sexta-feira, setembro 29, 2023

40% dos juízes admite que comunicação social influencia decisões

Inquérito da RECJ mostra que magistrados europeus consideram ter independência. Em Portugal uma percentagem elevada reconhece que pode existir intervenção externa nas deliberações tomadas. Em Portugal os juízes admitem a possibilidade de existirem magistrados que são influenciados nas suas decisões pela pressão dos meios de comunicação social. E há também dúvidas sobre a forma como os processo são distribuídos. Estas são duas das conclusões de um inquérito feito pela Rede Europeia de Conselhos de Justiça (RECJ) que procurou saber a opinião dos juízes sobre a independência da classe a nível europeu e que deixa alguns alertas para a forma como aqueles analisam a sua profissão, a forma como ela é exercida, as condições de trabalho e as eventuais pressões a que são sujeitos nos diversos países europeus. No documento a que o DN teve acesso é referido que o inquérito foi realizado no primeiro trimestre de 2022 e que contou com a participação de 15 821 juízes de 29 autoridades judiciais de 27 países - no caso de Portugal responderam cerca de 500 juízes.

No âmbito geral, nas conclusões do estudo, que foi efetuado pela quarta vez, é destacado que estes profissionais consideram que a sua independência no trabalho é grande, com 61% dos inquiridos a confirmar essa ideia, que foi reforçada com a entrada dos seus países na União Europeia.

Influência, corrupção e distribuição dos processos

Um ponto comum a todos os países é a perceção, por parte de quem respondeu, da existência de colegas suscetíveis de sofrer "influências externas". De acordo com o documento, em Portugal 40% dos juízes consideraram que existe essa hipótese ao responderem positivamente à questão: "Acredito que, no meu país, durante os últimos três anos, houve decisões ou ações de juízes a título individual que foram influenciadas indevidamente por ações atuais, prévias ou expectáveis, dos meios de comunicação social (imprensa, televisão ou rádio)".

Esta resposta colocou o país entre os com percentagem mais elevada, ao nível da Eslováquia (60%), Croácia (53%), Bulgária (36%), Letónia (35%) e Lituânia (35%). Sendo que, no caso nacional, 24% dos inquiridos disse que não concordava, nem discordava da questão e 35% frisou discordar.

Do lado oposto estão os países nórdicos, Chipre, República Checa, Países Baixos, Irlanda e Reino Unido, com menos de 10% dos juízes a considerar que existe esse impacto da comunicação social nas decisões judiciais. As redes sociais foram outro ponto focado e, neste particular, a sua influência é considerada inadequada por menos inquiridos, com os maiores registos a surgirem na Eslováquia (51%), Croácia (37%) e, de novo, Portugal (22%).

Outro dos temas do Inquérito da RECJ Sobre a Independência dos Juízes está relacionada com a distribuição dos processos. O Relatório considera que a entrega (manipulada) de um processo a determinado magistrado constitui uma pressão externa sobre o juiz, no sentido em que "pode determinar o resultado desses processos", pode ler-se no documento. Neste ponto, Portugal e Espanha lideram a perceção de que isso é possível, respetivamente 27% e 26%, respondendo positivamente à pergunta: "Acredito que, durante os últimos três anos, foram distribuídos processos a juízes à revelia das regras ou procedimentos estabelecidos, a fim de influenciar o resultado do(s) litígio(s) em questão." Do lado oposto, no caso português, 52% dos inquiridos disse discordar desta afirmação. Ainda nas respostas dos juízes nacionais uma maioria - 59% - frisou não acreditar que alguns elementos da classe tenha, a título individual, aceitado subornos ou "outras formas de corrupção como um incentivo para decidir o(s) caso(s) de uma maneira específica.

Género e tempo de serviço

Participaram neste inquérito da Rede Europeia de Conselhos de Justiça 15 821 juízes de 29 autoridades judiciais de 27 países. A maior parte das respostas foram entregues por magistradas, o que também aconteceu no caso português -- 62%. Na média geral 55% das postas foram enviadas por juízas. Quanto ao tempo de serviço das pessoas que responderam estas foram "divididas" em 5 categorias -- 0-5 anos: 20%; 6-10 anos: 17%; 11-15 anos: 16%; 16-20 anos: 15%; 21-25 anos: 13% e com mais de 25 anos: 20%. No caso específico português a maior parte dos juízes tem mais de 17 anos de serviço.

Nomeações

Um dos pontos em análise neste inquérito está relacionado com a nomeação e promoção de juízes. No caso do Supremo Tribunal há muitas opiniões negativas sobre a forma como essa progressão é feita. Espanha (65%) e Hungria (52%) são os países com opinião positiva na resposta à questão: "Acredito que no meu país, durante os últimos três anos, a nomeação de juízes para o Supremo Tribunal/Tribunal de Cassação não se baseou apenas no mérito e experiência". Magistrados de Portugal (38%), Alemanha (34%) e Itália (36%) também se mostraram descontentes com a forma como as nomeações são efetuadas.

Independência

Esta 4.ª edição do inquérito da RECJ incluiu uma pergunta nova: "Penso que a independência do poder judicial no meu país é reforçada por fazer parte da União Europeia, pela perspetiva de se tornar parte da União Europeia ou de fazer parte do EEE." E a resposta não deixa margem para dúvidas: 61% considera que a entrada na União Europeia reforçou a independência do poder judicial. As pontuações mais baixas aconteceram nas respostas oriundas dos países nórdicos. Ainda em relação à independência, os juízes avaliam-na positivamente. De acordo com o estudo, "numa escala de 10 pontos os juízes classificam a independência no seu país em média entre os 7,0 e os 9,8. O que, de acordo com a RECJ, mostra a consolidação gradual dessa independência ao longo dos anos (DN-Lisboa, texto do jornalista Carlos Ferro)

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