quarta-feira, julho 20, 2022

Demissões, nomeações, corrupção. A guerra interna de Zelensky - e como o presidente da Ucrânia pode estar a aproveitar para reforçar poderes


Presidente ucraniano demitiu por decreto o líder dos serviços secretos e a procuradora-geral. Ações de Zelensky já começaram a ser comentadas em Bruxelas, que teme falta de independência nas nomeações de Kiev. No limite, está em risco a adesão da Ucrânia à União Europeia Estará Volodymyr Zelensky a tirar vantagem da sua autoridade como presidente de um país em guerra? Não houve, até ao momento, manifestações públicas de desagrado com as ações do presidente da Ucrânia mas, dentro de portas, começa a colocar-se a questão, sobretudo depois da decisão de Zelensky de demitir o líder dos serviços de segurança interna e a procuradora-geral da Ucrânia.  Ao Politico, fonte da União Europeia admitiu mesmo preocupação com a medida da administração de Kiev, porque parece ir na direção oposta do previsto por Bruxelas para a Ucrânia se tornar membro do bloco europeu: em vez de reforçar a independência das instituições de autoridade, combatendo a corrupção e apresentando uma frente unida frente à Rússia, sem cair em divergências entre fações políticas, Zelensky parece querer controlar de perto as agências cujas ações não dependem do governo ucraniano. E nem sequer deixou claro os motivos pelos quais quis despedir por decreto Ivan Bakanov, o chefe dos serviços secretos, e Iryna Venediktova, procuradora-geral da Ucrânia.

Na noite de domingo, Zelensky justificou a medida com centenas de casos de traição - mais de 600 - que estavam a ser investigados naqueles organismos. E, na segunda-feira, um assessor de Zelensky veio clarificar que os dois responsáveis não tinham sido demitidos, mas suspensos, e que a sua reintegração estava dependente do resultado das investigações a decorrer. Mas passaram apenas algumas horas até o presidente da Ucrânia pedir ao parlamento a necessária aprovação para a saída de Bakanov e Venediktova. 

"Não é uma medida para fazer o que está correto. É uma medida para ganhar mais controlo sobre os organismos da autoridade", disse ao Politico Tetiana Shevchuk, advogada e ativista no Centro Anti-Corrupção com sede em Kiev.  Para Shevchuc, as demissões servirão apenas para reforçar o poder de Andriy Yermak, o chefe de gabinete de Zelensky, e de Oleh Tatarov, o vice de Yermak, que têm sido acusados de corrupção devido à relação próxima que mantêm com os que foram apontados para substituir o chefe dos serviços secretos e a procuradora-geral. Oleksiy Symonenko, vice-procurador-geral, foi indicado para ocupar o lugar de Venediktova; Vasyl Malyuk, que tinha um alto cargo nos serviços secretos, substituirá Bakanov - que era amigo de infância de Zelensky e um dos seus mais próximos colaboradores. 

"São acontecimentos significativos. Parece o fortalecimento de Yermak", aponta ao Politico Yulia Tyshchenko, especialista no Centro Ucraniano para a Investigação Política Independente. Ainda assim, a investigadora recorda que Zelensky conhece o atual chefe de gabinete há pouco mais de uma década, enquanto a relação com Bakanov vinha do tempo em que moravam no mesmo bairro na cidade de Kryvyi Rih, no centro da Ucrânia.

A nomeação de Bakanov para chefe dos serviços secretos teve a mesma base que a maioria das que foram feitas por Zelensky quando chegou ao poder: quis rodear-se dos mais próximos, mesmo que não tivessem, aparentemente, qualificações para os cargos que iriam ocupar. Bakanov, em particular, geria a empresa de entretenimento de Zelensky - que, recorde-se, era ator - e fez o mesmo com a campanha presidencial do amigo de infância. 

Quando foi nomeado para liderar os serviços de segurança interna, Bakanov deveria "limpar" o organismo, que se sabia ter vários funcionários que eram, na verdade, espiões russos e simpatizantes com o Kremlin: teria também a missão de combater a corrupção na seção de crimes económicos e normalizar as táticas utilizadas pelos agentes, que recorriam a esquemas pouco ortodoxos para apanhar criminosos.

Já Venediktova é advogada e antiga professora de Direito de Kharkiv, que aconselhou Zelensky na campanha em matérias de justiça e o acompanhou numa digressão europeia antes das eleições de 2019. Por casusa da notória lealdade ao presidente, também ela foi uma escolha controversa para a procuradoria-geral e muitos ativistas denunciaram que o seu gabinete recusou levar a julgamento alegados casos de sabotagem e corrupção dos altos funcionários mais próximos de Zekensky, nomeadamente o do conselheiro Oleh Tatarov. Volodymyr Fesenko, diretor do Centro Penta para estudos políticos, na Ucrânia, disse ao Politico que Zelensky já não estava satisfeito com o desempenho de Bakanov e Venediktova ainda antes de começar a invasão russa e que a guerra com Moscovo serviu apenas para adiar a decisão de os demitir. Mas o conflito também acabou por agudizar a situação - nomeadamente os inúmeros casos de agentes que desertaram para o lado russo.

Fesenko acredita que a gota de água que levou à demissão de Bakanov foi a detenção por traição do líder do departamento dos serviços secretos para a Crimeia, que era assistente de Bakanov; e acrescenta que as demissões de Bakanov e Venediktova não são políticas, uma vez que a influência de Yermak, o referido conselheiro de Zelensky, "já era bastante grande". A advogada e ativista Tetiana Shevchuk discorda e pede uma investigação transparente às ações dos altos responsáveis demitidos durante o período de guerra. "Foram nomeações políticas e ambos eram problemáticos desde o início", sublinhou, em declarações ao Politico (CNN-Portugal)

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