quarta-feira, novembro 14, 2018

Opinião: o "calcanhar de Aquiles" da justiça é uma estratégia comunicacional inexistente

Os recentes casos judiciais, mediaticamente mais ampliados - morte do triatleta, assassinato de uma senhora no Montijo,  atribuído à filha adoptiva e o caso Bruno Carvalho - vieram demonstrar que a justiça continua a cometer erros clamorosos em termos de comunicação institucional fora das fronteiras do seu mundo.
O problema, se me permitem, é que essa comunicação com a opinião pública não é uma benesse da justiça mas um dever ético de uma instituição que não pode andar sistemática e regularmente envolta em dúvidas sobre o funcionamento de determinados mecanismos internos.
Podia enumerar as frequentes e deliberadas fugas de informações, nalguns casos logo na fase primária dos processos de investigação, o papel destruidor de fontes de manipulação e de mentira com acesso fácil aos média, de relações privilegiadas com alguns meios de comunicação social (ou jornalistas), gerando muitas vezes uma complexa teia de contradições, de notícias falseadas – as tais “fake news” - que depois são parcialmente desmentidas mas que entretanto causaram estragos a pessoas ou instituições, os factos “noticiados” de forma especulativa e distorcida, que depois não se provam ser verídicos, pondo em causa a honorabilidade de pessoas ou instituições e, pior do que isso, pondo em causa esse direito constitucional reconhecido a qualquer cidadão a braços com problemas na justiça – a presunção da sua inocência até prova em contrário, etc.

Os cidadãos - acredito eu - terão hoje uma imagem da justiça que depois do caso Sócrates e de outros processos judiciais mais mediatizados e que surgiram por essa altura, será substancialmente diferente daquela que tinham anteriormente. Não se trata de discutir a confiança das pessoas na justiça porque isso não se coloca - se um dia esse problema se colocasse então a democracia e o estado de direito estão a caminho do casos e de de uma agência funerária qualquer para serem enterrados. O que está em causa é a confiança na segurança e na fiabilidade de circuitos internos do edifício judicial, da confidencialidade do processo de decisão, da garantia de confidencialidade de procedimentos judiciais que não podem, seja a que pretexto for, surgirem na comunicação social de forma especulativa, distorcidos, truncados, censurados, selectivamente passados para essas fontes com relações privilegiadas com determinados sectores do sector judicial.
Nada de confundir a justiça da Justiça, que actua em conformidade com os factos apurados - e que nem sempre são os melhores - com a garantia de confidencialidade e de reserva da estrutura funcional e orgânica da justiça, nos seus diferentes patamares de actuação ou de decisão. O segredo de justiça é um mito, por culpa da própria justiça, melhor dizendo, por culpa de um estranho entendimento entre a justiça e alguma comunicação social mais especulativa e nada tolerante e sem olhar a regras éticas e deontológicas. Admito que em determinados momentos (e processos),  a justiça tenha sentido necessidade de se defender de ataques que lhe eram dirigidos exactamente devido ao impacto especulativo de informações manipuladoras e polémicas.
Face ao que acabo de referir - porque é essa a minha opinião - acho que a justiça deve rapidamente estudar os mecanismos mais adequados para suprir deficiências - nalguns casos interrogo-me mesmo se deliberadas -  e assentar numa política comunicacional (que não existe) que toda a instituição pública num estado democrático como o nosso, tem a obrigação ética, o dever se preferirem, de ter. A justiça precisa de uma estrutura comunicacional célere, credível, experiente e competente, que trabalhe exclusivamente para os tribunais e para os organismos existentes no sector, desde o Ministério Público aos Tribunais estrutura essa que chamará a si a responsabilidade pelas relações com a comunicação social, supervisionada directamente por quem entenderem. Uma estrutura que não demore uma semana a veicular uma notícia ou 10 dias a publicar em desactualizados e confusos sites institucionais decisões ou informações processuais, que interessam à opinião pública, etc, etc.
Isto de termos entidades públicas que se comportam como se estivessem a se borrifar para a opinião pública em geral, que nada fazem para garantir o escrupuloso respeito pelo segredo de justiça, que não esclarecem - salvo em situações extremas, quando a polémica de instala - a verdade dos factos e os motivos de decisões tomadas, elas não são credoras da respeitabilidade que reclama e a que legitimamente tem direito. Não podemos aceitar, como recentemente aconteceu, assistirmos a uma tentativa de destruição pública, na comunicação social, de um juiz – por sinal madeirense, Ivo Rosa – por razões que se relacionam com um determinado sorteio (e um determinado processo, o mais mediático de todos) e com as posturas inatacáveis do magistrado no exercício das suas funções. Falo daquela tentativa de acusação de ter sido o causador da libertação de um traficante de armas qualquer, que fugiu do país, quando ninguém veio rapidamente esclarecer os motivos da sentença e as insuficiências processuais e documentais da investigação do Ministério Público que se escondeu sob uma acusação facilmente desmontada e destruída pela defesa (LFM)

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