quarta-feira, setembro 20, 2023

Portugal livra-se de uma “responsabilidade” de milhões de euros chamada Banif Brasil

Banif em Portugal está em liquidação, e os seus responsáveis tinham uma grande preocupação: desfazerem-se do banco no Brasil para que o Estado português não fosse chamado a pagar por passivos daquela entidade. A transação tem dois meses, mas só agora foram cumpridas todas as formalidades e passou tempo suficiente para garantir que não há volta atrás: Portugal livrou-se da possibilidade de ter de pagar eventuais responsabilidades “ilimitadas” com o Banif Brasil, instituição que o banco da Madeira tinha naquela região. Uma exposição herdada em 2015, de que a Comissão Liquidatária se tentava desfazer desde 2017.

Já tinha havido tentativas de venda, mas todas falharam, e mesmo a que agora foi bem-sucedida, iniciada em 2021, contou com vários contratempos. Foi preciso fazer quatro adendas ao contrato, houve exigências do supervisor, foi ordenada uma auditoria especial, e não bastou: ainda se juntaram os atrasos nas análises às contas, pedidos de empréstimos para assegurar a sua manutenção, isto tudo num caso em que até ao domingo foi preciso assinar documentação (foi num domingo que o Banif em Portugal caiu, a 20 de dezembro de 2015).

O RECEIO DA LIQUIDAÇÃO FORÇADA

Tudo se deveu ao facto de o Banif Brasil se reger pela legislação brasileira, que impõe ao acionista único responsabilidades por determinados passivos em casos de liquidação forçada. Ora, o acionista do Banif Brasil é o Banif em Portugal, também ele em liquidação, que tem um acionista último: o Estado português.

Era em liquidação ordinária que estava o Banif Brasil, depois das anteriores tentativas de venda falhadas. A liquidação estava a correr, mas era preciso que tudo corresse bem para que ela não passasse de voluntária a forçada. O que era evitável com a entrada de um novo acionista. O comprador que viu aqui uma oportunidade de compra foi o grupo brasileiro Banco Master – o mesmo que ia adquirir em Portugal o BNI Europa ao grupo angolano Banco de Negócios Internacional (BNI), operação essa que foi cancelada, depois de o grupo brasileiro argumentar com a alteração do seu plano de expansão internacional.

“A consumação da venda fará cessar a responsabilidade ilimitada do Estado Português, enquanto entidade controladora última do grupo Banif Brasil, por vários tipos de passivos deste, em caso de liquidação forçada da instituição por decisão do BACEN, o banco central brasileiro”, assumia a Comissão Liquidatária do Banif em Portugal, presidida por José Bracinha Vieira, no relatório e contas relativo a 2022. O valor seria na casa dos milhões de euros, mas o Expresso não conseguiu apurar qual o valor exato.

A operação, que já havia sido noticiada pelo Eco, concretizou-se agora definitivamente, e a responsabilidade desaparece – ficam apenas algumas eventuais contingências habituais, como infrações e violações nas contas apresentadas à data do fecho da operação.

Sobre o Estado português podiam pender eventuais passivos tributários, laborais e financeiros, de que agora se liberta, segundo apurou o Expresso.

DIFÍCEIS TEMPOS

Depois de anos sem atividade, o Banif Brasil foi alienando ativos, acabando por ficar apenas com um crédito sobre o Fisco brasileiro – que só poderia recuperar com um acionista que tivesse um plano de negócios efetivo. Foi o que o Banco Master esteve a preparar, sob o olhar intrusivo do regulador brasileiro. Teve de haver uma capitalização, para o que contou também a conversão de créditos subordinados concedidos pelo Banif em Portugal em novo capital do Banif Brasil.

A Comissão Liquidatária também deixa de ter um encargo que só entre março de 2021 e dezembro obrigou à injeção de cerca de 2 milhões de euros, e que o levou, em 2023, a procurar empréstimos para pagar os custos de funcionamento. Uma exigência que agora desaparece.

O acordo para a venda foi em novembro de 2021 e a operação fechou em julho de 2023 por um real. Antes, houve a necessidade de fazer quatro aditamentos em 2022 para fechar os contornos de tudo. Pelo meio, o banco central do Brasil exigiu uma auditoria especial às contas, tendo exigido também ao Master mais pormenores sobre o seu plano.

Só em março deste ano veio o OK do supervisor. E depois disso voltou a haver problemas, porque o Master precisou de mais tempo para o fecho da operação: a auditora tinha de concluir a análise à integração do Banif Brasil.

Foi num domingo, 2 de julho de 2023, após a assinatura do contrato de cessão de créditos, da conversão em capital, e do pagamento de 1 real, que o Master comunicou o acordo para a venda. Foi depois preciso passar um conjunto de procedimentos legais, como a substituição de administrações, e outros formalismos, para tudo ficar concretizado.

LIQUIDAÇÃO EM PORTUGAL POR CONCLUIR

O Banif Brasil foi um dos ativos do banco fundado por Horácio Roque que, aquando da intervenção ditada pelo Banco de Portugal, em dezembro de 2015, não foi adquirido pelo Santander. Também não foi considerado viável ao ponto de ficar no veículo entretanto criado, a Oitante, que herdou créditos e imóveis de recuperação e comercialização mais difícil.

A liquidação já se estende há alguns anos, e no início deste ano foi apresentada a lista de credores, sendo que ficou já claro que o Fundo de Resolução será o único a ser reembolsado (e apenas parcialmente, porque reclama 489 milhões de euros e o ativo não supera os 60 milhões).

Houve mais de 6000 reclamações, mas o Fundo é credor privilegiado, pelo que recebe (e esgota o montante disponível) acima dos credores comuns – há também uma trabalhadora com essa classificação, mas de muito menor dimensão. Destes mais de 6000 pedidos de reembolso, entraram mais de 2000 impugnações da lista feita pela Comissão Liquidatária.

Apesar de várias dúvidas, a esperança dos credores é de que possam vir a ver reconhecidos direitos indemnizatórios em tribunal por eventual venda irregular dos produtos do Banif que subscreveram e, assim, poderão ser considerados credores comuns – e, à luz da legislação portuguesa, os credores comuns têm de receber uma compensação do próprio Fundo de Resolução se perderem mais numa resolução do que se a liquidação tivesse ocorrido logo em 2015. Compensação essa que, em qualquer dos casos, será reduzida: nunca superará, caso seja paga, 12,7% do investimento (Expresso, texto do jornalista Diogo Cavaleiro)

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