terça-feira, agosto 11, 2020

PANDEMIA: Países europeus reagem ao receio de uma segunda onda

Espanha, Alemanha, França e Bélgica com novas restrições. Casos estão a surgir sobretudo nos jovens. Há já três semanas que a epidemia em Portugal regista uma tendência decrescente, depois de um longo período de aumento de novos casos centrado na região de Lisboa. Mas essa diminuição contrasta agora com o que se vê acontecer na Europa e em vários outros países do mundo. Espanha e Alemanha debatem a possibilidade de estarem a enfrentar o início de uma segunda onda e há novas restrições em vigor na Bélgica, França e Reino Unido. O estado de emergência em Itália foi estendido até 15 de outubro e países como Índia, Brasil e Estados Unidos enfrentam as situações de maior descontrolo. É, no entanto, em Israel que está o maior alerta para a Europa: depois do sucesso em conter a epidemia em maio, o número de casos diários naquele país quadruplicou num mês e gerou um enorme pico de infeções.

“O caso de Israel é claramente uma segunda onda, porque se vê uma subida exponencial com o dobro ou triplo do tamanho da primeira. Faz lembrar a segunda onda da gripe pneumónica de 1918, que foi muito maior do que a anterior”, afirma Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e um dos peritos que participaram nas reuniões no Infarmed para informar o Governo sobre a evolução da covid. “Israel foi um caso de sucesso em maio, quando conseguiram ficar com 20 ou 30 novos casos por dia. Ao longo da primeira metade de junho tiveram um aumento lento, como aquele a que estamos a assistir em alguns países europeus. Só que depois tiveram um aumento exponencial, passando de 500 para 2000 casos diários, o que deixa evidente o efeito de não reagir com energia suficiente aos sinais de alerta. Deve servir de exemplo para a Europa”, avisa.
A principal razão apontada para o aumento de infeções em Israel foi a abertura das escolas ainda em maio, sem regras específicas, porque as autoridades de saúde acreditaram que a epidemia estava controlada. Um primeiro grande surto numa escola secundária acabou por se estender às famílias dos alunos e a outras escolas próximas. “Sem dúvida que não se deve fazer o que fizemos”, afirmou ao “New York Times” Eli Waxman, responsável da equipa de peritos que informa as autoridades de saúde e segurança israelitas sobre a pandemia. “Foi uma enorme falha”, admite.
No aumento de casos que tem estado a acontecer na Europa no último mês, Manuel Carmo Gomes não vê ainda uma segunda onda. “Diria que é um ressurgimento. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, porque acho que as coisas vão ser controladas”, defende. Contudo, a situação de Espanha destaca-se por ter maior gravidade, com cerca de 3 mil novos casos por dia. “Parece-me ser especialmente preocupante, até pela proximidade a Portugal. Interessa perceber se estão com surtos localizados, ainda controláveis, ou se já resvalou para transmissão comunitária descontrolada.”
Segundo o jornal “El Mundo”, as hospitalizações em Espanha quadruplicaram num mês e os doentes em cuidados intensivos triplicaram em 15 dias. As autoridades explicam que os surtos estão concentrados em algumas regiões, como Aragão e Catalunha, e que o vírus está a infetar sobretudo os mais jovens. O contacto social é a principal razão da transmissão, mas um quarto dos surtos ocorre em ambiente laboral e cerca de 20% entre as famílias.
Em França, foi registado esta semana o maior número de infeções diárias dos últimos dois meses, o que tem levado as autoridades a tomar medidas, como o uso obrigatório de máscara em cidades como Paris ou Toulouse e a redução dos horários dos bares na Bretanha. “A qualquer momento podemos passar para um cenário com menor controlo, como em Espanha”, indicou o comité científico francês que tem acompanhado a evolução da pandemia. “E é altamente provável termos uma segunda onda este outono ou inverno.”
FESTAS EM FAMÍLIA
A Alemanha também assiste a uma subida de infeções que deixaram de ser apenas resultado de surtos em fábricas de carne ou lares, para se espalharem por todo o país, sobretudo entre jovens e em festas de família. Um sindicato alemão de médicos admite que o país já enfrenta uma segunda onda e Lothar Wieler, diretor do Instituto Robert Koch, não descarta a possibilidade. “Não sabemos se é o início de uma segunda onda, mas claro que pode ser”, disse ao “Financial Times”.
Lembrando que não há uma definição formal de segunda onda, Tiago Correia, especialista em saúde pública internacional e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), considera que o mais relevante não é a designação dessa subida. “O que interessa é que o número de casos parece estar a aumentar e isso deve suscitar preocupação. Estamos ainda no verão, sabemos que o problema vai agravar-se no outono e não se está a conseguir fazer descansar as equipas médicas.” O investigador do IHMT sublinha também a importância de Portugal estar preparado, em particular nas zonas urbanas e com maior densidade populacional. “Tudo o que vimos acontecer em Lisboa já foi feito com enorme esforço, por isso temo as consequências se a escala de casos vier a ser maior.”
Tiago Correia explica também não haver “nada de cronológico” no facto de Portugal ter continuado a piorar quando a Europa começou a descer e agora estar a acontecer precisamente o contrário. “Aquilo a que estamos a assistir em todo o mundo são ondas que vêm e vão. Ninguém pode achar que, uma vez contido um surto, o problema está resolvido.”
Para Manuel Carmo Gomes, o que está à vista em vários paí­ses neste momento deve servir de alerta para Portugal. Além de ser necessário garantir resposta rápida do rastreamento de contactos, como ficou claro nos últimos meses, é “fundamental” investir em recursos tecnológicos. “Portugal devia ter um mapa de risco municipal atualizado diariamente, tal como existe para os incêndios, para dar mais informação às pessoas e permitir que determinadas regras entrassem em vigor assim que se entrasse num certo nível de risco“, defende o especialista. “Esse investimento deveria estar a ser feito já para este outono.”
RESSURGIMENTO DE CASOS NA EUROPA
Com a pior situação e uma tendência crescente que ainda não deu sinais de inversão está Espanha. Outros países como a Bélgica ou o Luxemburgo já evidenciam sinais de controlo da subida de casos. A curva no Reino Unido, França e Alemanha reflete um crescimento ligeiro, contínuo, mas longe de ter ainda forma de onda. Em situação preocupante por terem um crescimento mais acentuado está a Polónia e a Roménia.
EM CRESCIMENTO CONTÍNUO E GRANDES VAGAS
Estados Unidos e Brasil têm tido desde abril as situações mais descontroladas, onde a epidemia quase não deixou de crescer. Entre junho e julho, a situação agravou-se. A Índia juntou-se mais recentemente aos países com pior evolução no mundo, com uma subida de infeções muito acentuada. Na América Latina e Caraíbas, que já contam com 200 mil mortes, casos como o do México evidenciam evoluções sem sinais de inversão.
NOVAS MEDIDAS DENTRO E FORA DA EUROPA
Reino Unido
Em Manchester, no Norte de Inglaterra, os residentes das zonas mais afetadas não podem visitar familiares ou amigos e nos bares ou restaurantes não se podem juntar pessoas que não vivam juntas. Em Aberdeen, na Escócia, bares, cafés e restaurantes estão fechados pelo menos uma semana
Espanha
No início de julho, bares, restaurantes e ginásios voltaram a ter restrições apertadas na Catalunha. Agora as esplanadas já podem estar abertas até à meia-noite
Bélgica
Os belgas só podem estar com um máximo de 15 pessoas por semana e em grupos de apenas cinco. Encontros de família limitados a 10 pessoas, teletrabalho incentivado sempre que possível e tempo máximo de 
30 minutos dentro de uma loja
Austrália
As lojas de bens não-essenciais voltaram a fechar em Melbourne, deixando as ruas vazias. A cidade com 5 milhões de pessoas estará confinada durante seis semanas
Israel
Para combater o aumento de casos e evitar voltar ao confinamento, o governo mobilizou 3 mil militares na reserva para fazer rastreio de contactos
Filipinas
Foi imposto novo confinamento de duas semanas a mais de 27 milhões de pessoas em Manila e zonas envolventes, que só podem sair para comprar bens essenciais. Os transportes públicos e voos internos estão suspensos (Expresso, texto do jornalista RAQUEL ALBUQUERQUE)

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