‘Mais de 200 mil barris com resíduos radioativos
encontram-se espalhados no fundo do oceano Atlântico, a poucas centenas de
quilómetros da costa francesa, onde foram depositados durante quase meio
século, entre 1946 e 1990. À época, vários países europeus, incluindo França e
Reino Unido, consideravam seguro descartar este tipo de materiais em alto mar,
selando-os em betume e betão antes de os lançar em águas profundas.
Hoje, estes contentores repousam a cerca de 4 mil
metros de profundidade, em vales submarinos localizados ao largo da Baía da
Biscaia, numa zona designada para esse efeito pela Agência para a Energia
Nuclear (NEA), organismo intergovernamental que coordena políticas de segurança
nuclear e gestão de resíduos. Ao longo de 15 anos, os países europeus terão
despejado no Atlântico Nordeste cerca de 42 petabecqueréis de resíduos de baixa
radioatividade — o equivalente a 42 biliões de desintegrações atómicas por segundo.
Apesar de se tratar maioritariamente de materiais considerados de risco reduzido, especialistas alertam para o perigo de contaminação a longo prazo da vida marinha e consequente impacto na saúde humana através da cadeia alimentar. Entre os radionuclídeos encontrados estão substâncias como estrôncio-90, que imita o cálcio e pode acumular-se em ossos de peixes e outros organismos, passando depois para o consumo humano.
Primeira missão localizou mais de 3.300 barris
Este verão, uma equipa de investigadores franceses,
liderada pelo Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS), realizou a
primeira de duas missões científicas a partir do navio de investigação
L’Atalante. Munidos de sonar e do robot submarino autónomo UlyX, mapearam parte
das planícies abissais, cerca de 650 quilómetros da costa francesa,
identificando 3.355 barris no local.
O UlyX, com 4,5 metros de comprimento, conseguiu aproximar-se até 10 metros dos barris, registando imagens que revelam estados distintos de conservação: alguns permanecem intactos, outros apresentam corrosão ou deformações, e muitos foram já colonizados por anémonas e outros organismos fixos. Foram mesmo observados indícios de fugas de substâncias não identificadas, provavelmente betume. Além do mapeamento, a expedição recolheu 1.321 galões de água, 345 amostras de sedimentos e 19 amostras biológicas (incluindo peixes e pequenos crustáceos), com vista a análises laboratoriais detalhadas. “Os instrumentos de segurança radiológica a bordo detetaram valores próximos dos níveis naturais de fundo ambiental”, informou a equipa num relatório preliminar. Contudo, os cientistas sublinham que serão necessários vários meses para obter resultados mais precisos.
Próxima etapa: medir contaminação radioativa e química
Uma segunda missão está prevista para o próximo ano. O objetivo será medir radionuclídeos em água, sedimentos e organismos marinhos recolhidos no local e distinguir a radioatividade proveniente destes barris daquela resultante de acidentes nucleares ou descargas controladas de centrais. Entre os elementos a analisar estão césio-137, com uma meia-vida de cerca de 30 anos, plutónio-241 (13 anos) e urânio-238, que pode manter-se radioativo durante 4,5 mil milhões de anos. Estes radionuclídeos podem permanecer perigosos durante várias gerações. Paralelamente, os cientistas também irão testar a presença de PFAS, compostos industriais persistentes no ambiente e suspeitos de serem carcinogénicos.
Risco imediato baixo, mas ameaça a longo prazo
Especialistas sublinham que, devido à grande
profundidade e à fraca radioatividade de parte significativa do material, o
risco imediato para a saúde humana é considerado reduzido. No entanto, o facto
de os barris terem sido concebidos para durar apenas 20 a 26 anos e estarem
hoje muito para além desse prazo de resistência levanta preocupações
crescentes.
Cerca de um terço do material depositado é trítio, considerado pouco relevante do ponto de vista radiológico, mas a restante carga inclui emissores beta e gama, além de uma pequena fração de radiação alfa, mais perigosa. Os contentores nunca foram projetados para reter indefinidamente os resíduos, mas apenas para permitir a dissipação dos elementos de vida curta. Quase 50 anos depois, os investigadores alertam que a verdadeira ameaça poderá residir na lenta infiltração de radioatividade no ecossistema marinho, algo que só o tempo e as análises em curso poderão confirmar (Executive Digest, texto do jornalista Pedro Zagacho Goncalves)
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