domingo, agosto 16, 2020

V, W, L, K. Como será a recuperação?

O que é que têm as letras do alfabeto a ver com a recuperação da economia portuguesa depois do embate da pandemia de covid-19? E o símbolo da Nike? À primeira vista, nada. Mas a verdade é que têm marcado presença no debate dos economistas. Depois do trambolhão no segundo trimestre, com o produto interno bruto a sofrer a maior queda da história da democracia portuguesa — a primeira estimativa do Instituto Nacional de Estatística indica uma contração homóloga de 16,5% e à hora de fecho desta edição ainda não é conhecida a segunda estimativa —, a grande questão é a velocidade, e a força, com que a economia vai recuperar. É aqui que entram as letras do alfabeto — e o símbolo da Nike: que formato (ver caixa) poderá ter a retoma? A grande dúvida é se teremos uma crise relativamente curta ou uma recessão mais longa e estrutural.

“Precisamos de mais informação para conseguir avaliar a velocidade de saída da crise”, diz Rui Constantino, economista-chefe do Santander em Portugal, assumindo uma “postura cautelosa”, dado que estamos a ter “uma recuperação lenta” até agora. José Maria Brandão de Brito, economista-chefe do Millennium bcp, aponta no mesmo sentido: “Junho foi ainda muito fraco. Houve uma dinâmica positiva face a maio, mas em parte porque maio foi péssimo. A ideia de uma recuperação rápida está claramente em risco.”
Os dados de junho e julho estão todos melhores face a abril e maio. Contudo, continuam a sinalizar uma recessão
O Expresso analisou diversos indicadores para perceber o que indicam sobre a saída da crise. E a conclusão é de que depois de afundar em abril e permanecer muito fraca em maio, a partir de junho a recuperação ganhou alguma dinâmica, mas ainda é limitada, com a comparação homóloga a manter-se claramente no vermelho. A esperança de um V (queda profunda, seguida de uma retoma muito rápida) começa a desvanecer-se, mas não estamos no pesadelo de um L (economia afunda e fica nesse patamar por um longo período). É aqui que entra o símbolo da Nike, em que, depois de afundar, a atividade melhora progressivamente, mas com a economia a manter-se abaixo do nível pré-pandemia.
As projeções do Banco de Portugal indicam que o PIB começa a recuperar em 2020 (depois de afundar 9,5% este ano), mas não vai regressar ao nível de 2019 pelo menos até 2022, embora chegue lá perto nesse ano (ver gráfico). Rui Constantino aponta na mesma direção: “O PIB, no nosso cenário central, deve retomar os níveis de 2019 em 2023.” Quanto ao NECEP (Católica Lisbon Forecasting Lab), aponta para 2022 ou mais tarde.
O QUE DIZEM OS INDICADORES
“Os dados de alta frequência mensal de julho e junho estão todos melhores face a abril e maio. E, em geral, consistentes com o desconfinamento gradual em curso“, aponta João Borges Assunção, professor da Católica Lisbon School of Business & Economics. Contudo, “o nível dos indicadores continua a sinalizar uma recessão”, alerta.
A informação sobre o andamento da atividade económica no terceiro trimestre é ainda escassa. Começam a surgir os primeiros indicadores sobre o mês de julho, mas são ainda muito poucos. Um deles é a evolução das vendas de veículos automóveis, que continuam a melhorar mas permanecem abaixo do registado na mesma altura do ano passado.
Outro indicador disponível é a confiança dos consumidores, que recuou, após ter recuperado parcialmente em maio e junho. Para esta evolução negativa contribuíram piores perspetivas das famílias sobre a evolução futura da situação económica do país. Ora, “se as famílias acham que a situação económica vai piorar, não vão investir nem fazer grandes compras”, alerta José Maria Brandão de Brito.
Quanto aos dados de junho, indicam um país a várias velocidades, com situa­ções muito diferentes entre os vários sectores de atividade. Uma evolução que sinaliza uma possível retoma em K, com alguns sectores a recuperarem e outros ainda mergulhados na crise.
Do lado positivo, a construção tem passado à margem da crise e na indústria a recuperação ganhou força, ainda que mantendo-se no vermelho na comparação homóloga. Mas nos serviços a história é bem diferente, com o negócio ainda com quedas acentuadas. Sobretudo em atividades ligadas ao comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos e, em particular, ao turismo. O sector, que tem grande peso no emprego em Portugal, vive a situação mais crítica, o que faz soar campainhas de alarme.
Os próximos trimestres serão críticos, mas a partir do final do ano Portugal pode contar com uma ajuda extra vinda do pacote de estímulo europeu e dos programas de incentivo em alguns dos principais parceiros comerciais. Isto, claro, se um W (recuperação ser cortada por um novo afundar da atividade económica devido a uma segunda grande vaga de infeções de covid-19) não estragar a história.
ALFABETO DA RECUPERAÇÃO
RETOMA EM V
Depois de afundar na sequência do confinamento, associado ao combate a pandemia de covid-19, a economia recupera de forma muito rápida, regressando ao nível pré-pandemia
RETOMA EM L
Depois de afundar, a economia permanece nesse patamar, sem recuperação visível, durante um período prolongado
RETOMA SÍMBOLO DA NIKE
Depois de afundar, a atividade melhora progressivamente, mas com a economia a manter-se abaixo do nível pré-pandemia durante alguns anos
RETOMA EM K
Depois de a economia afundar, alguns sectores recuperam rapidamente, mas outros passam ao lado da retoma e permanecem mergulhados na crise
RETOMA EM W
Depois de afundar, a economia começa a recuperar, mas essa retoma é cortada por um novo afundar da atividade económica devido a uma segunda grande vaga de infeções de covid-19 (Expresso, texto da jornalista SÓNIA M. LOURENÇO)

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