domingo, julho 31, 2022

Fundos europeus: Inflação rouba milhões aos fundos comunitários

Fundos são atualizados 2% ao ano, mas há obras a custar 20% mais. Mudarão as regras europeias para compensar tanta inflação? Tal como as famílias estão a perder poder de compra, também os fundos europeus estão a perder poder de investimento com o disparo da inflação. O problema é que os fundos europeus são atualizados a 2% ao ano, mas em 2022 a inflação promete disparar para 7% ou mais em Portugal, cavando um diferencial superior a 5%. A título indicativo, só este diferencial de 5% já equivaleria a perto de €400 milhões face às transferências da União Europeia que Portugal conta receber este ano. Mas as contas ao verdadeiro rombo provocado pela inflação são bem mais complicadas de fazer. Como vários peritos explicaram ao Expresso, tal implicará saber, por exemplo, quais os investimentos concretos em que serão aplicados os fundos europeus programados para os próximos anos e qual será a evolução desses diferentes tipos de custos. Certo é que a guerra na Ucrânia veio baralhar todas as contas. A dependência energética da Rússia e a depreciação do euro face ao dólar também só pioram as tensões inflacionistas. E os custos das obras públicas estão a disparar acima do cabaz de compras das famílias, que é o referencial usado para medir a inflação.

PREÇOS DESCONTROLADOS

“A anómala subida dos preços das matérias-primas, da energia e dos materiais de construção é uma realidade que está a afetar os custos das empreitadas a uma escala superior”, confirma o presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), Manuel Reis Campos. “A este sério problema do descontrolo dos preços juntam-se as atuais disrupções nas cadeias globais de produção e logística”, provocando “oscilações diárias de preços, escassez de produtos ou prazos de fornecimento anormalmente longos, aos quais acrescem as incertezas geradas pelos impactos da guerra na Ucrânia”.

Neste contexto, torna-se particularmente complexo o exercício de avançar estimativas para o resto do ano. “As variações concretas de cada empreitada vão resultar, sobretudo, da natureza dos trabalhos e das matérias-primas a utilizar, do tempo decorrido entre a data da proposta e a adjudicação dos trabalhos, mas estamos a falar de variações muito significativas”, alerta Manuel Reis Campos.

O que a AICCOPN sabe é que o índice de custos de construção de habitação terminará em 2022 com uma taxa de crescimento de, pelo menos, 14,7% se se mantiver, até ao final do ano, o ritmo de maio. Maio é o mês a que se referem os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística. Então, os produtos cerâmicos já custavam mais 70% e os aços, gasóleo, obras de carpintaria, aglomerados e ladrilhos de cortiça mais 30%. No seu conjunto, os materiais aumentaram 18,7% e o custo da mão de obra 6,1%.

No final de maio, o Governo lançou um regime excecional e temporário de revisão de preços. “Foi o reconhecimento e uma primeira resposta perante um problema que, como temos afirmado, tem repercussões muito gravosas tanto nos contratos em curso como naqueles que venham a ser celebrados”, diz o líder da AICCOPN.

Neste cenário inflacionista, a boa execução dos fundos europeus nas obras públicas também exigirá uma nova atitude do Estado português. “Conferir maior celeridade às adjudicações ou estabelecer preços-base realistas para os concursos de empreitadas são dois exemplos de medidas imprescindíveis neste contexto”, defende Manuel Reis Campos.

O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando de Almeida Santos, alerta para as pressões adicionais decorrentes da questão energética, do facto de muitos materiais de construção serem importados de fora da Europa e da falta de mão de obra no sector. “Vamos ter um aumento dos custos face a valores do passado bastante superior. Em alguns casos pode atingir os 20%.”

“Se o custo para o Estado for 20% superior, temos duas hipóteses”, equaciona o bastonário sobre grandes obras cofinanciadas pelos fundos europeus. Ou “fazemos 20% menos no prazo previsto”, ou, “em função do que seria a inflação, a União Europeia (UE) poderia dotar os países desse diferencial para se fazer tudo”.

Fernando de Almeida Santos alerta, contudo, para a “dimensão política” desta solução, que permitiria aos Estados-membros verem compensada a erosão dos fundos comunitários gerada pela inflação. “Se a inflação correspondesse a 7%, em vez de dar 1000 a Portugal, daria 1070.”

As últimas previsões de Bruxelas mostram como a inflação está a disparar em toda a UE. Portugal (previsão de 6,8% em 2022) até será dos países menos impactados, pois a inflação supera os dois dígitos no Leste europeu: Estónia e Lituânia (previsão de 17% em 2022), Letónia (15,5%), Chéquia (13,9%), Bulgária (12,5%), Polónia (12,2%), Hungria (11,8%), Roménia (11,1%) ou Eslováquia (10,5%).

SOLUÇÃO EM 2023

“A previsão mais recente da Comissão Europeia aponta para uma taxa anual de 7,6% para a zona euro este ano e uma descida para cerca de metade em 2023 (4%), esperando-se um abrandamento nos anos seguintes. Porém, estas são previsões rodeadas de enorme incerteza”, diz a eurodeputada socialista Margarida Marques, vice-presidente da Comissão dos Orçamentos do Parlamento Europeu.

Segundo as regras do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 — explica a eurodeputada —, as atualizações dos montantes anuais dos fundos são feitas pela Comissão Europeia usando um deflator fixo de 2%, que depois apresenta ao Parlamento Europeu e Conselho, com a respetiva justificação e previsão económica subjacente. “Para efeitos de programação e subsequente inclusão no orçamento da União, os montantes […] são indexados a uma taxa anual de 2%”, lê-se no regulamento dos fundos da coesão.

Margarida Marques avança que “o aumento abrupto da inflação em toda a UE é uma das razões pelas quais o Parlamento Europeu decidiu fazer um relatório de iniciativa sobre a revisão do Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 (QFP) — do qual sou, mais uma vez, correlatora, com o meu colega Jan Olbrycht (Partido Popular Europeu, Polónia)”. O Parlamento Europeu também pediu à Comissão Europeia para “apresentar uma proposta revista do QFP, já no primeiro trimestre de 2023, que tenha em conta uma nova realidade económica e social, incluindo a evolução da inflação”. Aguarda-se então essa proposta para saber em quanto podem os fundos europeus ser atualizados, tendo em conta a evolução das previsões da inflação e o seu impacto no orçamento da UE (Expresso)

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