terça-feira, agosto 04, 2020

PIB cai quase quatro vezes mais do que com a troika

A paragem forçada do país durante o confinamento, em abril, levou a economia a bater no fundo. Está confirmada a maior contração da economia portuguesa, de 16,5% no segundo trimestre. E os sinais sobre a evolução da atividade no verão não são animadores, alertam os economistas. Era esperada uma queda histórica, e foi mesmo. Os dados publicados na ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que o produto interno bruto (PIB) português deu um trambolhão de 16,5% no segundo trimestre deste ano face ao mesmo período de 2019. É um número inédito e compara com a contração de 4,5% sofrida nos últimos três meses de 2012, em pleno consulado da troika, e que era a quebra mais acentuada já registada. Agora, foi quase quatro vezes maior. O confinamento que paralisou o país em abril e a evolução muito modesta da atividade a partir de maio traduziram-se numa queda muito pronunciada do PIB. Foi mesmo a quarta mais grave entre os países da União Europeia para os quais já há dados.

O INE não dá ainda pormenores, mas destaca a “expressiva contração” do consumo privado e do investimento, bem como a “quase interrupção do turismo de não-residentes”, levando as exportações a caírem mais do que as importações. Ou seja, as coisas correram muito mal, tanto na frente interna como na frente externa.
“Portugal tem enfrentado a tempestade perfeita”, frisa José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, apontando três fatores críticos. Primeiro, a especialização produtiva nacional tem sido muito penalizada nesta conjuntura de crise provocada pela pandemia. A começar pelo turismo, que foi um dos principais motores da economia portuguesa nos últimos anos e que agora ameaça ser um lastro a atrasar a retoma. Mas, também, o cluster automóvel, que é dos sectores mais afetados a nível global.
Segundo, vários dos principais mercados das exportações portuguesas estão entre os mais afetados pela pandemia e viram a economia cair a pique no segundo trimestre. A começar por Espanha que vale mais de um quarto das vendas nacionais de bens ao exterior e que deu um tombo de 22,1%. E, terceiro, “Portugal tem uma capacidade orçamental reduzida face a outros países europeus, que impossibilita esquemas mais agressivos de apoio às famílias e às empresas, em particular para sustentar o consumo”, vinca José Maria Brandão de Brito.
Neste cenário, na comparação com os primeiros três meses do ano, o PIB recuou 14,1%, segundo o INE. Este número era, precisamente, a projeção avançada há poucas semanas pela Comissão Europeia, que recorde-se, espera uma queda no conjunto de 2020 de 9,8%. Caso o comportamento da atividade continue a seguir o padrão antecipado por Bruxelas, isso significa uma queda da economia mais grave do que o Governo previa no orçamento suplementar (-6,9%), mas que também não chega ao descalabro de uma contração a dois dígitos.
VERÃO ESTÁ A DESAPONTAR
O problema é que os sinais que vão sendo conhecido em relação ao terceiro trimestre — ou seja, para o verão — estão a desapontar. “Os poucos indicadores que temos não dão bons sinais”, vinca Rui Constantino, economista-chefe do Santander em Portugal. Uma opinião partilhada por José Maria Brandão de Brito: “Os dados recentes têm sido desapontantes, são ainda escassos, mas sinalizam uma recuperação muito modesta.”
Rui Constantino destaca o turismo que “continua com quedas muito significativas. A recuperação do sector está extremamente atrasada”. E a exclusão de Portugal da lista de países que dispensam quarentena no regresso dos turistas, nomeadamente pelo Reino Unido, tem complicado ainda mais o cenário.
O risco é de uma retoma da atividade mais lenta do que o previsto no terceiro trimestre que, a confirmar-se, “poderá levar a um maior grau de destruição de emprego e de falências, levando, por sua vez, a uma recuperação da economia muito mais lenta do que antecipávamos”, alerta Rui Constantino. E lembra que os dados do INE indicam que, apesar de medidas de apoio como o lay-off simplificado, “perderam-se entre junho de 2019 e junho de 2020 cerca de 180 mil empregos na economia portuguesa”.
José Maria Brandão de Brito termina, contudo, com uma nota positiva: “Excluindo a hipótese de uma segunda vaga severa da pandemia, estou otimista em relação a uma recuperação mais forte no quarto trimestre.” Até porque, nessa altura, Portugal vai beneficiar, nomeadamente ao nível das exportações, com “os megapacotes orçamentais de estímulo que os nossos parceiros europeus estão a implementar”.
QUATRO PERGUNTAS A
Pedro Brinca, Professor da Nova School of Business and Economics
A queda do PIB é tão grave quanto parece?
O segundo trimestre apanhou o grosso do período de confinamento. Era de esperar que a queda do PIB fosse dramática. Foi assim em muitos países europeus. Agora, isto não significa uma recessão muito superior à que vimos na crise da dívida soberana. Assumindo que é um choque temporário, estando a parte epidemiológica sob controlo, as estruturas produtivas vão voltar ao normal e estima-se que a recuperação seja rápida.
Prevê uma recuperação rápida?
A recuperação rápida está dependente do grau de destruição de emprego e de empresas que tiver lugar. O lay-off simplificado e as moratórias de crédito podem ter dado a almofada às empresas para que negócios que são economicamente viáveis voltem a operar. Nesse aspeto, espero que a retoma seja relativamente rápida.
Os apoios estão a empurrar para a frente o impacto da crise?
Se forem suficientemente bons para impedir que muitos negócios fechem, do ponto de vista social é o melhor cenário. O problema seria entrar numa lógica em que muitas empresas achem que é melhor abrir falência, liquidar ativos e depois abrir uma nova empresa começando do zero. Essa é que é a grande ameaça. Portugal está limitado na capacidade para ajudar as empresas, dado o elevado endividamento? Sem dúvida. E a ajuda do Estado às empresas vai determinar a competitividade destas no futuro (Expresso, texto da jornalista SÓNIA M. LOURENÇO)

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