quinta-feira, julho 21, 2022

Sondagem: Portugueses confiam muito na polícia e na comunicação social e pouco nos políticos

Relatório da OCDE sobre confiança nas instituições dá nota negativa ao Governo, mas ainda assim o executivo tem mais crédito junto dos cidadãos do que o Parlamento e os partidos políticos. Na justiça, Portugal fica quase 15 pontos abaixo da média dos 22 países analisados. Numa escala de 0 a 10, é nas pessoas que os portugueses depositam o maior nível médio de confiança: nota 6,8 em 10. Só depois vêm as instituições, em particular a polícia, que se confirma como a instituição mais confiável (6,7). A seguir vêm as organizações internacionais, as autarquias, a comunicação social e os funcionários públicos (ordem decrescente). Todos estes têm nota positiva, acima de cinco, sendo por isso considerados “confiáveis”. Só depois vêm os tribunais, o Parlamento, o Governo e os partidos políticos — estes com os níveis mais baixos da escala (“não confiáveis”).

Estas são as conclusões mais evidentes da primeira sondagem da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) sobre os Motivadores da Confiança nas Instituições Públicas, aqui já trabalhados pelo Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública (PlanAPP). O baixo crédito dado às instituições políticas condiz com a tendência de erosão da democracia portuguesa. E tem vindo a piorar.

Em Janeiro, os portugueses deram ao PS uma larga maioria absoluta com 41,6% dos votos, mas em Março e Abril, altura em que o trabalho de campo desta sondagem foi feito, a sua confiança no Governo já era menor: apenas 40,7% dos inquiridos davam crédito ao executivo. A quebra ainda é mais notória quando se compara com os 50% de confiança revelados no Eurobarómetro de Março, cujo trabalho de campo foi feito durante e após a campanha eleitoral, mas antes da invasão da Ucrânia. E, há um ano, outro estudo da OCDE revelava que o país tinha dado um salto enorme nos níveis de confiança no Governo, de 44% para 61%, comparando com os anos de 2019 e 2020. Agora, a descida é evidente.

A questão da confiança no governo não é só portuguesa. Portugal está em linha com a média da OCDE (41,4%) neste indicador, mas também só alcançou a mediana em 2016, ou seja, desde que António Costa lidera o Governo. De resto, a credibilidade das outras instituições políticas é sempre a descer. O executivo é merecedor do dobro da confiança manifestada nos partidos políticos (20,9%) e conquista mais oito décimas de crédito do que o Parlamento. Só o poder local está em alta na confiança dos portugueses, sendo superior à confiança no Governo em todos os grupos de inquiridos —​ uma tendência que se verifica também noutros 17 países.

Comparando com os outros 22 países que participaram neste estudo, Portugal não compara mal com a média, excepto em relação à justiça: a confiança nos tribunais portugueses é de 42,1% enquanto nos restantes países ronda os 56,9% (quase mais 15 pontos). A segunda maior diferença entre Portugal e os outros países diz respeito à comunicação social, mas aí a diferença é positiva: 48,3% contra uma média de 38,8%.

A satisfação com os serviços públicos fica ligeiramente acima da mediana do estudo na saúde (62,9% em Portugal, mais 12 décimas que a média) e na educação (60,5%, quase três pontos acima da mediana). Quanto aos serviços administrativos, como obtenção de passaportes ou de certidões de nascimento, por exemplo, apesar da satisfação de 54,2% dos inquiridos, nos outros países esse indicador está bastante acima, nos 63%.

Além de Portugal, o estudo foi feito em 11 países da União Europeia (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Irlanda, Letónia, Luxemburgo, Países Baixos e Suécia) e em dez outros países da OCDE (Austrália, Canadá, Colômbia, Coreia, Islândia, Japão, México, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido).

Entre nós, participaram neste inquérito 1888 pessoas, através da plataforma online (YouGov), entre os dias 11 de Março e 11 de Abril de 2022. A amostra é representativa da população portuguesa no que respeita à idade, ao género, ao nível de escolaridade, à região de residência e ao rendimento.

É curioso reparar que a confiança no governo tende a ser mais baixa nos mais jovens, entre os níveis mais baixos de educação e nas pessoas com menores rendimentos. Portugal é um dos países onde os níveis de confiança mais diferem consoante a idade dos cidadãos: o nível de confiança das pessoas com 50 anos está perto dos 70%, enquanto o dos jovens entre os 18 e os 29 anos não chega aos 60%. No grupo dos mais jovens, a confiança nos funcionários públicos é superior à confiança no governo e na câmara municipal.

Pontos fortes e pontos fracos

Para compreender onde é que a erosão da confiança na governança pública é maior ou menor, a OCDE considera cinco factores determinantes analisados nas respostas a 15 questões e delas se conclui que, em Portugal, é a questão dos favores políticos que concentra mais expectativas negativas. Neste indicador da integridade, descrevem-se as percepções sobre o comportamento das instituições públicas face a favores políticos, interferência política nos tribunais e suborno de funcionários públicos.

É no grupo dos políticos que a integridade tem pior avaliação: só 27% dos inquiridos (pouco mais de um quarto) consideram como provável que os políticos recusem ofertas de “portas giratórias” em troca de favores políticos e apenas um terço (34,7%) considera que os tribunais não sofrem pressões políticas. Dito de outra forma, três quartos dos inquiridos admitem que os políticos são corrompíveis e dois terços consideram que os tribunais sofrem pressões políticas. Os funcionários públicos não têm melhor imagem: só 29,4% consideram provável que rejeitem subornos.

Questões éticas à parte, em termos práticos, os inquiridos mostram-se mais optimistas quanto à confiabilidade do Governo, ou seja, a expectativa de actuação em áreas como a preparação para uma nova pandemia (51,9%), a boa utilização dos dados pessoais (51,8%) ou a estabilidade do ambiente de negócios (45,6%).

No indicador da capacidade de resposta, que avalia a percepção sobre se o Governo tem capacidade para ajustar a sua actuação em função da opinião dos cidadãos, 45,7% das pessoas inquiridas consideram que é provável que um serviço público seja melhorado se houver reclamações, 43,4% consideram provável que uma ideia inovadora para melhorar um serviço público seja acolhida e 42,2% consideram que a opinião pública tem força para alterar políticas.

Pouca participação, muita discriminação

Menos de 40% dos inquiridos considera, porém, que terá oportunidade de participar nas políticas locais ou que o governo adoptaria opiniões expressas numa consulta pública — o que demonstra pouca abertura da governança política aos cidadãos. Já face à administração pública, mais de 55% consideram ser possível aceder a informações sobre procedimentos administrativos.

Coisa diferente é perceber se as pessoas se sentem discriminadas em função da sua condição social, etnia ou género. Neste indicador relativo à justiça procedimental, percebe-se que apenas 30% dos inquiridos acham provável que ricos e pobres sejam tratados da mesma forma e só 39% entendem que as pessoas são tratadas de forma igual independentemente do género, identidade sexual, etnia ou país de origem. Já se se tratar de aceder a um apoio social, metade dos inquiridos considera que são tratados de forma justa.

Na versão portuguesa do inquérito, acrescentaram-se três questões exploratórias da percepção sobre a importância da ciência, para se concluir que os portugueses querem ser mais ouvidos sobre direitos sociais e que se ouçam mais os cientistas. A maioria dos inquiridos considera que os cientistas são nada ou pouco envolvidos na decisão política (52,2%) e gostava de os ver mais participativos em matérias associadas a desafios estratégicos como as alterações climáticas (64,8%), as energias renováveis (58,6%) e o desenvolvimento sustentável (53,6%).

Já quanto às matérias em que os cidadãos deviam ser mais ouvidos, destaca-se as desigualdades sociais (59,8%), o que está em linha com a percepção de que o Governo deve dar maior prioridade às questões de igualdade (78,5%). Nesta última parte do estudo, em que se questionava sobre os assuntos a que o Governo devia dar prioridade, o ambiente de negócios surge à frente das preferências (79,7%), quase ao mesmo nível da igualdade de oportunidades (78,5%) e seguido de perto pela adaptação tecnológica (76,7%). A seguir surge a redução da dívida (69,1%) e só no fim o combate às alterações climáticas. Aqui, as pessoas dividem-se entre dar-lhe maior prioridade (48,5%), igual prioridade (29,8%) ou menor prioridade (15,5%) (Publico, texto da jornalista Leonete Botelho)

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