terça-feira, abril 12, 2011

Açores: Contrato de navios custa mais de 21 milhões de euros...

Escreve o jornalista Manuel Moniz do Diário dos Açores que "o Governo Regional transferiu esta semana para a Atlanticoline 1,25 milhão de euros para o "financiamento das despesas relativas à prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região". Mas essa verba, se bem que possa parecer grande, é na realidade apenas uma pequena porção num negócio que cada vez mais parece ser ruinoso para os Açores... Durante alguns anos, a operação marítima de passageiros custava entre 5 e 6 milhões de euros por ano, com dois navios. Mesmo em 2009, quando o Viking, um navio mais rápido, começou a operar com o Express Santorini, o seu valor terá sido nessa ordem de grandeza.Quando em Abril de 2009 o Governo Regional decidiu não receber o novo navio Atlântida, alegadamente por não cumprir com os 19 nós de velocidade exigidos no contrato, tomou a opção de voltar ao modelo da contratação de navios para os meses de Verão. Não existem dados públicos sobre o valor da operação nesse ano, nem nos seguintes. Na realidade apenas uma reportagem da RTP-Açores, assinada por Teresa Nóbrega, refere que o Viking teria custado em 2009, para 3 meses de operação, cerca de 2,1 milhão de euros. Um valor que, apesar de tudo, parece estar em linha como o valor da operação dos anos anteriores. No final de 2009 o Governo Regional lançou um concurso público internacional para voltar a contratar barcos ao exterior para o ano de 2010. E a partir daqui o mistério adensa-se. Ao concurso candidataram-se várias empresas, mas a Helennic Seaways, que alegadamente ficara em 2º lugar, acabou por ser a escolhida devido à alegada desistência da empresa vencedora. Na realidade as informações são muito escassas sobre a forma como esse concurso decorreu e em nenhum lado há informação pública sobre o seu valor. O facto é que a Base (o portal onde os contratos públicos têm de ser divulgados) apresenta dois contratos por ajuste directo realizados à margem desse concurso, em que os valores são quase absurdos. O primeiro é assinado em 1 de Março de 2010 com um valor de 12.896.000,00 euros, para "Fretamento do navio destinado a realizar o serviço de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores, no período compreendido das operações comercias dos anos 2010/2011, com eventual prorrogação para a operação comercial do ano 2012". Em 15-04-2010 é assinado outro contrato por 8.350.000,00 de euros, tendo o mesmo objectivo e condições, sendo alegadamente para um segundo navio (um procedimento semelhante ao que fora seguido para o concurso público, lançado a nível internacional, que na realidade foi um concurso para cada navio). A entidade adjudicante foi a Atlanticoline, e em ambos os casos a entidade adjudicatária foi a "Hellenic Seaways Managementet, S.A."

Valores do aluguer duplicaram

Desde logo é notória a diferença nos valores que eram conhecidos para os anos anteriores. Para os anos de 2010 e 2011, o seu custo passou a ser de cerca de 11 milhões de euros por ano, quando em 2009 o seu custo não terá ultrapassado os 6 milhões de euros. Ou seja, é praticamente o dobro. O Jornal Oficial confirma estes aumentos radicais. Ao longo do ano de 2010, a Região transferiu para a Atlânticoline 13,1 milhões de euros. Em todos os casos as verbas são transferidas "para financiamento das despesas relativas à prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores" e são "efectuadas por verbas do Plano da Secretaria Regional da Economia", na alínea da "Consolidação e Modernização dos Transportes Marítimos - Tráfego de Passageiros Inter-Ilhas". Trata-se de uma verba enorme, tanto mais que se trata de navegar nas ilhas durante apenas 5 meses e sem que concretamente nada fique nos Açores que seja duradouro. Por exemplo, em relação à recusa do navio Atlântida, que deveria custar cerca de 46 milhões de euros, ele ficaria pago em 5 anos de alugueres por este valor… E o Atlântida, como na altura foi diversas vezes referido na imprensa nacional, era um navio de luxo ("com características de luxo pouco habituais neste tipo de navio"). Não terá também sido por um aumento do tempo da operação. Este ano, por exemplo, o Santorini começa a operação apenas em 17 de Maio e termina em 2 de Outubro, enquanto que o "Wind", antigo "Viking", começa em 9 de Junho e termina em 11 de Setembro (ou seja, de novo apenas 3 meses de operação, tal como em 2009, quando terá custado 2,1 milhões de euros).

Muitas dúvidas

Para além do valor, parecem subsistir outros mistérios. Desde de logo, o facto do Viking ter sido adquirido pela Helennic Seaways no final de 2009, passando a chamar-se "Hellenic Wind", sendo alugado logo em 2010 para a operação dos Açores. O antigo Viking, construído em 1997 por 20 milhões de libras praticamente não aqueceu o seu lugar na frota super moderna daquela empresa. E isto quando tudo indica que o seu valor de aluguer terá duplicado no espaço de um ano. Os valores não são públicos, mas caso o seu aluguer ultrapasse os 5 milhões de euros por ano nos Açores, é provável que fique pago no espaço de apenas 2 ou 3 anos… E os Açores ficam sem nada!

Velocidade: 17 nós...

O motivo pela recusa do Atlântida, os alegados 19 nós, são outro mistério. A realidade é que o Express Santorini, embora refira na sua ficha técnica que consegue atingir os 19 nós, na realidade nunca o faz no mar dos Açores. Há uma entrevista dada à RTP-Açores no ano passado em que o comandante refere claramente que nunca ultrapassava os 17 nós. Quando se falou na altura que uma das condições do concurso fosse que o primeiro navio teria de ter uma velocidade superior a 19 nós.

Há um indicador ainda mais fiável: os horários publicados pela Atlanticoline

Os horários, embora não refiram a que velocidade média o navio vai navegar, são claramente feitos para uma velocidade média de 17 nós, e não de 19 nós. Entre S. Miguel e Terceira, com uma distância de cerca de 90 milhas, o Santorini faz 5 horas e 30 minutos, o que dá uma média de 17 nós (milhas por hora). Entre S. Miguel e Santa Maria, onde há 55 milhas de distância, o percurso é feito em 3 horas e 15 minutos – de novo a uma média de 17 nós. As diferenças não seriam muito significativas, mas caso o navio navegasse a 19 nós, o percurso com Santa Maria ficaria reduzido a 2 horas e 50 minutos, e entre a Terceira e S. Miguel ficaria por 4 horas e 45 minutos, aproximadamente. Portanto, poupanças de cerca de 30 minutos para Santa Maria e de 45 minutos para a Terceira. Quanto à opção financeira, a recusa do Atlântida, que navegava à mesma velocidade do Santorini, se bem que a Região tenha alegadamente conseguido o reembolso do dinheiro, fê-la perder pelo menos 20 milhões de euros nos anos de 2010 e 2011 (ou mesmo que seja apenas um dos contratos, presumivelmente mais de 12 milhões, ou seja, mais de um quarto do que custava o Atlântida). É muito dinheiro apenas por causa de duas milhas… Pior ainda é que o Governo ainda não anunciou qualquer decisão em relação ao futuro.

Contrato estranho

Pouco compreensível também é a forma como a contratação foi concebida. Antes a Região contratava apenas para um ano e conseguia um preço cerca de metade em relação ao novo contrato, que amarra a Região por 2 anos e com opção para um terceiro. O normal neste tipo de negócios é que o preço por cada ano baixasse, e não aumentasse desta forma.

A questão da directiva europeia e a legalidade do Santorini

E, claro, há ainda a questão da qualidade do Express Santorini. A Directiva 91/18/CE de 17 de Março 1998 é clara em referir os navios de passageiros deste tipo com mais de 30 anos de idade não podem navegar. A directiva tinha sido criada "considerando que a Comunidade está altamente preocupada com os recentes acidentes que envolveram navios de passageiros e causaram enormes perdas de vidas humanas; que as pessoas que utilizam navios de passageiros e embarcações de passageiros de alta velocidade na Comunidade confiam, com toda a legitimidade, na existência de um nível adequado de segurança a bordo". Tinha havido uma derrogação específica para a Grécia, que também já expirou. O Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, confrontado com essas suspeitas, refere que "o navio "EXPRESS SANTORINI" tem-se apresentado em Portugal certificado estatutariamente de acordo com as Convenções SOLAS, MARPOL, LOAD LINES e TONNAGE. Os certificados estatutários que o navio tem apresentado, estão à data de apresentação válidos, e são emitidos por um Estado Membro da União Europeia Governo Contratante das Convenções referidas, no caso a Grécia. A certificação válida que o navio tem apresentado evidencia o cumprimento com as regras aplicáveis nas versões actuais das Convenções e habilita o navio a fazer qualquer tipo de viagens, apenas limitadas ao âmbito da definição de viagem internacional curta prevista na Convenção SOLAS". O IPTM refere ainda que a legislação portuguesa que adapta essa directiva a Portugal, refere "no disposto no art.º 17º do Decreto-Lei n.º 293/2001, de 20 de Novembro, que os navios de passageiros que possuam certificados emitidos ao abrigo das Convenções internacionais estão dispensados dos certificados previstos no diploma. O IPTM, na qualidade de Administração Nacional Competente, vistoria o navio, no âmbito do Decreto-Lei n.º 27/2002, de 14 de Fevereiro, emendado pelo Decreto-Lei n.º 51/2005, de 25 de Fevereiro, o qual transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva 1999/35/CE, relativa a um sistema de vistorias obrigatórias a navios ro-ro. Esta intervenção não se destina a emitir certificação para o navio. Visa a exploração segura dos serviços regulares destas embarcações". Embora o assunto mereça algum aprofundamento, a questão da segurança dos passageiros, levantada pela União Europeia, no mínimo deveria aconselhar alguma prudência por parte das entidades regionais – o que não parece estar a ser seguido. O facto é que no caso da Helenic Seaways não parece haver grande vontade em não cumprir o normativo europeu. A sua frota é moderníssima. Dos 11 navios na categoria de "ferries convencionais", 7 são construídos depois de 1995, dois dos quais depois de 2005. Dois são de 1990. Há apenas dois navios velhos: o "Express Pegasus", construído em 1977. E o mais antigo de todos, o "Express Santorini", que é de 1974, é o seu navio mais velho – e é o que faz a operação nos Açores. Nas nossas pesquisas não conseguimos verificar quais são as rotas do Pegasus na Grécia. Já não serve para os gregos e serve para os açorianos a mais de 6 milhões de euros por ano? A opção é, no mínimo, muito discutível…”.

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