sexta-feira, novembro 15, 2019

Impostos indiretos subiram quase ⅕ no Governo de Costa e são já 55% da carga fiscal (e Costa não se compromete)

Nos últimos anos houve um aumento expressivo dos impostos indiretos, e António Costa não garante que não voltem a subir. Em 2020, os consumidores devem estar atentos aos chamados impostos ambientais que penalizam combustíveis e emissões de CO2 no sector automóvel É sabido que carregar nos impostos indiretos, que tributam, sobretudo, o consumo, é a melhor forma de os governos obterem mais receita sem grande alarido por parte dos contribuintes. Há até a célebre máxima de Jean-Baptiste Colbert que ilustra o efeito de anestesia fiscal. “A arte da tributação consiste em depenar o ganso para obter o máximo de penas com o mínimo de gritos”, disse o político francês.
Ontem, quarta-feira, os impostos indiretos foram motivo de uma troca de farpas entre o primeiro-ministro, António Costa, e o deputado do Chega, André Ventura, no Parlamento. Com o líder do Governo a dizer: “Não. Não vou dar nenhuma garantia de que os impostos indiretos não sobem durante esta legislatura. Direi mesmo mais: não me comprometerei com um cêntimo que seja de benefício fiscal para diminuir a tributação sobre combustíveis fósseis quando o mundo tem de se mobilizar para um combate sem tréguas contra as alterações climáticas.”

Sempre a aumentar
Ora, em Portugal, os impostos indiretos têm vindo, de facto, a aumentar, retirando das carteiras dos portugueses cada vez mais milhões. E a tributação sobre os combustíveis tem dado um largo contributo para esta estratégia, que beneficia de pouca contestação por parte dos portugueses, embora exista uma melhor noção sobre esta carga fiscal ‘escondida’.
Alexandre Gomes da Silva, professor coordenador da Coimbra Business School, tem vindo a monitorizar o conhecimento dos portugueses em relação ao impostos indiretos e verifica que “os contribuintes estão alerta e mantêm a perceção de um forte encargo fiscal sobretudo mais pela perda de poder de compra do que efetivamente pelo conhecimento fiscal.
Os impostos indiretos, as suas taxas e incidência são ainda uma incógnita para a generalidade das pessoas”. Além disso, “o preço disfarça o imposto” e, por isso, para os governos esta é uma boa forma de arrecadar mais sem grande contestação, com subidas que, em alguns casos até podem ser justificadas com razões ambientais ou de saúde pública (combustíveis, tabaco ou bebidas alcoólicas).
De acordo com dados da Direção-Geral do Orçamento, o peso da tributação indireta no total da receita fiscal do subsector Estado, em 2018, ascendeu a 55,4%, o que corresponde a cerca de 24,5 mil milhões de euros, mais 18,4% do que em 2015, quando António Costa se torna, pela primeira vez primeiro-ministro, sucedendo a Pedro Passos Coelho. Recuando a 2011, quando Passos Coelho forma governo, observa-se que atualmente, a receita dos impostos indiretos supera em 27,4% os 19,2 mil milhões de euros cobrados nesse ano. Ou seja, os impostos indiretos têm sido um recurso óbvio para o Estado conseguir mais dinheiro. E, sem contar com o grande gerador de receitas chamado IVA (cuja taxa permanece nos 23% desde 2011), o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP) tem sido uma forte ajuda, faz notar Afonso Machado Arnaldo, sócio da Deloitte e especialista em tributação indireta.
Emissões de CO2, as más da fita
Entre 2015 e 2018, a receita do ISP cresceu acima dos 46%, e António Costa foi perentório de que não vai baixar as taxas. Resta saber se vai carregar na carga fiscal sobre as gasolinas e os gasóleos. Se Afonso Arnaldo tivesse de apostar, diria que é possível que tal venha a acontecer “caso se queira ter receita efetiva, ou seja, com expressão”, mas lembra que, dentro da esfera dos chamados impostos ambientais, há outros aos quais os contribuintes devem prestar atenção.
Embora as pessoas já estejam mais atentas para a carga dos impostos indiretos, nomeadamente no que toca aos combustíveis – “acho que muitas pessoas já têm noção que mais de 50% do que pagam para encher o depósito são impostos” –, ainda há aspetos que podem passar despercebidos e ter um forte impacto na carteira.
Houve alterações na fórmula de cálculo do Imposto sobre Veículos (ISV), em função das emissões de CO2, que determinaram uma subida da carga fiscal para a maior parte dos veículos, num efeito que ficou suspenso, em 2019, através da aplicação de uma tabela de conversão. “Se, em 2020, essa tabela não for publicada de novo vamos ter um aumento significativo do ISV”.
As alterações também incidem sobre o Imposto Único de Circulação (IUC), outro dos ‘instrumentos’ usados, nos últimos anos, para encaixar mais alguns milhões e que se tem revelado um motor potente para a receita fiscal (passou de 174 milhões de euros, em 2011, para 382 milhões de euros, em 2018). Trata-se de um imposto sobre a propriedade — e não sobre o consumo —, e, por isso, menos sujeito a oscilações no poder de compra, ou seja, é receita que pinga todos os anos. Também no IUC há normas transitórias que evitaram uma subida abrupta do imposto, mas ainda não se sabe o que vai acontecer para o próximo ano.
Pobres também pagam impostos indiretos
Sobre o Imposto do Tabaco, em que é raro o ano em que não haja subidas, Afonso Machado aponta que a evolução da receita tem tido o impacto das medidas dos governos para tributar realidades menos oneradas ou que não eram sujeitas a tributação, como o caso do tabaco de enrolar e dos cigarros eletrónicos. Como tem vindo a acontecer, as taxas deverão ser atualizadas em 2020. Já no IVA não deverá haver alterações nas taxas, mas sim possíveis mexidas nas listas de produtos sobre os quais incidem os 6%, 13% ou 23%, como se tornou habitual. Além disso, o IVA tem maior notoriedade junto dos consumidores, que mais facilmente ficam desagradados com um aumento. Mas esta realidade pode vir a mudar, já que a nível europeu se tem verificado uma subida das taxas normais do IVA para níveis acima dos 23% de Portugal.

Sobre a opção pela tributação do consumo, Afonso Machado, lembra o seu impacto junto dos mais pobres: “uma pessoa com menos recursos, em princípio come o mesmo número de refeições que uma pessoa mais rica”, ilustra. É que a tributação indireta pode incidir sobre bens essenciais e tem impacto nas classes mais desfavorecidas (Expresso)

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