias o presidente do Conselho Europeu Herman Van Rompuy chamou a atenção:
"Em tempos de severas restrições orçamentais e de cortes na despesa,
combater a evasão e a fraude fiscal é mais do que uma questão de justiça
fiscal. Tornou-se essencial para a aceitabilidade política e social da
consolidação orçamental." Já antes, o presidente da Comissão Europeia,
Durão Barroso, saíra em defesa de uma maior transparência dos circuitos
financeiros.
Catherine
Olier, conselheira da Oxfam para as questões europeias, considera legítimas as
preocupações dos responsáveis europeus: "Em tempos de austeridade e de
cortes orçamentais, a luta contra a evasão fiscal é uma maneira fácil de
conseguir reunir grandes quantidades de dinheiro como alternativa aos
cortes" que penalizam as populações, disse ontem ao PÚBLICO. "Em
qualquer parte do mundo, os impostos são fontes mais sustentáveis de obter recursos
para financiar serviços públicos como a Saúde e a Educação".
Afirmações
que surgem no quadro de movimentações que começaram a ganhar asas na Primavera
de 2009, quando se realizou a grande cimeira da globalização. Na altura, foi
num quadro de incerteza quanto à evolução económica que o G20 proclamou
"que a ausência de regulação estava na base da crise" financeira. Mas
não agiu em consonância. As 20 potências, entre as quais a UE, limitaram-se a
celebrar um compromisso genérico "para ampliar a supervisão e o registo
regulador das agências de rating". E sobre o combate à evasão e fraude
fiscal pouco adiantaram.
Gonçalo
Martins considera o relatório da Oxfam "bem estruturado", pois apela
à conciliação "da necessidade de obter receitas para combater a pobreza,
com a existência de quantias impensáveis que são detidas por empresas offshore,
muitas delas em países que têm índices de desenvolvimento humano baixo, algo
que é, no mínimo, paradoxal."
A
Oxfam chama a atenção para, em resultado da ocultação de 14 mil milhões de
euros em paraísos fiscais, se deixarem de cobrar 120 mil milhões de euros de
impostos: "Duas vezes o necessário para que cada pessoa no mundo em
pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares por dia." Contas que
dão que pensar. Sobre Portugal, Gonçalo Martins diz que não existem números
certos, mas acredita "que seja uma parte ínfima dos 9,5 biliões de euros
[referentes aos dois terços do bolo total que está na esfera da UE], pois a
maior parte está associada aos grandes centros financeiros, como Londres,
Frankfurt e Paris."
Utilizar
a Holanda não é uma novidade para os portugueses. Um trabalho do PÚBLICO, de
Agosto de 2011, sobre o "trilho dos grupos do PSI 20 registados em regiões
com menor carga fiscal", concluiu que 19 das 20 maiores empresas cotadas
na bolsa lisboeta tinham, no total, 74 sociedades com sedes em países com
vantagens fiscais em relação a Portugal. A Holanda era a preferida. Mas a
Irlanda e o Luxemburgo também. Já os bancos optavam pelas ilhas Caimão.
Um
relatório feito a pedido do grupo socialista europeu, e disponível no site da
Comissão Europeia, dá uma indicação sobre Portugal: anualmente a fuga ao fisco
representa uma perda de 12 mil milhões de euros. O mesmo valor da linha pública
reservada à recapitalização da banca portuguesa e mais 1500 milhões do que o
valor do défice público português de 2012 (10,6 mil milhões de euros).
O
que deve Portugal fazer? "Tem de apostar numa posição europeia comum clara
relativamente à imposição de restrições, a nível global, de zonas de tributação
nula ou reduzida", diz o advogado especializado em operações financeiras
transnacionais. A existência "de zonas de tributação reduzida na UE
(Luxemburgo e Malta, por exemplo) é um factor de desigualdade entre países da
UE, mas reforça a competitividade financeira da própria UE, desde que as
instituições financeiras sejam supervisionadas. Este último aspecto é
fundamental, veja-se o caso de Chipre." Ontem, já terminada a cimeira, a
Oxfam comentou o resultado da reunião: "Os líderes da UE não conseguiram
pôr-se de acordo sobre uma lista negra de paraísos fiscais e a imposição de
sanções contra eles e quem os usa", disse Olier. "É positivo que
mostrem vontade, mas são os mais pobres dos pobres que mais são atingidos com
as más práticas fiscais e não há um sinal mínimo de que a UE queira envolver os
países em desenvolvimento neste esforço".