quinta-feira, julho 21, 2022

Putin coseguiu semear o caos numa Europa patética: "Bruxelas recomenda manter 20º no Verão e Inverno para enfrentar corte russo"


Dada a ameaça de interrupção do abastecimento de gás russo, a Comissão fixou uma meta de 15% para a redução do consumo dos clientes individuais e industriais dos 27 Estados-membros, entre 1 de Agosto deste ano e 31 de Março de 2023. A Comissão Europeia está a pedir aos cidadãos europeus que regulem para os 20 graus centígrados o termóstato dos seus equipamentos de aquecimento e de arrefecimento do ar, de forma a contribuírem para a diminuição do consumo de gás natural na União Europeia (UE).

Nas contas de Bruxelas, só o ajustamento da temperatura dos aparelhos de ar condicionado, no Verão, e dos radiadores, no Inverno, pode resultar numa poupança equivalente ao abastecimento proveniente do gasoduto russo Nord Stream 1 durante um ano. E poupança é a palavra chave do plano que a Comissão Europeia apresentou, esta quarta-feira, para salvaguardar o abastecimento de gás aos consumidores dos 27 Estados-membros durante o próximo Inverno. Como é que cada um pode contribuir para esse esforço? Por exemplo, tomando duches mais curtos, utilizando menos água quente nas tarefas domésticas e desligando os seus aparelhos electrónicos em vez de os manter em stand-by, enumera a Comissão.

Perante a ameaça de uma interrupção, que pode ser parcial ou total, do abastecimento a partir da Rússia, o executivo comunitário fixou uma meta de 15% para a redução do consumo dos clientes individuais e industriais dos 27 Estados-membros, entre o próximo dia 1 de Agosto e 31 de Março de 2023.

Trata-se de uma medida preventiva que, como explicou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, serve um duplo propósito: diminuir de forma imediata, e significativamente, o consumo de gás, para poder preencher o mais depressa possível a capacidade de armazenamento, e assegurar que a UE dispõe de uma rede de segurança para responder às necessidades energéticas de todos os Estados-membros, no caso do corte total do abastecimento vindo da Rússia.

Esse é um cenário que Ursula von der Leyen considera “muito provável”. “A Rússia está a chantagear-nos e a utilizar a energia como arma”, acusou a presidente da Comissão Europeia. “Essa foi a forma que Moscovo escolheu para exercer pressão, enfraquecer e dividir a UE”, lamentou.

O executivo comunitário já apresentou um plano para acabar com a dependência energética da Rússia, chamado RePowerEU, que permitirá reduzir em dois terços as importações de gás natural até ao fim do ano, pela diversificação dos fornecedores e das fontes de abastecimento.

Mas, esta quarta-feira, o executivo apresentou um pacote de medidas adicionais e voluntárias, para fazer baixar o consumo de gás tout court nos próximos oito meses. Numa comunicação aprovada pelo colégio de comissários, encontra-se um menu completo de opções, que cada Estado-membro pode escolher, para atingir a meta vinculativa de um corte de 15%.

“Sei que é pedir muito, mas entendemos que esta é uma métrica justa e razoável”, justificou Ursula von der Leyen, explicando que o montante que cada Estado-membro terá de reduzir é calculado com base na média do consumo nacional de gás entre Agosto e Março durante os últimos cinco anos.

A redução de 15% proposta pelo executivo comunitário corresponde a um corte na procura de cerca de 45 mil milhões de metros cúbicos de gás (ou bcm, na abreviação em inglês da unidade de medida de referência na produção e distribuição de gás).

Para garantir que a UE atinge esse objectivo, a Comissão propõe a criação de um novo mecanismo de emergência ou alerta, que abre a porta ao racionamento da energia quando estiver em causa a segurança do abastecimento, pela incapacidade do mercado responder às necessidades.

A base legislativa para essa medida é o artigo 122.º do Tratado de Funcionamento da UE, que determina que, por proposta da Comissão, o Conselho da UE “pode decidir, num espírito de solidariedade entre os Estados-membros, das medidas adequadas à situação económica, nomeadamente em caso de dificuldades graves no aprovisionamento de certos produtos, designadamente no domínio da energia”.

Ao abrigo deste mecanismo, os cortes no consumo deixam de ser “voluntários” e passam a obrigatórios, pelo menos para os grandes consumidores industriais — a Comissão oferece uma grelha com múltiplos critérios para ajudar os países a definir prioridades em termos dos sectores e das empresas forçadas a reduzir e racionar o uso do gás.

Porém, mesmo em situação de emergência, estão previstas várias excepções. O racionamento energético não pode atingir as famílias, nem os grandes utilizadores que tenham uma actividade considerada essencial, como hospitais, escolas ou indústrias que fabricam produtos classificados como essenciais.

Bruxelas quer que os Estados-membros façam uma actualização dos seus planos nacionais de emergência e identifiquem as suas metas de redução do consumo, bem como as acções previstas para atingir o corte de 15%. Esse trabalho deve ser concluído até ao fim de Setembro, para que depois do Verão possam ser feitas avaliações da situação a cada dois meses.

Na sua proposta, a Comissão põe a tónica na “coordenação” e na “solidariedade” entre os Estados-membros, para garantir que não há desequilíbrios ou disfunções no mercado único europeu. Quando um país se encontrar numa situação crítica, pode recorrer às reservas dos seus parceiros para suprir as suas necessidades — mas essa possibilidade não o desobriga de cumprir a meta dos 15%.

Esta quarta-feira, Ursula von der Leyen reconheceu que alguns Estados-membros estão numa “situação mais vulnerável” e terão mais dificuldades para reduzir o consumo de gás. Ainda assim, argumentou que nem aqueles que têm uma utilização mais reduzida deste combustível estão imunes às consequências de uma disrupção do mercado. “Por isso é importante que todos contribuam para poupar, armazenar e partilhar, em caso de necessidade”, insistiu.

O plano da Comissão Europeia vai ser discutido pelos 27 numa reunião extraordinária do Conselho de Energia da UE que a presidência checa convocou para a próxima terça-feira, em Bruxelas.

Apesar de todos os líderes europeus reconhecerem a gravidade da situação, as diferenças entre os vários Estados-membros em termos da sua exposição à Rússia e da composição do seu “mix” energético faz antecipar uma negociação complicada.

Comissão já negociou 35 mil milhões de metros cúbicos de gás com outros fornecedores

O plano da Comissão Europeia para “um Inverno seguro” não contém apenas medidas de redução da procura de gás: Bruxelas também prevê acções do lado da oferta, e tem estado a trabalhar, em estreita colaboração com os Estados-membros, para potenciar o uso de outros tipos de combustíveis e aumentar e diversificar as suas fontes de abastecimento, com o recurso a fornecedores alternativos à Rússia.

O cenário que se perspectiva para os próximos meses é crítico: como alertou a Agência Internacional da Energia na segunda-feira, nem o preenchimento das reservas de gás da UE até ao máximo de 90% durante o Verão elimina o risco de disrupção e escassez no Inverno se a Rússia suspender o abastecimento.

Segundo os dados disponibilizados pela Comissão Europeia, antes da invasão da Ucrânia, a UE consumia cerca de 14 mil milhões de metros cúbicos de gás russo por mês. O abastecimento caiu significativamente após o início da guerra, e estará actualmente abaixo dos 5000 milhões de metros cúbicos.

E a potencial perda desse volume de gás russo terá um impacto muito negativo na actividade económica do bloco, com as estimativas de Bruxelas a apontarem para uma quebra de 1,5% do Produto Interno Bruto da UE e a possibilidade de recessão em várias economias europeias.

O recurso a outros combustíveis já levou vários Estados-membros a rever e alterar os planos em curso para o encerramento de centrais de produção a carvão ou unidades nucleares, no âmbito do processo de transição energética para o cumprimento das metas de redução das emissões de CO2 e de neutralidade climática. É o caso da Alemanha, Bélgica e Polónia.

Em Bruxelas e nas diferentes capitais intensificam-se os contactos e as negociações com fornecedores alternativos, de gás natural e gás natural liquefeito (GNL), transportado por via marítima ou através de gasodutos. A UE terá já assegurado o fornecimento de 21 mil milhões de metros cúbicos de GNL por via marítima e 14 mil milhões de euros cúbicos através dos gasodutos da Noruega, do mar Cáspio e do Norte de África. 

“O nosso fornecimento de gás a partir de outras fontes aumentou em 35 bcm [mil milhões de metros cúbicos] desde Janeiro até agora. Tal como o nosso uso de energias renováveis: desde o início do ano, estimamos ter acrescentado uma capacidade adicional de 20 Gigawatts, que nos permitiram substituir 4 bcm de gás”, indicou Von der Leyen.

No final de Março, Bruxelas e Washington fecharam um acordo para o aumento do comércio de gás natural liquefeito, e no início desta semana, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, assinou um memorando de entendimento com o Azerbaijão para aumentar o fluxo do gasoduto Transadriático até ao fim do ano, e duplicar a capacidade de abastecimento até 2027.

O primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, já viajou mais do que uma vez para a Argélia para negociar novos contratos. O ministro da Economia da Alemanha, Robert Habeck, esteve no Qatar, enquanto o Presidente de França, Emmanuel Macron, recebeu em Paris uma delegação de alto nível dos Emirados Árabes Unidos, liderada pelo Xeque Mohamed bin Zayed Al-Nahyan. O executivo comunitário lembra que os Estados-membros devem prosseguir os seus esforços para a promoção e utilização de energias renováveis, mas reconhece que esse investimento ainda vai demorar tempo a produzir o efeito desejado (Publico, texto da jornalista Rita Siza)

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