terça-feira, abril 12, 2011

Opinião: "O eucalipto, o seu deserto e a sede de esquerda"

"Fim de festa. Esta a expressão que melhor caracteriza o que aconteceu e o que significa o XVII Congresso do PS. Mas mais do que o fim de festa propriamente dita que poderia ter sido os três dias de trabalhos dos militantes do PS, o clima que se viveu no Pavilhão da Exponor foi o de fim da festa do poder que os socialistas temem que se acabe a 5 de Junho. Os sinais desse eventual fim de ciclo não foram só dados pela atitude política da actual direcção que é fiel a José Sócrates e cujos principais protagonistas se sucederam, em cascata, no palco do congresso no sábado. O clima de enterro de uma época no PS foi perceptível também na pobreza do discurso político, na ausência quase absoluta de pensamento crítico - a grande diferença foi aqui marcada pelas críticas de Ana Gomes e também pelo distanciamento de Jaime Gama. Sintomático foi ainda a quase inexistência de figuras com estatuto social, intelectual e, claro, político que possam protagonizar um debate sólido e consistente de propostas políticas e que garantam a sucessão de José Sócrates. Para além, é sabido, de António Costa, de Francisco Assis, de Carlos César e de António José Seguro e cada vez mais também Ana Gomes - que apresentou ao congresso uma moção sectorial sobre União Europeia, com um discurso actual e social-democrata -, quem existe hoje no PS que possa garantir uma liderança depois de Sócrates sair? O PS em Matosinhos apresentou-se como um partido profundamente exaurido, como um deserto de pensamento político, de consciência crítica, de liberdade e autonomia intelectual - onde José Sócrates reina há seis anos como um eucalipto que tudo seca à sua volta; onde dominam em absoluto os aparelhistas, as clientelas de partido cartelizado, os caciques locais e nacionais e a guarda pretoriana de apoiantes de Sócrates - que transformaram o PS num partido diferente do que foi a vivência democrática a que os socialistas estavam habituados. Um partido que ainda oficialmente permanece social-democrata. Mas que não resiste à atracção do unanimismo seguidista e que termina um congresso com uma sala cheia de bandeiras nacionais, onde apenas se vê uma velhinha bandeira vermelha com o punho esquerdo a amarelo. Uma relíquia dos anos 70. Sozinha. Numa sessão de encerramento que quase parecia um comício da velha União Nacional. José Sócrates, líder do PS, por mais que considere que tem condições políticas para se recandidatar a primeiro-ministro, por mais que a sua recente eleição kim-il-sunguiana lhe dê legitimidade interna, por mais que a irracionalidade e a emoção dominem aparentemente a política, sobretudo em momentos de confronto e crise, surgiu no congresso como um homem cada vez mais só, cada vez mais cansado. Um político gasto. Sem um projecto, sem uma ideia, sem um pensamento para o país. Soando até como ridículo o seu novo discurso de crítica ao PSD ultraliberal. Não porque o PSD não tenha propostas claramente neoliberais. Mas por uma questão de coerência que, tudo indica, não deixou de fazer sentido em política. E não deixa de ser absurdo ouvir criticar o neoliberalismo pela boca de quem nos últimos seis anos introduziu no Estado e na governação a agenda neoliberal da Comissão Europeia. Um dos sinais exteriores da profunda debilidade política do PS neste congresso foi, aliás, a forma atabalhoada como os dirigentes socialistas subiram à tribuna para apresentar a reconversão à esquerda do discurso do PS. Uma meia dúzia de ideia coladas de forma confrangedora com cuspo, cuja apresentação deixa perceber que não se baseiam na mínima reflexão, nem em qualquer convicção. E que são repetidas de modo quase igual senão mesmo igual às que José Sócrates lançou no discurso abertura do congresso. Esse extraordinário momento de propaganda, que até parecia ter bebido os seus fundamentos nas reflexões centenárias do sociólogo e psicólogo social Gustave Le Bon. Com aquele inusitado momento final, em que um homem que é líder do partido há seis anos e que foi reeleito há 15 dias, pergunta aos congresso: "Está comigo todo o PS?" Aparentemente, oficialmente, tacticamente, desesperadamente, o PS que foi ao congresso respondeu sim. Vamos ver o que restará do poder de José Sócrates no dia 6 de Junho, mesmo que volte a ganhar as legislativas. E como irá o exausto, gasto, exaurido PS sobreviver e reinventar-se como partido de esquerda. Se ainda houver esquerda no PS” (texto da Jornalista do Publico, São José Almeida, com a devida vénia)

Sem comentários: