“Portugal não precisa de estrangeiros que vos venham dizer o que têm de fazer, defende. Portugal não deve cortar despesa pública nas áreas sociais - Saúde e Educação - porque são o garante do futuro e o que poderá colocar numa rota de crescimento dentro de cinco anos. A ideia é defendida por Brian Atwood, o actual presidente do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE, que tem como vice-presidente a portuguesa Ana Paula Fernandes. Em entrevista ao Diário Económico, o ex-presidente da USAID sugere que Portugal não precisa da ‘troika' para lhe apontar o caminho a seguir e está contra os cortes nos fundos de coesão.
- A actual crise na Europa e nos EUA - com o abismo orçamental - vai colocar a ajuda ao desenvolvimento num segundo plano?
Espero que não ponha, embora exista a ameaça. O desenvolvimento é um investimento porque nos ajuda a evitar mais catástrofes e a criar novos mercados.
- Como poderá um Governo atrair os empresários a investir em de-senvolvimento?
Têm um interesse natural nisso, já que são motivados pelo lucro e vêem que as taxas de crescimento não estão a acontecer nas nossas sociedades. A missão do desenvolvimento é reduzir-lhes o risco. Se conseguirmos usar suficiente ajuda ao desenvolvimento para alavancar os seus recursos e ter Parcerias Público Privadas que funcionam eles contribuirão para o desenvolvimento.
- Para Portugal, onde a procura interna está em terreno negativo e a economia em contracção, investir em países em desenvolvimento poderá ser a solução?
São necessárias pessoas com uma visão de futuro para defender essa ideia. Porque é muito mais difícil politicamente de o fazer actualmente. Caso não se invista no futuro, o futuro continuará a ser tão desolador como o presente. É necessário haver líderes políticos que estejam disponíveis para o ver.
- Defende que os países cortem excessos ao nível da despesa. Onde aconselharia o Governo português a cortar despesa?
Essencialmente na Administração Pública. Com o tempo, o Governo torna-se exorbitante na forma como gasta dinheiro, quer seja em motoristas, património. Essas coisas têm um enorme significado para o povo. Se as pessoas estão a sofrer não querem ver os seus líderes políticos a viver à grande. Essa também será uma questão agora com o orçamento europeu. Há muitas coisas que se podem fazer para cortar despesa pública. Não se deve cortar o coração e alma de programas que são bons investimentos para o futuro.
- Refere-se a cortes nas áreas sociais, como saúde e educação?
Esse tipo de cortes não faz sentido, porque estão a investir no vosso futuro.
- Critica que se insista no cumprimento das metas do défice, como se fosse um fim em si mesmo?
Está a ser feita muita pressão sobre Portugal. E creio que podem encontrar formas de cortar despesa pública sem afectar as pessoas. Para se ter crescimento no futuro é preciso capital humano. Francamente o futuro está nos jovens.
- Deveria haver um maior equilíbrio entre as políticas de consolidação orçamental e as políticas de crescimento?
Sim, não se pode matar uma economia à fome. É necessário encontrar formas de a estimular e isso não significa exceder-se e criar muito mais dívida, o que depois acabará por criar problemas. É necessário investir nas coisas certas e parte disso é investir na ajuda ao desenvolvimento, na Educação, na Saúde. São coisas que farão com que Portugal, dentro de cinco anos, esteja numa rota de crescimento.
- Referiu o orçamento europeu. Concorda que os cortes sejam feitos ao nível dos fundos de coesão?
Nem pensar. Os fundos de coesão são a forma de compensar as políticas económicas que têm de ser adoptadas em países como Itália e a Grécia, Espanha e Portugal. É necessário encontrar soluções orçamentais para isto. Caso contrário, não há esperança. Tem de haver uma transferência do Norte para o Sul. É uma continuação do que a União Europeia sempre pensou que fazia sentido. Ajudar a fortalecer a economia dos Estados mais fracos.
- Defendeu a ideia que Portugal seria capaz de resolver os seus problemas por si, sem ter uma ‘troika' às costas. Como?
Acredito nisso porque têm excelentes economistas em Portugal, assim com académicos e outros, que sabem quais são as respostas. Não precisam de estrangeiros que vos venham dizer o que têm de fazer.
- Mas precisamos do dinheiro deles.
Eu sei. Eles deveriam dar-vos o dinheiro e vir, de tempos a tempos, para ver os progressos que estão a ser feitos, mas não precisam de consultores externos a dizer-vos o têm de fazer” (um trabalho da jornalista do Económico, Mónica Silvares, com a devida vénia)