1. A crise que Portugal enfrenta resulta de um legado de políticas equivocadas diante de um ambiente em rápida transformação. As instituições e políticas económicas não conseguiram se ajustar às exigências e oportunidades da união monetária e da globalização. A rápida transição após décadas de repressão financeira e instabilidade monetária mostrou-se difícil. Em vez da materialização das promessas de crescimento sustentável para atingir os padrões de vida da UE, a união monetária facilitou a acumulação de desequilíbrios económicos e financeiros. A competitividade do setor de bens comerciáveis diminuiu. Com a cumplicidade de um sistema bancário inclinado a distribuir um volume excessivo de crédito sem levar em conta o alto risco, a alavancagem no setor de bens não comerciáveis aumentou consideravelmente, a despeito do crescimento débil da produtividade. O setor público, por sua vez, financiou a expansão acelerada dos gastos, particularmente com a proteção social, através da elevação dos impostos e acumulação de dívidas. Diante de tudo isso, as reações de política pública foram, na melhor das hipóteses, ténues. Por conseguinte, no primeiro semestre de 2011, o governo e os bancos portugueses foram excluídos dos mercados financeiros.
2. Como resposta, as autoridades portuguesas montaram um impressionante esforço de política económica para reverter gradativamente os desequilíbrios acumulados e prevenir novas crises. Um programa de ajustamento orçamental com impacto concentrado no curto prazo tem como objetivo restaurar a credibilidade no mercado de títulos públicos, ao mesmo tempo em que lança medidas de ajustamento externo. No setor financeiro, as medidas visam manter a liquidez e capitalização da banca, bem como facilitar a desalavancagem ordenada. No plano estrutural, as reformas abrangem desde as ineficiências dos tribunais até os controlos sobre os reajustes de alugueres, tendo como objetivo revitalizar a economia do lado da oferta. Já foram obtidos progressos consideráveis. Não obstante alguns reveses, o ajustamento orçamental básico registou avanços notáveis; também houve progressos significativos no ajustamento das contas externas.
3. No entanto, as perspetivas de curto prazo são incertas, e ainda é preciso vencer grandes desafios económicos a médio prazo. Em vista do abrandamento do crescimento dos parceiros comerciais, a economia provavelmente estará em recessão em 2013, enquanto que o desemprego continuará a subir, depois de já ter atingido picos históricos. Para além do curto prazo, a manutenção e consolidação da disciplina orçamental e a desalavancagem dos balanços do setor privado continuarão indispensáveis, apesar de gerar ventos contrários ao crescimento. É mister que o ajustamento orçamental prossiga, embora a quebra inesperadamente elevada de receitas esteja a atrasar a prossecução da trajetória original para o défice nominal. O estímulo ao aumento da competitividade no setor de bens comerciáveis, em simultâneo à redução das margens excessivas de lucros nos setores de bens não comerciáveis, exige reformas estruturais politicamente difíceis. A superação destes desafios continuará a testar o consenso social e político de Portugal, que até à altura tem-se revelado extraordinariamente robusto.
4. O êxito do programa também dependerá dos decisores europeus e a sua capacidade de avançar com as reformas para reparar as fissuras na zona euro. Embora a aplicação do programa de ajustamento ainda seja fundamental para solucionar os arraigados problemas económicos de Portugal, estes esforços internos terão de ser complementados por reformas nos mecanismos da zona euro, não só para lançar as bases do retorno permanente de Portugal ao financiamento de mercado mas também para evitar uma repetição da acumulação de desequilíbrios insustentáveis no futuro. O compromisso público dos líderes europeus em prestar o apoio necessário a Portugal até que o acesso ao mercado seja restabelecido, desde que o programa continue no bom caminho, constitui uma poderosa rede de segurança. Para superar a segmentação do mercado de crédito e restaurar os canais apropriados de transmissão da política monetária, seria igualmente importante esclarecer os critérios de habilitação para as Transações Monetárias Definitivas do BCE, à medida que o país começa a recobrar o acesso aos mercados de títulos.
Restauração e consolidação da responsabilidade orçamental
5. Apesar dos percalços, o ajustamento orçamental continua no bom caminho em termos gerais. As autoridades fizeram bons progressos na aplicação de uma série de medidas vigorosas em matéria de receitas e despesas. Os objetivos ainda são conter e reduzir gradualmente a dívida pública e, em simultâneo, restaurar a credibilidade da política orçamental, tanto em termos da consecução das metas anunciadas quanto em termos do fortalecimento do quadro orçamental, em linha com as obrigações de Portugal no âmbito da UE. A trajetória de ajustamento orçamental do programa ainda é ambiciosa, mas a insuficiência de receitas associada a um ajustamento externo e interno da economia que avança com mais celeridade do que o esperado exige uma trajetória de ajustamento um pouco mais espaçada do que se previa inicialmente.
6. Considerando o significativo ajustamento orçamental que ainda precisa de ser feito, deve-se encetar um debate público sobre como distribuir a carga do ajustamento orçamental restante de uma forma justa e propícia ao crescimento. Os gastos orçamentais, especialmente com salários e transferências sociais, aumentaram consideravelmente por muitos anos, sem que houvesse um vínculo claro entre os objetivos do Estado e a afetação de gastos no orçamento. O principal foco terá de continuar a ser a racionalização dos salários e das funções do setor público, bem como a reforma das pensões e outras transferências sociais, tendo como meta serviços públicos mais eficientes e uma redistribuição mais equitativa. Ao mesmo tempo, embora seja difícil reduzir a carga fiscal total nos próximos anos, existe espaço para diminuir as distorções da tributação e simplificar o sistema fiscal. Em especial, pode-se continuar a racionalizar as renúncias fiscais, enquanto que os incentivos fiscais existentes precisam de ser mais eficientes e vocacionados para as atividades do setor de bens comerciáveis. Uma base alargada de tributação permitiria a descida das elevadas taxas do IRS e especialmente do IRC, de modo a atrair mais investimentos diretos estrangeiros.
7. Para além dos progressos no ajustamento das contas públicas, a consolidação da responsabilidade orçamental exigirá um quadro orçamental muito mais robusto. A economia política provavelmente continuará a exibir um forte viés favorável aos gastos elevados e ao financiamento através do endividamento, enquanto permanece vivo o risco de reincidência nas políticas orçamentais indisciplinadas. Muito já foi feito para reformar o quadro orçamental, inclusive através da criação de um Conselho Fiscal. Contudo, o dever de implementar o pacto orçamental da UE oferece uma boa oportunidade para formar um consenso político para consagrar o princípio da prudência orçamental no tecido jurídico nacional. A manutenção do empenhamento em reforçar a supervisão e o controlo da mobilização de receitas e da gestão financeira pública será crítica para o cumprimento das promessas orçamentais.
Desalavancagem dos balanços do setor privado
8. Embora o sobreendividamento do setor privado esteja a passar por um ajustamento gradual, as dívidas elevadas ainda representam riscos para o crescimento e a rentabilidade da banca. A desalavancagem do setor empresarial é fundamental para restaurar a produtividade e o crescimento das empresas, mas este processo levará tempo, reduzindo as perspetivas de crescimento no curto e médio prazos. Embora as adequadas margens de proteção dos bancos tenham contribuído para evitar um ajustamento abrupto, persistem os riscos de que choques adversos venham a agravar as falências de empresas, resultando em novos prejuízos bancários. A alavancagem dos agregados familiares parece estar sob controlo, o que reflete em parte a ausência de uma bolha imobiliária em Portugal no passado e as baixas taxas do crédito hipotecário, mas também exige atenção constante em vista da subida do desemprego e da perda de rendimentos.
9. As políticas no âmbito do programa visam mitigar o risco de uma crise de crédito e, ao mesmo tempo, facilitar a desalavancagem ordenada. O apoio à liquidez prestado pelo Eurosistema, em conjunto com a finalização do exercício de aumento do capital bancário em 2012 e as medidas de supervisão reforçada, está a contribuir para manter a resistência do setor bancário face aos possíveis choques. Para além disso, já estão em marcha ou em plena ação os esforços para estimular a oferta de crédito para as empresas solventes — sem criar riscos adicionais para o balanço soberano. A reformulação dos instrumentos de reestruturação da dívida das empresas foi concluída em linha com as boas práticas internacionais, mas a sua aplicação efetiva precisa de ser monitorizada. Por último, foi instituído um quadro para facilitar a reestruturação amigável da dívida das famílias.
10. Para atenuar o risco de uma nova acumulação de endividamento privado, Portugal precisa de manter o ímpeto das atuais reformas para estimular a solidez do sistema financeiro. Espera-se que a desalavancagem bancária reduza a dependência dos bancos do financiamento não relacionado aos depósitos. Para além disso, o uso proativo de instrumentos de política macroprudenciais poderia ajudar a evitar o crescimento excessivo dos ativos bancários. Ademais, os bancos precisam de continuar a racionalizar as suas operações, com ênfase na redução da base de custos das suas operações internas. As iniciativas de fomento aos mercados de capitais também poderiam ajudar a diversificar a estrutura de financiamento das empresas. Por último, as iniciativas de política fiscal poderiam reduzir, no médio prazo, a tendência das empresas a favorecer o financiamento através do endividamento.
Restaura a competitividade e o crescimento
11. Um setor de bens comerciáveis mais competitivo é a chave para o crescimento sustentável e a redução das altas taxas de desemprego no médio prazo. Como evidencia a experiência de outros países, sobretudo na UE, um setor de bens comerciáveis competitivo e bem integrado às cadeias de abastecimento regionais e mundiais é o motor mais eficaz do crescimento convergente e sustentado. O progresso nesta área exige reformas estruturais em todos os setores para eliminar os entraves ao crescimento, baixar os custos de produção e comprimir as excessivas margens de lucros no setor de bens não comerciáveis. Embora o défice da conta corrente externa tenha diminuído a um ritmo inesperadamente rápido nos últimos dois anos, este acontecimento positivo ainda precisa de ser consolidado através de melhorias duradouras nos fundamentos concorrenciais do país.
12. A agenda de reformas estruturais do programa é abrangente e profunda, e são de louvar os esforços para a sua aplicação. As autoridades já realizaram ou deram início a uma vasta gama de reformas institucionais e estruturais nos mercados financeiro, de trabalho e de produtos, e estas reformas devem contribuir para reduzir o custo de fazer negócios, aumentas as pressões concorrenciais nos setores de bens não comerciáveis com margens excessivas de lucros e tornar a economia mais resistente a choques adversos. Ainda que como reflexo parcial de uma economia frágil, o custo unitário do trabalho já está em declínio, e as margens de lucros dos setores de bens não comerciáveis estão sob pressão. No entanto, é possível que sejam necessárias medidas adicionais para aumentar o ritmo e a abrangência das reformas, talvez através de novos incentivos vocacionados para a promoção das atividades dos setores de bens não comerciáveis.
13. Os esforços na aplicação das reformas estruturais terão de ser sustentados muito além do horizonte do atual programa. Será preciso monitorizar a eficácia do programa em remover os principais entraves ao crescimento, e a agenda de reformas talvez tenha de ser modificada em função da leitura dos principais indicadores de desempenho. Um dos riscos a médio prazo é que a recuperação do crescimento seja demasiado lenta para gerar um impacto significativo sobre o desemprego, provocando uma migração externa de trabalhadores jovens qualificados que poderia ser difícil de reverter. E, no longo prazo, Portugal precisará de realizar mais progressos na superação dos obstáculos mais fundamentais ao crescimento, especialmente os níveis educacionais ainda baixos em comparação aos parceiros comerciais e concorrentes. Neste contexto, e sobretudo se a economia vier a se recuperar no tempo previsto, desta vez Portugal terá de resistir à complacência na realização de reformas que causou problemas para a economia no passado.
A missão gostaria de agradecer às autoridades e aos demais interlocutores a gentil hospitalidade e as discussões construtivas".
20 de Novembro de 2012
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(a) Como parte do seu mandato de supervisão do sistema monetário internacional, o FMI mantém discussões aprofundadas com cada país membro, a intervalos regulares, sobre as políticas económicas nacionais. Este exercício, que é conhecido com consulta nos termos do Artigo IV, envolve um exame detalhado das políticas orçamentais, financeiras e de outros setores chaves, de uma perspetiva de médio prazo. Ele não está ligado às avaliações trimestrais do programa de Portugal apoiado pelo FMI e a UE. As últimas consultas do FMI com Portugal ao abrigo do Artigo IV foram realizadas em Janeiro de 2010.
(b) A missão gostaria de agradecer às autoridades e aos demais interlocutores a gentil hospitalidade e as discussões construtivas.