domingo, janeiro 08, 2023

CGD e Berardo. Ministério Público recusa acesso ao processo, apesar de segredo de Justiça ter terminado

 

Segredo de Justiça terminou em finais de outubro. Relação recusou alargamento desse segredo, em decisão de 15 de Junho, mas Ministério Público, ao ECO, insiste que o mesmo ainda não é público. O Ministério Público (MP) está a vedar o acesso ao processo CGD/Berardo, apesar do segredo de Justiça já ter terminado no final de outubro. O pedido de consulta foi feito, várias vezes, pela defesa de Joe Berardo, a cargo do advogado Paulo Saragoça da Matta, mas sem sucesso. O ECO tentou igualmente ter acesso a esse processo mas a resposta que fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) deu foi de que o mesmo ainda não era público e remeteu esse mesmo pedido para o DCIAP — onde corre o processo. Mas este departamento do MP, que investiga a criminalidade mais complexa, não reagiu ao pedido do ECO. Apesar da acusação insistir que este processo — que investiga a suspeita de crimes de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento de capitais, alegadamente cometidos por Joe Berardo e o seu advogado (à data), André Luiz Gomes — continua em segredo de Justiça, o mesmo deixou de o estar desde finais de outubro. Conforme comprova a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 15 de Junho do ano passado (2022) que negou o recurso pedido pelo MP para prorrogar o sigilo da investigação e a que o ECO teve acesso.

No recurso do Ministério Público para a Relação de Lisboa era pedido que ao prazo de segredo de justiça de 24 meses acrescessem 62 dias, passando o seu fim a ocorrer no dia 31 de dezembro com a justificação que essa “ampliação” do prazo fazia todo o sentido “na medida em que, por força das contingências decorrentes da situação de pandemia, a investigação sofreu sérios atrasos e não pôde realizar diligências de prova que, de outra forma, já teriam sido concretizadas”.

Mas a Relação respondeu que não concluiu por nenhum atraso nessa mesma investigação, nem tão pouco “que diligências não foram realizadas”. Dizendo ainda que não houve “notícia que tenha havido suspensão das interceções de comunicações. Sobre o ritmo de negociações no universo Berardo, também nada se sabe. E a complexidade da investigação também se mantém. Não há qualquer nova circunstância para além das ponderadas no despacho que prorrogou o segredo de justiça. Acresce que a regra é hoje a da publicidade do processo, sendo o segredo de justiça a exceção, que só deve ser decretado quando se entenda que a aquela prejudica os direitos dos sujeitos ou participantes processuais. Por conseguinte, não se entende o que pretende o Ministério Público. Ainda tem muito prazo com segredo de justiça. O prazo de segredo de justiça não é um prazo para a prática de atos processuais. É um período durante o qual há restrição ao princípio da publicidade”, diziam os desembargadores, em Junho de 2022. Concluindo que o que pretende o MP, “sem ter parado o inquérito, é beneficiar de mais 62 dias de segredo de justiça, o que afronta o espírito da lei”.

Perante esta recusa do DCIAP de acesso ao processo, o advogado de Joe Berardo admite que “apesar de ter cessado o segredo em inícios de novembro, e de termos requerido então o acesso, ainda o MP não permitiu que tal acesso ocorresse. Não despachar é o melhor modo de impedir. Só falta que depois venha a ler num despacho que se quisesse ver o processo, bastava ir à secretaria (bem se sabendo que sem despacho as secretarias nada mostram)”, explica Saragoça da Matta, contactado pelo ECO. “E tudo passa: são os chamados vetos de gaveta… que os Tribunais de instrução e as Relações não só permitem como não censuram! É o processo penal português in action! E é o ‘excesso de garantias’ legais de que a magistratura e alguns jornalistas da área da justiça censuram ao CPP”.

Em julho, o MP propôs a alteração das medidas de coação de Joe Berardo no caso CGD, requerendo apresentações periódicas às autoridades pelo empresário e admitindo a extinção da maioria das medidas aplicadas no ano anterior.

Joe Berardo manteve ainda a caução de cinco milhões de euros que lhe foi aplicada pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), e o Termo de Identidade e Residência (TIR). Já em relação ao advogado André Luiz Gomes, igualmente arguido neste processo, o MP revelou que foi proposto apenas TIR.

A revisão das medidas de coação deveu-se à iminência de caducarem as medidas que foram aplicadas no dia 2 de julho de 2021. Então, Joe Berardo e André Luiz Gomes foram proibidos de manter contactos entre si e com outras pessoas identificadas nos autos e de frequentar instalações de determinadas entidades, além da prestação de cauções, no valor de cinco milhões de euros para o empresário e de um milhão para o advogado.

Em junho de 2021, Joe Berardo, bem como o seu advogado André Luiz Gomes, foram detidos por suspeitas de burla à Caixa Geral de Depósitos (CGD), no seguimento de uma megaoperação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção. Num comunicado, o DCIAP indicava logo que o processo estava em “segredo de justiça”.

Em causa esteve a “suspeita da prática dos crimes de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal e branqueamento” de capitais, por Joe Berardo e o seu advogado. “A operação da PJ incidiu sobretudo num grupo económico que, entre 2006 e 2009, contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de 439 milhões de euros. Este grupo económico tem incumprido com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de dívida para não a amortizar”, referiram, na altura, as autoridades.

Que sublinhavam ainda que, “este grupo económico causou um prejuízo de quase mil milhões de euros à CGD, ao Novo Banco e ao BCP, tendo sido identificados atos passíveis de responsabilidade criminal e de dissipação de património”. A investigação foi “iniciada em 2016” e “identificou procedimentos internos em processos de concessão e reestruturação, acompanhamento e recuperação de crédito contrários às boas práticas bancárias e que podem configurar a prática de crime”. Esta megaoperação envolveu 180 profissionais, dos quais 138 da PJ, 26 da Autoridade Tributária, nove do Ministério Público e sete juízes de instrução criminal. A SIC avançou que as buscas decorrem também no Ministério da Cultura e no CCB.

“E tudo passa: são os chamados vetos de gaveta… que os Tribunais de instrução e as Relações não só permitem como não censuram! É o processo penal português in action! E é o ‘excesso de garantias’ legais de que a magistratura e alguns jornalistas da área da justiça censuram ao CPP”.

Na altura, o presidente da comissão, Luís Leite Ramos, solicitou aos serviços da Assembleia da República a “transcrição urgente” das declarações de Berardo com o intuito de as enviar para o Ministério Público, para avaliar a existência de indícios de crime (ECO digital, texto da jornalista Filipa Ambrósio de Sousa)

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