Sempre
me admirei com as teorias da conspiração. Lembro-me bem delas durante o Governo
do Bloco Central. Um dia, nesses idos de 1983 a 1985, um quadro do PCP quis
convencer-me de que Mário Soares provocava propositadamente a fome na península
de Setúbal para melhor dobrar a classe operária da cintura industrial de Lisboa
(na época havia indústria). Fazia-o por imposição do FMI, que não era mais do
que um braço da CIA, a qual, a mando do governo americano, prevenia assim o
glorioso comunismo que havia de iluminar o mundo.
Eu,
conhecendo Mário Soares, dizia-lhe que a ideia não fazia qualquer sentido. O
então secretário-geral do PS e primeiro-ministro jamais pretenderia que alguém
passasse fome. Pelo contrário, os políticos querem que o povo seja feliz e
gostem deles. Mas não o convenci.
Passados
30 anos este tipo de discurso mantém-se inalterado. As motivações do
Governo, aja ele bem ou mal, são sempre tortuosas, guiadas por interesses
inconfessáveis, subsidiárias de interesses estrangeiros. O Governo jamais
pretende o bem dos outros ou o bem do país - algo que é sempre reserva da
oposição, seja ela qual for. Nos comentários da internet (e mesmo nos jornais e
no discurso político) os membros do Governo são tratados por gatunos, por
terroristas sociais, por incompetentes terminais.
Não
nego que haja gatunagem, alguma chantagem e bastante incompetência. Mas penso
que, em alturas de crise agudíssima como a atual, as pessoas responsáveis -
tanto as que já o foram, como as que são (e incluo os jornalistas e os
opinadores nesta categoria) - devem moderar-se. Deitar gasolina para a
fogueira pode dar votos, criar likes no Facebook, tornar textos virais e
mesmo fazer bem ao fígado. Mas é a forma mais direta de vivermos sob uma imensa
demagogia, numa vida de mentira que jamais resolverá um problema.
Olhemos
o passado e retiremos as lições devidas. Muitas ideias que hoje se colocam
como prementes e brutais estavam diagnosticadas há décadas. Há muito tempo
sabíamos que iríamos ter problemas, mas devido a esse misto de demagogia e
cobardia jamais as implementámos. Esbarrei ontem com um texto que escrevi
em 23 de outubro de 1999, no Expresso, no qual, a dado passo, dizia:
"Reformas de 800 contos mensais ou superiores (4000 euros) não são
exageradas? Pode argumentar-se que, quem assim ganha, descontou muito para o
sistema. Mas o Estado deveria privilegiar o apoio aos necessitados e,
simultaneamente, a responsabilidade individual. (...) Porque quem tem
dinheiro e vive bem tem o dever e a responsabilidade individual de precaver o
seu futuro e o da sua família."
Isto
prova que há 14 anos já andávamos de volta do problema... E que ninguém o
atacou a sério.
Agora,
que não há soluções fáceis, torna-se demasiado fácil chamar nomes a quem tenta
arranjar uma. Infelizmente, poucos se lembram de insultar os que conhecendo
os problemas ficaram quietos. E ficaram porque os políticos, quando podem,
gostam que gostem deles e são incapazes de tomar medidas racionais, caso estas
afetem os seus eleitorados.
Pensemos
também nisto, sem desculpar a parte de atabalhoamento, desprezo e falta de
diálogo que este Governo tem demonstrado..."
(texto
de Henrique Monteiro, Expresso com a devida vénia)