segunda-feira, dezembro 04, 2023

Opinião: Muletas e identidade perdida

 

O país acaba de ser atirado, inesperadamente (?), para mais uma crise política, acelerada por mais um caso de alegada corrupção envolvendo diversos protagonistas e pondo em causa a credibilidade e a seriedade de instituições e pessoas, numa expressão pondo em causa o poder e todos os seus circuitos de decisão.

O PSD acabou por confrontar-se com uma oportunidade política com a qual não contava - vivíamos numa realidade política e governativa assente numa maioria absoluta e em sondagens que estavam longe de favorecer os propósitos dos social-democratas, entretanto obrigados a uma mudança radical da sua agenda a partir para eleições onde provavelmente, hoje mais do que nunca, precisam de saber o que realmente valem nas urnas e a recuperar a sua identidade perdida, identidade ideológica e programática.

E, nesse sentido, o PSD precisa de repensar muita coisa e de tomar decisões políticas que só a falta de coragem e o medo das urnas por parte de alguns líderes mais recentes têm impedido que as tome de forma inequívocas.

O PS, é sabido, apesar de chamuscado por um novo caso de corrupção, que acabou sendo o rastilho desta nova crise política, vai eleger um  novo líder - provavelmente alguém que fez parte deste carrossel de corruptos e de corrupção e compadrio com  múltiplas ramificações tentaculares, que inclusivamente se demitiu do cargo ministerial e que se viu envolto em vários casos, o último dos quais foi o processo da TAP - e já anunciou que vai concorrer sozinho, sem coligações pré-eleitorais mas disposto a retomar, com Pedro Nuno Santos, depois de 10 de Março e em função do novo quadro parlamentar, a defunta geringonça de esquerda que Costa criou em 2015 para afastar do poder a coligação PSD-CDS, de Passos e Portas, que foi a mais votada nas urnas mas que ficou aquém dos mandatos necessários a uma maioria absoluta parlamentar.

Neste quadro, pergunto como ousa o PSD insistir numa demonstração de absurda de insegurança, de medo das urnas, de impotência em modernizar um discurso demasiado banalizado, incapaz de construir e liderar uma efectiva alternativa política, repito, tudo porque continua a ter medo das urnas e do voto livre dos portugueses, subvertendo as suas prioridades? Em vez de criar condições para que essa alternativa seja plausível, recuperando votos perdidos, milhares deles, para a abstenção, para o Chega, para a IL e mesmo para o PS, eis o PSD apostado em ter como prioridade das prioridades, o desenterrar de ridículas bengalas que descaracterizam ainda mais o universo eleitoral que os social-democratas deviam liderar e não lideram porque, ao invés de consolidarem uma identidade própria, forte e mobilizadora, perdem-se em discutir coligações patéticas que nem mais-valias eleitorais são.

E na Madeira também não deviam, por ser desonesto, confundir eleições legislativas nacionais e as opções livremente tomadas pelos partidos, com a governação regional, que nada tem a ver com o assunto. Esta continua o seu caminho no seu contexto próprio, as eleições de 10 de Março são um outro desafio, uma outra frente que exige clarificação e não truques ditados pelo pavor das urnas.

Em situações normais, qualquer acordo entre o PSD e o CDS na Madeira teria supostamente de garantir pelo menos um deputado aos centristas, que durante algumas legislaturas tiveram deputados em São Bento. Aliás, acho estranho que o CDS madeirense, com o historial em legislativas nacionais (elegeu deputados pela RAM em 2009 e 2011), mais do que ter falhado a eleição em 2015, 2019 e 2022 não pareça interessado em eleger de novo um deputado em 2024 (…)

Pelos vistos recusa fazê-lo e prefere "implorar" para se esconder numa coligação que não é autárquica nem regional, tudo para não se submeter sozinho a eleições? Muito estranho. Para o CDS regional não seria um jackpot político ter em São Bento o único deputado centrista eleito para a Assembleia da República? Poderia ter acontecido em 2022! Ou será que o CDS sabe que, com o Chega e com a IL, essa eleição na RAM não tem mais viabilidade?

Ainda por cima parece-me que falta a coragem de olharem para os números, tanto a nível nacional como a nível regional, e perceberem de onde vieram mais de 50% dos votantes nos novos partidos de direita ou extrema-direita e qual a proveniência dos quase 400 mil votos nacionais do Chega (68 mil em 2019) ou os 12 mil votos na Região obtidos este ano (618 votos em 2019)? Caíram do céu? Obviamente que todos sabem a resposta a essa pergunta, resposta essa que só atesta o ridículo da banalização de certas coligações que nascem "cambadas".

Elaborei estes dois quadros que ajudam os leitores a perceber do que falo e dos alegados “sucessos” de coligações que tiram votos.

Como é que o PSD quer levar aos portugueses, e muito bem, a ideia de que é uma alternativa à esquerda liderada pelo PS e apelar ao voto útil, quando se refugia, por medo das urnas, no recurso a coligações patéticas que nada rendem, mesmo que possamos suspeitar que, em certos contextos, elas até podem transformar-se em abjectos instrumentos de pressão ou de ameaça que, a ser verdade, devem ter a resposta adequada. E depois de 10 de Março melhor ainda...

Também duvido que a Iniciativa Liberal perdoe ao PSD de Montenegro a impraticabilidade de uma coligação na Madeira depois das últimas regionais. E também acho bem que o líder da IL queira submeter-se ao eleitorado sozinho, mostrando o que vale, eventualmente elegendo mais deputados sozinho que os que poderia eleger se diluído numa qualquer negociata de coligação, ainda por cima numa eleição que funciona à base de círculos eleitorais separados uns dos outros no território nacional.

O PS sabe tudo isso, e tenta habilmente manipular as movimentações do PSD e potenciais parceiros, nestes tempos eleitorais, e até agora com algum sucesso. Se para os socialistas coligar-se à extrema-esquerda para dar corpo à defunta geringonça (que sem os deputados do Bloco não era possível) e que Pedro Nuno dos Santos, vai tentar ressuscitar – nunca foi problema, eles sabem que precisam de pressionar ao máximo o PSD de Montenegro para que este afaste qualquer cenário de acordo político, seja ele apenas parlamentar ou não, naquilo que será meio caminho andado para que o centro-direita não consiga uma alternativa ao PS e à potencial geringonça de esquerda 2.0. Caso não consiga atrair eleitores do PS e da abstenção. A disputa do eleitorado entre os partidos da direita não garante nenhuma alternativa. Esse tem sido o seu erro crasso.

Ventura, reconhecidamente um dos mais assertivos políticos portugueses, concorde-se ou não com as suas ideias, algumas delas mirabolantes, percebeu isso (?) e no final de uma audiência em Belém anunciou ter garantido ao Presidente que se ele entendesse que o líder do Chega não devia fazer parte de um governo liderado pelo PSD, ele aceitaria ficar de fora. Claro que acredita nisto quem quer, eu não acredito, porque tenho a certeza que depois das eleições de 10 de Março, e caso o Chega se confirme como um partido essencial na viabilização da tal alternativa ao PS, Ventura não abdicará de integrar um gabinete governativo liderado por Montenegro, diga o que disser Marcelo. É tudo uma jogada política astuta de Ventura destinada a atenuar o efeito no eleitorado da pressão promovida pela esquerda junto da opinião pública, concretamente na contestação a um alegado entendimento alargado envolvendo o PSD e toda a restante direita, neste momento a única possibilidade de ser viabilizada uma alternativa a esquerda liderada pelo PS.

Aliás a sondagem recentemente feita pela credível, Universidade Católica, mostra, para além de um empate entre PS e PSD - um quadro preocupante porque afinal os efeitos da crise no PS, pelo menos até hoje, não são os que inicialmente se julgava e o PSD de  Montenegro contava - um Chega e uma Iniciativa Liberal que, juntos, têm quase a mesma representação eleitoral que o PSD, o que não deixa de ser preocupante e demonstrativo de como o PSD continua a não  perceber como, porquê e para onde perde eleitores. Basta fazer concas, olhar para o percurso eleitoral desde 2011, algo que os líderes políticos detestam porque percebem que a realidade nunca lhes dá razão. Por isso refugiam-se em decisões idiotas como são as coligações pré-eleitorais que apenas tentam esconder fragilidades, falta de convicção, falta de apoio eleitoral, e o pavor em enfrentarem o veredicto dos eleitores sozinhos, permitindo-lhes partilhar deste modo o insucesso, quando ocorre, com terceiros. Uma vergonha. A falta de coragem em enfrentar nas urnas o eleitorado, mostrando o que vale e sendo credor, por si só, do apoio que os eleitores naturalmente entendam conceder, é uma das regras essenciais na democracia. Os acordos podem ser, devem ser, pós-eleitorais, neles participando apenas quem entender. Liberdade é isso mesmo.

Obviamente que cabe sempre, apenas e só ao eleitorado, decidir e fazer as suas escolhas em função das alternativas de estabilidade e de competência, ou não, colocadas em cima da mesa.

Lembro que a geringonça de direita nos Açores, formalizada no final de 2020, com o PSD local a se coligar ao CDS e ao PPM e a acordar entendimentos parlamentares com o Chega e a Iniciativa Liberal, penalizou o PSD de Rui Rio nas legislativas de 2022 devido do discurso pressionante da esquerda que causou claramente receio no eleitorado, receio que eu penso que hoje se esbateu. Aliás a constante subida eleitoral do Chega, no País e na Madeira - veremos em 2024 nos Açores - é prova disso mesmo, da incapacidade do sistema partidário tradicional em travar o discurso do Chega e a sua fácil penetração em vastos sectores de abstencionistas desiludidos com o sistema político e com a democracia e a governabilidade do país.

No caso concreto da Madeira há três interrogações que persistem sem resposta: a) o que ganha o PSD-M, no quadro da Assembleia da República, com o seu envolvimento numa coligação eleitoral de direita? Que ganhos obteve em 2022? b) Qual a ligação eleitoral entre as regionais de 2023 e as legislativas nacionais de 2024, no caso do Chega e do JPP (falo na eventual eleição de deputados de ambos, ou não)? c) Finalmente, vai Paulo Cafofo liderar a lista do PS-M a Lisboa, mesmo que depois suspenda o mandato para se dedicar às regionais de 2027, caso tudo se mantenha calmo na geringonça regional e a agenda eleitoral não sofra sobressaltos? (LFM, texto publicado em 3 partes no Tribuna da Madeira)

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