Actual trajectória da dívida de Portugal está em
linha com o que pedem as novas regras orçamentais da União Europeia, mas para
assegurar a sua sustentabilidade será preciso manter o esforço. Mais adaptadas
a cada país e concentradas em garantir a sustentabilidade da dívida pública, as
novas regras orçamentais acordadas pelos governos da União Europeia (UE) não
forçam, no imediato, a uma mudança dos planos para o défice e para a dívida
delineados pelo Governo português. Mas exigem, ainda assim, a prazo, a continuação
por vários anos de saldos orçamentais equilibrados que mantenham a dívida numa
trajectória descendente.
O entendimento atingido esta quinta-feira pelos
ministros das Finanças faz com que, possivelmente a partir de 2025, Portugal,
pelo facto de ter uma dívida pública acima do limite de 60% do PIB, seja
convidado pela Comissão a apresentar um plano orçamental que, a quatro ou sete
anos, coloque os indicadores orçamentais na trajectória necessária para
assegurar a sustentabilidade da dívida, tendo como mínimo exigido uma redução
do rácio da dívida de um ponto percentual ao ano.
O ritmo elevado a que o peso da dívida pública no PIB tem caído em Portugal e os planos para este indicador delineados no último Programa de Estabilidade serão, com toda a probabilidade, suficientes para cumprir com aquilo que é exigido nas novas regras, tal como já acontece com as mais exigentes regras actuais. Mas o foco que passará a ser dado à sustentabilidade da dívida terá, para um país ainda com uma dívida elevada, as suas exigências.
De acordo com os cálculos feitos pelo think tank
europeu Bruegel com base nas regras aprovadas esta quinta-feira, Portugal terá,
para cumprir com uma trajectória de sustentabilidade da sua dívida pública, de
registar saldos orçamentais estruturais primários (sem contar com os juros e
retirando o efeito do ciclo económico) positivos em 2,6% do PIB.
É um valor exigente, que fica ligeiramente acima
dos 2,3% previstos para o próximo ano no Programa de Estabilidade, o que
significa que Portugal terá de apontar, no longo prazo, para a manutenção de
uma política orçamental semelhante à actual, com saldos orçamentais nominais
equilibrados.
O que dizem as novas regras
As regras orçamentais europeias nasceram com a
criação do euro no final dos anos 90 do século passado e tiveram como
principais referências o limite de 3% do PIB para o défice público e de 60%
para a dívida. Várias alterações foram sendo feitas ao longo dos anos, numa
tentativa de torna as regras mais adaptadas aos ciclos económicos, mas
tornando-as também mais complexas. As novas regras agora aprovadas têm como
principal preocupação garantir que se adaptam à circunstância de cada país, mas
ficam longe de se tornarem mais simples, antes pelo contrário.
A nova reforma das regras acordada pelos ministros
das Finanças - que teve como ponto de partida uma proposta da Comissão Europeia
e que foi depois alvo de acesa discussão entre os vários governos da UE - volta
a não tocar nos tectos de 3% para o défice e de 60% para a dívida, mas altera
novamente a forma como se procura que os Estados membros os cumpram.
Aquilo que vai acontecer quando as novas regras
entrarem em vigor é que os países que apresentarem ou um défice acima de 3% ou
uma dívida acima de 60% (como acontece com Portugal) terão de apresentar um
plano orçamental de quatro anos (ou sete anos, caso sejam prometidas reformas)
que corte o défice de uma forma credível e que coloque a dívida numa
“trajectória descendente plausível”.
Primeiro, a Comissão Europeia envia ao país, com
base na sua análise de sustentabilidade da dívida, uma proposta técnica para a
trajectória da dívida adequada, a que o governo responde com a sua própria
proposta, que terá de ser aprovada pelo Conselho.
O indicador chave para medir se a trajectória
aprovada está a ser seguida por um país será a despesa primária líquida, que
retira da análise as despesas com juros e leva em conta medidas adoptadas pelos
governos do lado da receita, como a descida ou aumento de impostos. Se, num
ano, a variação da despesa primária líquida falhar, por mais de 0,3 pontos, a
trajectória acordada entre o país e as autoridades europeias, a Comissão terá
de produzir um relatório. O mesmo acontece se o desvio acumulado ao longo de anos
superar os 0,6 pontos. Se a situação não for corrigida, a abertura de um
procedimento é possível.
Cedências de parte a parte
Estes planos negociados entre os países e as
autoridades europeias, que dão quatro ou sete anos aos países para colocarem a
dívida na trajectória correcta são muito mais favoráveis para os países mais
endividados do que as regras actualmente em vigor, que exigem, sem qualquer
negociação, que um país reduza, em cada ano, pelo menos uma vigésima parte da
diferença entre o seu rácio da dívida e a meta de 60%, o que forçaria países
como a França ou a Itália a cortar a dívida em mais de três pontos percentuais
todos os anos, algo que estão muito longe de conseguir.
No entanto, entre os países do Norte da Europa,
liderados pela Alemanha, as regras propostas pela Comissão Europeia foram
vistas como demasiado suaves, permitindo que principalmente nos anos iniciais
os países fossem lentos a corrigir os desequilíbrios e, por isso, na negociação
dos últimos meses insistiram em que fossem estipulados mínimos comuns para a
redução da dívida e do défice.
O que resultou das discussões entre as capitais
foi a criação de duas salvaguardas. A primeira define que, aos países como uma
dívida superior a 90% do PIB (como é o caso de Portugal), se exija no imediato
uma redução anual do rácio da dívida de pelo menos um ponto percentual. Para os
países com dívida entre 60% e 90%, a redução anual terá de ser de 0,5 pontos.
A segunda salvaguarda tem a ver com o défice. Para
além de uma redução de 0,5 pontos por ano se o défice estiver acima de 3%,
exige-se que os países construam uma margem de 1,5 pontos face aos 6%, cortando
o défice em termos estruturais em 0,4 pontos ao ano.
Embora menos exigentes do que as actuais regras,
estes mínimos para a redução da dívida forçariam ainda assim alguns países a
mudar radicalmente a sua política orçamental. Por exemplo, a Itália, que este
ano deverá registar um défice de 5%, está muito longe de conseguir reduzir a
sua dívida em um ponto percentual imediatamente.
Por isso, na discussão com a Alemanha, os governos
francês e italiano insistiram e conseguiram que até 2027 exista um período
transitório em que o aumento da despesa com juros não conte para os mínimos
exigidos.
Como explica o professor da Nova SBE, Francesco
Franco, França e Itália aceitaram as exigências de cortes de dívida mesmo em
situações de abrandamento económico, em troca de uma facilitação das
circunstâncias no curto prazo.
“O acordo sobre o novo Pacto de Estabilidade é
melhor do que o antigo, que era impraticável nas condições actuais. Por
exemplo, no antigo pacto, à Itália seria exigido um ajustamento do rácio da dívida
durante este período de abrandamento económico de aproximadamente 3,75% do PIB
em 2024. No novo pacto o ajustamento seria de 1% do PIB. Mas na realidade o
acordo também foi alcançado porque as novas regras apenas entrarão em vigor a
partir de 2027, e durante os próximos três anos haverá um período de transição
menos exigente, com menos ajustes necessários. Os dois primos transalpinos
aceitaram mais uma vez regras que podem ser pró-cíclicas para obter vantagens a
curto prazo”, afirma.
Também Jeromin Zettelmeyer, director do Bruegel, assinala este pensamento de curto prazo na negociação entre os países: “Isto irá tornar a vida mais fácil aos governos que chegaram a um compromisso, mas mais difícil para os governos que se seguirão” (Publico, texto do jornalista Sérgio Aníbal)
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