Depois do relatório do FMI que em Janeiro caiu como uma bomba pelo carácter radical dos cortes propostos em salários e pensões, o Governo já tem em mãos as
sugestões da OCDE que também pediu na
altura, no âmbito da projectada reforma do Estado. Mais abrangente e com menos
metas numéricas do que o relatório do Fundo, o texto da OCDE deixa, no entanto,
um conselho ao Governo em matéria de mexidas no Estado: cuidado com a redução da
dimensão da administração pública, para evitar pôr em xeque o seu
funcionamento. E, numa altura em que o Governo se prepara para mexer em vários benefícios,
chama a atenção precisamente para a necessidade de motivar os trabalhadores do
Estado.
Fontes do Governo garantiram ao Expresso que o documento, que
será divulgado terça-feira — dia em que Passos Coelho se encontra em Paris com
o secretário- geral da OCDE, Ángel Gurría —, reconhece os cortes operacionais
feitos pelo Executivo com uma consequente redução da dimensão e custo da administração
pública, mas alerta para os riscos dessa redução ser feita em grande escala,
tendo em conta as experiências de outros países.
A organização pede, por isso, ‘‘planeamento estratégico dos
recursos humanos’’, para que os serviços do Estado não sofram grandes quebras e
salienta a necessidade de motivação dos funcionários, não necessariamente com
aumentos salariais mas com benefícios, confirma fonte oficial. Além dos cortes salariais
que se iniciaram ainda antes do início do programa da tróica, os funcionários públicos têm tido vários outros cortes nos
últimos tempos e voltam a ser visados nas novas medidas apresentadas na semana
passada.
Do que o Expresso conseguiu apurar, a OCDE não faz referência
explícita ao último pacote de austeridade que tem várias medidas para a função
pública nascidas do relatório do FMI. Além das rescisões e da mobilidade,
várias outros ingredientes da “receita” estavam no cardápio do Fundo, como a
revisão da tabela salarial e suplementos ou o aumento do horário de trabalho.
Dando particular atenção à necessidade de políticas para o
desenvolvimento económico, este relatório da OCDE defende uma reforma fiscal
que sustente o crescimento e promova o emprego, através de uma descida de
impostos como o IRC mas também as contribuições para a Segurança Social, que
aumentam os custos do trabalho.
Para os trabalhadores no activo, a OCDE propõe uma alternativa
ao actual modelo contributivo, sugerindo taxas progressivas de Segurança
Social, ou seja, em vez de haver uma taxa social única de 11% passariam a haver
taxas diferentes consoante o nível de rendimento. A organização propõe que isso
seja feito agravando as taxas nos salários mais altos, o que representa um valor
líquido mais baixo, ou pelo menos reduzindo nos mais baixos.
Dependendo do desenho concreto da medida, combinar redução das
contribuições das empresas com eventual agravamento da taxa social para os
trabalhadores (ainda que só para alguns) e de outros impostos (património e
ambiente), pode tratar-se de uma solução do tipo desvalorização fiscal
(semelhante à originalmente proposta pela troika) ou até da solução
TSU que o Governo abandonou em Setembro de 2012.
O aumento da idade da reforma, o congelamento das reformas
antecipadas e a convergência dos sistemas público e privados de pensões são
propostas partilhadas pelo FMI e pela OCDE, bem como o aumento dos horários de trabalho
no Estado e a reforma dos subsídios de desemprego. Embora este relatório seja
menos quantificado e projecte (numa filosofia diferente dos estudos do FMI)
sobretudo linhas de fundo enquadradoras para reformar o Estado (que deve deixar
de ser agente económico) e promover o desenvolvimento, Paulo Portas deverá
aproveitar mais desta ajuda do que da do FMI para o guião sobre a reforma do
Estado que pretende apresentar até finais de maio.
Elogioso para o Governo, pelo que já fez em
matéria de reformas laborais, remoção de golden shares (direitos especiais nas empresas), flexibilização de
licenciamentos ou renegociação das PPP, o relatório da OCDE propõe, no entanto,
que se vá mais longe em termos de rendas excessivas em alguns sectores,
concentração de mercado e preços de electricidade e do gás (que sublinha serem
ainda elevados à luz dos padrões internacionais). A privatização das empresas
de transportes também consta das sugestões. Bem como uma crescente aposta no
ensino técnico-profissional. A organização realça que continua a existir uma falha
entre o ensino escolar e as capacidades procuradas pelas empresas. (fonte: Expresso,
com a devida vénia)