domingo, agosto 16, 2020

Estado só conseguiu recuperar 21% dos créditos tóxicos do BPN

Carteira de crédito do BPN está concentrada em grupos económicos e sob milhares de processos judiciais. Apenas 3% dos empréstimos estão na sua versão original. Até final de 2019, o Estado conseguiu recuperar, através da sociedade Parvalorem, 21% da carteira de crédito que recebeu do Banco Português de Negócios (BPN). Dos quase €4 mil milhões de empréstimos que foram recebidos em 2012 (aquando da venda do BPN ao agora EuroBic), foi recuperado um total de €847 milhões. Uma reduzida parcela foi ajudada pelas obras de arte que foram compradas pelo próprio Estado, incluin­do a coleção de Joan Miró. No entanto, as perspetivas de recuperação futura são limitadas, até porque apenas 2% do crédito concedido estão na sua versão inicial, sem insolvências e sem ações judiciais. “A sociedade manteve uma boa trajetória de recuperação, tendo concretizado no exercício de 2019 uma recuperação total de €63,5 milhões, dos quais €49,9 milhões diretamente decorrentes da carteira de crédito, €9,6 milhões com a atividade imobiliária e €4 milhões em ativos financeiros e obras de arte”, sublinha a presidente da Parvalorem, Sofia Torres, no relatório e contas relativo a 2019.

“Estes níveis de recuperação são influenciados pelos bons resultados obtidos com a atividade imobiliária, com a carteira de dívida titularizada e participações financeiras”, explica o documento sobre o desempenho. Houve anos melhores e nem é preciso recuar muito: em 2017, a Parvalorem recuperou €164 milhões, dinamizada sobretudo pela passagem para o Estado das obras de arte de Miró, que tinham sido recebidas para liquidação de créditos.
Só que, se há algumas recuperações, noutros créditos os juros vão subindo. No final do ano passado, a Parvalorem tinha mais de 5,5 mil devedores de €3,2 mil milhões (mais €400 milhões em juros). O número representa uma descida face aos 8,5 mil devedores que existiam em 2012, quando o BIC adquiriu a parte saudável do BPN e os restantes ativos permaneceram no Estado, mais precisamente na Parvalorem, mas também na Parups e na Parparticipadas. O banco foi nacionalizado em 2008 e a parcela tóxica ficou no Estado em 2012, já que o EuroBic não a quis adquirir.
UM TERÇO PRÉ-INCOBRÁVEL
Há uma concentração relevante dos créditos detidos pela Parvalorem, já que 64% da carteira se encontram em 20 grupos económicos. Em 2019, a sociedade criou uma nova unidade de recuperação de crédito para grandes devedores.
A maior parte está na justiça. Há mais de 7,5 mil processos judiciais em torno destas dívidas. O facto de haver um elevado número de ações associado a um valor baixo de dívida reflete “uma elevada carga administrativa no tratamento de operações de reduzir valor, com custos de recuperação associados elevados e maior dependência dos prazos de justiça”.
Cerca de um terço da carteira de crédito da Parvalorem está classificado como pré-incobrável, “cuja perspetiva de recuperação é muito reduzida”. De resto, há créditos com acordos judiciais, planos de insolvência, processos executivos. Apenas 3% do valor em dívida dos créditos, equivalente a €94 milhões, se encontram na sua versão inicial.
Aliás, essa perspetiva de diminuta recuperação de créditos é visível no balanço da instituição. A grande parcela dos créditos está já coberta por imparidades e a rubrica de outras contas a receber (sobretudo de créditos concedidos) é de €225 milhões.
A situação creditícia reflete-se numa capitalização deficitária da Parvalorem, com capitais próprios negativos de €4 mil milhões, na sua grande maioria devendo-se a um passivo significativo (sobretudo pelo financiamento estatal).
Estes números dizem respeito apenas ao balanço da Parvalorem, que é apresentado separadamente da Parups, onde foram integrados fundos, imóveis e obras de arte, e da Parparticipadas, que ficou com as parcelas referentes a posições em empresas. O Tribunal de Contas estima que os encargos com a nacionalização do BPN ascendam a €6 mil milhões. A administração da Parvalorem acredita que durante o atual mandato devem ser tomadas “as opções estratégicas que possibilitem a concretização de uma solução de estrutura residual que assegure a manutenção do objetivo de maximização do valor de recuperação e minimização de custos”.
NÚMEROS
3%
dos créditos da Parvalorem estão na sua versão original; os restantes estão em discussão na justiça, na insolvência ou em processos de execução
€847
milhões foram recuperados até 2019 (21% do valor inicial), por recuperação de dívida e por vendas de imóveis, obras de arte e outros ativos (Expresso, texto do jornalista DIOGO CAVALEIRO)

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