domingo, julho 24, 2022

BCE faz maior subida de juros em 22 anos

O jogo de forças entre ‘falcões’ — banqueiros que exigem uma política mais restritiva e maiores subidas dos juros para travar a inflação — e ‘pombas’ — que defendem uma abordagem mais cautelosa — no Conselho do Banco Central Europeu (BCE) conheceu esta quinta-feira um novo episódio. Na reunião houve “consenso” para uma subida mais pronunciada do que o sinalizado na taxa de juro de referência, para 0,5% — o primeiro incremento em mais de uma década e o mais pronunciado dos últimos 22 anos. E a aprovação “unânime” do Transmission Protection Instrument (TPI), o mecanismo antifragmentação que servirá para defender os países do euro que enfrentem maiores subidas nas suas taxas de juro soberanas. Aprovação que, como sublinhou Christine Lagarde, presidente do BCE, abriu caminho ao referido aumento dos juros.

Com a inflação na zona euro em máximos históricos — atingiu 8,6% em junho em termos homólogos —, muito acima dos 2% de referência para o BCE, que tem como mandato a estabilidade dos preços, Christine Lagarde reconheceu que “é esperado que se mantenha acima do desejável por algum tempo”. Na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho do BCE, apontou precisamente “a materialização” de riscos de inflação como justificação para “um passo maior na normalização das taxas de juro”.

Contudo, vincou outra condição para esta decisão do BCE: “A situação mudou em termos de proteção da transmissão da política monetária”, para evitar uma fragmentação da zona euro. Em causa está a operacionalização da já anunciada flexibilidade no reinvestimento da dívida que vai vencendo no âmbito dos programas do BCE que chegaram ao fim. E “a aprovação unânime” do mecanismo antifragmentação. “É muito bom que todo o Conselho, 25 membros, estejam todos alinhados em torno de um novo instrumento, o TPI”, para “garantir que a política monetária é transmitida de forma suave e não é perturbada por dinâmicas de mercado desordenadas e injustificadas”, afirmou Lagarde.

Todos os países da zona euro podem ser elegíveis, e o Conselho irá decidir essa elegibilidade com base em quatro critérios: cumprimento das regras orçamentais europeias; ausência de desequilíbrios macroeconómicos severos; sustentabilidade da dívida; e políticas macroeconómicas sustentáveis. Contudo, Lagarde destacou que “não estamos reféns de nada”, vincando que “os critérios são indicativos” e a decisão de ativar o mecanismo “fica à discrição do Conselho”. Uma discricionariedade que levanta interrogações sobre a sua aplicação prática.

O teste ao novo mecanismo pode surgir rapidamente. Itália, um dos mais endividados da zona euro, enfrenta tempos de incerteza, com a demissão do Governo de Mario Draghi, que pode pressionar ainda mais os juros da dívida soberana. Sem referir-se nunca ao caso italiano, Lagarde apontou que “posso assegurar que preferíamos não usar o TPI. Mas, se tivermos de o usar, não hesitaremos”.

Quanto a futuras decisões sobre taxas de juro, o BCE sinaliza novos aumentos nas próximas reuniões, mas não em que dimensão. Com o passo dado ontem, a sinalização de uma subida de meio ponto percentual em setembro “já não é válida”, disse Lagarde, apontando que “as decisões sobre taxas de juro serão tomadas passo a passo, reunião a reunião, com base nos dados” disponíveis.

A reação dos mercados está a ser pouco expressiva às decisões anunciadas pelo BCE. “Já estavam a prever esta subida de 50 pontos-base”, salienta Rui Castro Pacheco, líder de investimentos do Banco Best. Assim, o euro registava ontem à tarde “uma subida muito ligeira face ao dólar”. Quanto à dívida soberana, “não há nada de muito visível”. A exceção é Itália, onde os juros estão a subir mais “pela queda do Governo de Mario Draghi”, vinca. Quanto a Portugal, verifica-se “uma subida muito ligeira” nos juros da dívida.

O NOVO MECANISMO DO BCE

OBJETIVO

Evitar que, nesta fase de subida dos juros, as taxas e os spreads da dívida pública de alguns países — como Itália ou Portugal — disparem e provoquem uma nova crise.

FUNCIONAMENTO

Compra de dívida pública — e até pode ser privada, “se apropriado” — no mercado secundário (já depois de emitida) com prazos entre um e 10 anos sem limitação de montante à partida. Decisão pertence ao Conselho do BCE, que é soberano.

BENEFICIÁRIOS

Todos os países da zona que verifiquem quatro critérios: cumprimento das regras orçamentais (suspensas), inexistência de desequilíbrios macroeconómicos graves, sustentabilidade da dívida pública e política adequadas face ao PRR e às recomendações do Semestre Europeu (Expresso, texto da jornalista Sónia M- Lourenço)

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