sábado, janeiro 21, 2023

Mais de 3 mil credores do Banif têm 950 milhões de euros a receber, mas só há 58 milhões para distribuir

 

Com €489 milhões de créditos, o Fundo de Resolução e uma ex-trabalhadora estão em posição privilegiada entre os credores do antigo Banif e devem esgotar verbas disponíveis na liquidação. Resolução foi há sete anos. Mais de sete anos depois de o Banco de Portugal ditar o seu fim, há finalmente uma lista de credores reconhecidos do Banif. Milhares de reclamações de particulares que perderam dinheiro no banco do Funchal foram validadas, mas é praticamente certo que nada receberão na liquidação, já que o Fundo de Resolução vê confirmado que tem direito aos 489 milhões de euros que gastou em 2015 com privilégio na recuperação – praticamente esgotando as verbas disponíveis.

Depois da polémica política que quase motivou uma comissão de inquérito e com base na qual o PSD colocou um conjunto de perguntas ao primeiro-ministro (que dois meses depois ainda aguardam resposta), o Banif volta ao espaço mediático porque a comissão liquidatária fechou a lista de credores da instituição que foi fundada por Horácio Roque e que tinha forte presença nas ilhas portuguesas. Segundo a informação obtida pelo Expresso junto de fonte ligada ao processo, foram entregues 6109 reclamações de crédito, que agregavam mais de 7000 reclamantes, porém nem todas foram reconhecidas. A comissão liquidatária teve de analisar os créditos e aferir se tinham razão para serem incluídos na listagem e concluiu que há apenas 3510 credores reconhecidos, num valor global de 951 milhões de euros.

Destes valores, um total de 489 milhões de euros diz respeito a créditos privilegiados, montante que é sobretudo atribuído ao Fundo de Resolução – pelo valor que utilizou em 2015, na medida de resolução determinada pelo Banco de Portugal. Há também uma ex-funcionária que viu o seu crédito reconhecido como privilegiado pelo caráter laboral, decorrente de um processo judicial. Os privilegiados são os que têm direito a receber em primeiro lugar.

Há depois uma parcela de 70 milhões de euros reconhecidos como créditos comuns, havendo depois 391 milhões de euros em créditos subordinados. A diferença entre credores comuns e subordinados justifica-se porque os primeiros foram transferidos, na sua maioria, para o Santander Totta em 2015, tendo ficado no banco “mau” do Banif o crédito deixado pelo Novo Banco. Segundo consta de documentação do Banif, o Novo Banco vendeu este crédito à sociedade de crédito Ares Lusitani. Este era originalmente um crédito concedido pelo BES ao Banif antes da resolução.

Segundo a documentação consultada pelo Expresso, há outros 44 credores, como a Autoridade Tributária, com 2,6 milhões, e o grupo Cofidis, com 3,5 milhões, no total. No caso dos créditos subordinados encontram-se sobretudo os titulares de dívida subordinada, que dificilmente conseguirão alguma recuperação. Daí que venham tentando encontrar uma solução com o Governo para um ressarcimento por outras vias, como ocorreu com o papel comercial do BES.

No relatório e contas de 2021, agora divulgado mas com data anterior ao fecho da listagem de credores, a comissão liquidatária já dizia que há uma “manifesta debilidade financeira desta liquidação e consequente incapacidade para pagar os créditos que venham a ser reconhecidos, com exceção de uma pequena parcela dos créditos que venham a ter o estatuto de privilegiados”.

FUNDO DE RESOLUÇÃO FICA COM QUASE TUDO?

Como referido, o Fundo de Resolução ficará com praticamente todo o montante a recuperar pela massa insolvente. “A Comissão Liquidatária do Banif reconheceu ao Fundo de Resolução um crédito de 489 milhões de euros, com a natureza de crédito privilegiado”, segundo confirmou o Fundo de Resolução. Esse crédito diz respeito aos 489 milhões de euros que o Fundo, financiado pelas contribuições da banca, gastou na resolução do Banif – a restante parcela do resgate do banco foi paga diretamente pelos cofres do Estado.

Sendo credor privilegiado, o Fundo de Resolução - presidido pelo vice-governador do Banco de Portugal, Luís Máximo dos Santos -, tem direitos de ser ressarcido previamente aos credores comuns. E por essa via deverá, por si, esgotar o que resulta do saldo patrimonial do Banif, a par do outro crédito privilegiado reconhecido. De acordo com o relatório e contas de 2021, o Banif tem um ativo líquido de 58 milhões de euros, para fazer face a responsabilidades totais que ascendem a 900 milhões de euros. Quer isto dizer que esgotado o ativo, ficam 851 milhões de euros em passivo por reembolsar. Um buraco que ficará por preencher.

À ESPERA DO FISCO

Para este valor do ativo, a comissão liquidatária do Banif, presidida pelo diretor reformado do Banco de Portugal José Bracinha Vieira espera sobretudo o reconhecimento de 54 milhões por parte da Autoridade Tributária. A grande fatia do ativo do Banif deve-se a uma rubrica específica: esta entidade acredita ter direito aos 53,6 milhões de euros por via do regime especial aplicável aos ativos por impostos diferidos, que gera o direito de este montante se tornar num crédito fiscal a receber (ou dinheiro que o banco pode descontar na fatura fiscal).

Só que tudo se está a complicar para a sua concretização porque a data a partir da qual se fecharam as contas do Banif foi a 22 de maio de 2018, quando o Banco Central Europeu (BCE) tirou a sua licença bancária e automaticamente conduziu à liquidação judicial. A questão tem estado “entravada pelo facto de o sistema informático da AT não prever a possibilidade de apresentação de contas com referência à data de revogação da autorização do Banif, SA, pelo BCE, a 22 de maio de 2018, criando uma impossibilidade à Unidade dos Grandes Contribuintes de iniciar a última inspeção a estes valores com vista à sua confirmação”, segundo o relatório e contas de 2021.

“Pela gravidade que a questão está a assumir, pode afirmar-se sem sombra para dúvidas que este se tornou um problema absolutamente crucial para a continuidade da liquidação e para a consecução das metas e obrigações exigentes que foram definidas pela Comissão Europeia na sua Decisão sobre a Ajuda de Estado ao Banif”, continua o mesmo documento, dizendo que se mantêm as “diligências, iniciadas há cerca de ano e meio, para que o sistema informático da AT aceite as contas relativas a um exercício não anual, que terminou a 22 de maio de 2018, situação que está a ser objeto de análise pelos serviços do IRC”.

NOVO BANCO CEDE CRÉDITO DE MAIS DE 50 MILHÕES

Ana Baiao

Entretanto, entre os maiores credores à data de 2018 há um que agora transferiu a titularidade do crédito. O Novo Banco cedeu em 2020 o crédito que tinha sobre o Banif à Ares Lusitani, sociedade de titularização de créditos. O Banif foi condenado a pagar este crédito de 53 milhões de euros, bem como dos juros a pagar, o que acrescenta 12 milhões ao montante. Apesar de dificilmente conseguir recuperar dinheiro no processo de liquidação do Banif, já que antes de chegar aos credores comuns o ativo do Banif será consumido pelos credores privilegiados, a Ares Lusitani poderá vir a beneficiar, no futuro, do mecanismo que impede que um investidor saia mais penalizado de uma resolução bancária do que de uma liquidação bancária – se acontecesse, seria preciso ser compensado pelo Fundo de Resolução.

A auditoria que foi realizada a mando do Banco de Portugal mostrou que os credores comuns do Banif teriam direito a receber 12,7% do valor do investimento, o que poderá dar esse correspondente a pagar à sociedade de titularização de créditos. Mas esse pagamento só irá acontecer no fim da liquidação, que não tem data.

MUITOS RECLAMANTES NÃO FORAM RECONHECIDOS

Entretanto, dos cerca de 7000 reclamantes, houve muitos que não foram reconhecidos pela comissão liquidatária do Banif, incluindo os antigos acionistas – que perderam todo o seu investimento com a resolução.

Também há uma parcela relevante de reclamações que partem de titulares de instrumentos financeiros emitidos por empresas do grupo privado acionista do Banif, a Rentipar, mas que a comissão liquidatária considera não se enquadrarem na liquidação.

Marcos Borga

CONTESTAÇÃO ATÉ MARÇO

Depois da apresentação desta lista, há agora possibilidade de contestação. De acordo com a informação que consta no site da liquidação, segue-se agora um período para a sua consulta, que irá decorrer de 23 de janeiro a 13 de fevereiro, inclusive, sendo que a apresentação de impugnações, por discordância do valor reconhecido ou para contestar a exclusão dessa lista, pode acontecer até 13 de março, igualmente inclusive. A comissão liquidatária do Banif assegurou agora um espaço para que possa ser possível a consulta destas listagens (Expresso, texto do jornalista Diogo Cavaleiro)

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