quinta-feira, julho 01, 2021

Costa deixa 60% das medidas para o pós-eleições



Medidas até 2023 (40%) valem 8 dos 13 mil milhões de euros de subvenções. Mas muitas só fecham em 2025. Sinal de que Costa quer ficar? António Costa anda preocupado com a execução do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) que agora começa, e fez questão de dizer esta semana que sabe que o aval da Comissão Europeia ao desembolso de mais de €16 mil milhões (subvenções e empréstimos) “não é um cheque em branco”. O receio de atrasos ou de demoras na execução completa das medidas nota-se na versão final do documento, em que algumas são empurradas um pouco para a frente, caso da legislação para regular as plataformas digitais, da igualdade salarial entre homens e mulheres ou do novo regime de insolvência. Uma lógica de “cautela e prudência”, diz fonte do Governo ao Expresso, até porque sem a execução dos compromissos o dinheiro não é libertado — e há medidas que dependem do Parlamento, onde o PS não tem maioria.

Contas feitas ao documento final, quase 60% das metas e marcos do PRR, indicadores dos quais dependem os desembolsos das subvenções, ficam para finalizar depois das legislativas de 2023 (191), uma grande parte no último ano da ‘bazuca’, em 2025 (124). Por outro lado, a maior fatia dos desembolsos (mais de €8 mil milhões) está prevista chegar até ao final de 2023 (dois anos e meio), o que indica que, apesar de serem menos as medidas a cumprir até às eleições (131, 40% do total), elas valem mais dinheiro.

Costa defendeu a estratégia de não carregar na fase inicial do programa, como fez Espanha, dizendo que não se trata de uma “corrida de 100 metros, mas corrida de fundo”, e acaba por deixar para a próxima legislatura boa parte do trabalho ou a sua conclusão — dado que algumas reformas e legislação serão feitas por fases, só estarão totalmente concluídas (o que importa para a Comissão Europeia) para lá de 2024.

E este é mais um motivo a alimentar o tabu que tem corrido: quer Costa continuar para lá de 2023, num cenário normal em que termina esta legislatura? O PRR foi a grande notícia no último ano e meio e Costa pode ter a ambição de o executar. Esta semana disse que o PRR era a “esperança que se converte em confiança”, e poderá ser também a sua de poder sair por cima depois da crise. Quando? As circunstâncias à esquerda, a sua vontade e as próximas eleições o irão determinar, mas certo é que há quem lhe peça essa clarificação no congresso socialista no próximo mês. Acresce a este “sinal” que o PS esteve sempre sozinho a defender o PRR. Nem a direita, que ambiciona vir a ser Governo durante o período de execução do plano, nem a esquerda, que será chamada para negociar medidas no Parlamento, quiseram dar o aval ao documento.

MEDIDAS DIFÍCEIS

Numa primeira leitura do documento é possível verificar que há medidas que foram um pouco adiadas, como é o caso da legislação sobre a regulação do trabalho nas plataformas digitais, que estava previsto que entrasse em vigor no final de 2022 e foi adiada um trimestre. Outras acabaram mesmo por passar para a próxima legislatura: a revisão do regime de insolvência e recuperação, com o último marco a ficar agendado para o primeiro trimestre de 2024; o Plano de Contabilidade de Gestão do SNS estava previsto para o segundo trimestre de 2023 e passa para o primeiro de 2024, e uma medida para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres estava marcada para o quarto trimestre de 2024 e avança um ano. Junta-se ainda a plena aplicação da Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 (que tem sido consecutivamente adiada desde o tempo de Mário Centeno), que só será finalizada em 2025 (apesar de medidas intercalares já em 2022).

Há, no entanto, muitos desafios até que o pano caia nas eleições de 2023, como, por exemplo, na área da habitação ou dos transportes. Alguns avisos de concursos até já foram lançados e outros serão nos próximos dias. Uma das medidas mais sensíveis que tem de ficar fechada até às eleições — e que é pedida há anos pela Comissão Europeia — é a mudança nas ordens profissionais, ou seja, a reforma das profissões altamente regulamentadas. Ficou no papel que a nova lei tem de entrar em vigor até ao quarto trimestre de 2022. Cumprir este marco — tal como acontece com outros — depende também da Assembleia da República, que aqui fica com o ónus de completar a tarefa. “Os atores no processo, e aqui o Parlamento é um ator-chave, terão de fazer o seu papel para o cumprimento das metas”, explica fonte comunitária. Foi também por isso que Bruxelas insistiu no envolvimento dos parceiros sociais e sociedade civil na elaboração dos projetos. Contudo, este sempre foi o PRR de Costa, para o bem ou para o mal (Expresso, texto das jornalistas LILIANA VALENTE e SUSANA FREXES)

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