"O euro poderia ter sido um factor de protecção contra a crise financeira mundial. A supressão de toda a incerteza sobre as taxas de câmbio entre as moedas europeias eliminou um grande factor de instabilidade. No entanto, nada disso aconteceu: a Europa foi mais duramente afectada pela crise do que o resto do mundo. Isso tem que ver com as próprias modalidades da construção da união monetária. Desde 1999, a zona euro conheceu um crescimento relativamente medíocre e um acréscimo das divergências entre os Estados membros, em termos de crescimento, de inflação, de desemprego e de desequilíbrio das contas externas. O quadro da política económica da zona euro que tende a impor políticas macroeconómicas semelhantes para países em situações muito diferentes, alargou as disparidades de crescimento entre os Estados membros. Na maior parte dos países, em especial os maiores, a introdução do euro não provocou a prometida aceleração do crescimento. Para os outros houve crescimento mas ao preço de desequilíbrios dificilmente sustentáveis. A rigidez monetária e orçamental, reforçada pelo euro, permitiu que todo o peso do ajustamento fosse suportado pelo trabalho. Foi promovida a flexibilidade e a austeridade salarial, reduzindo a parte do trabalho no rendimento total, aumentando as desigualdades. Esta corrida para o fundo, no social, foi ganha pela Alemanha, que soube libertar enormes excedentes comerciais em detrimento dos seus concorrentes e, sobretudo, dos seus próprios assalariados, impondo uma baixa maior dos custos do trabalho e das prestações sociais, por comparação com os seus vizinhos, que não conseguiram tratar os seus trabalhadores com tanta dureza. Os excedentes comerciais alemães pesam sobre o crescimento dos outros países europeus. Os deficits orçamentais e comerciais de uns são a contrapartida dos excedentes dos outros. Porque os diferentes Estados não foram capazes de definir uma estratégia coordenada. A zona euro deveria ter sido menos atingida pela crise financeira do que os Estados Unidos ou o Reino Unido. As famílias estão menos envolvidas nos mercados financeiros que são menos sofisticados. As finanças públicas estavam em melhor situação: o deficit público do conjunto dos países da zona euro era de 0.6 % do PIB em 2007, contra perto de 3% nos Estados Unidos, Reino Unido e Japão. Mas a zona euro padecia de um cruzamento de desequilíbrios: os países do Norte (Alemanha, Áustria, Holanda, Países Escandinavos) refreavam os seus salários e a sua procura interna, acumulando excedentes no comércio externo, enquanto os países do Sul (Espanha, Grécia, Portugal) tinham um crescimento com algum vigor, com taxas de juro baixas mas acumulavam deficits exteriores. Quando a crise estalou nos Estados Unidos, estes tentaram implementar uma real politica de relançamento orçamental e monetário, iniciando um movimento de retorno à regulação financeira. A Europa, pelo contrário, não soube comprometer-se com uma política suficientemente reactiva. De 2007 a 2010, o impulso orçamental não foi além de 1,6 % do PIB na zona euro, contra 3,2 % no Reino Unido e 4,2 % no Estados Unidos. A quebra da produção devida à crise foi nítidamente mais forte na zona euro do que nos Estados Unidos. O crescimento dos deficits orçamentais na zona euro foi mais sofrido que o resultado de uma política activa. Ao mesmo tempo, a Comissão continuou a desencadear processos de deficit excessivo contra os Estados membros, de tal sorte que, em 2010, praticamente a totalidade dos países europeus enfrentava um processo. A Comissão solicitou aos Estados membros que se comprometessem a regressar, antes de 2013 ou 2015, à barra de 3% independentemente da evolução económica de cada um. As instâncias europeias continuam a reclamar políticas salariais restritivas e a pôr em causa os sistemas públicos de reforma e de saúde, com o risco evidente de fazer mergulhar o Continente numa depressão e aumentar as tensões entre os países. Esta ausência de coordenação e, mais fundamentalmente, a ausência de um verdadeiro orçamento europeu capaz de permitir autêntica solidariedade entre os Estados membros incitou os operadores financeiros a afastarem-se do euro e a especular abertamente contra ele" (fonte: Manifesto dos economistas aterrados)