sábado, abril 08, 2023

Sondagem: Pouca ou nenhuma fé na Igreja para travar abusos

Só 6% dos inquiridos tem muita confiança de que a Igreja Católica será capaz de tomar as medidas necessárias. É talvez o dado mais impressionante e que mostra como a imagem da Igreja Católica em Portugal sai manchada pela revelação dos abusos sexuais a crianças e adolescentes: a grande maioria dos portugueses (67%) tem “pouca” ou “nenhuma” confiança de que a instituição seja capaz de tomar medidas para impedir novos casos. O valor desce quando a pergunta é feita apenas aos católicos. E desce muito quando se dirige aos “católicos praticantes regulares”, isto é, aos que assistem a serviços religiosos pelo menos uma vez por semana. Neste último subgrupo, há uma maioria expressiva, de 61%, que confia na Igreja para tomar medidas que cortem com o passado revelado no relatório da Comissão Independente para os Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, chamado “Dar voz ao silêncio”. Mas é um resultado em claro contraciclo com o total dos inquiridos.

Os dados são da sondagem ICS-ISCTE para o Expresso e para a SIC, cuja primeira parte, centrada na atuação de figuras e partidos políticos, foi publicada na edição da semana passada. À pergunta “até que ponto tem confiança de que a Igreja será capaz de tomar as medidas necessárias?”, apenas 6% responderam “muita confiança”. Perante os dois terços com “pouca” (33%) ou “nenhuma” (34%), há 24% dos inquiridos com “alguma confiança”.

IDADE E ESCOLARIDADE PESAM

A profissão da fé católica não é o único fator que faz variar a apreciação. Também entre os inquiridos mais velhos e os menos instruídos é visível uma propensão maior para acreditar que a Igreja vai ser capaz de lavar a imagem e evitar um futuro de sombra e silêncio, como o passado agora se revela. Entre os maiores de 65 anos, 41% respondem positivamente à pergunta sobre a confiança na Igreja, o mesmo se passando com 36% de quem tem o 3º ciclo ou menos.

Em qualquer caso, os dados significam que a Igreja está obrigada a virar a página. A reação da hierarquia do clero português às revelações da comissão independente, formada a convite do presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, e que começou a investigar as denúncias em janeiro de 2022, não foi um bom começo. Como o próprio bispo admitiu, em entrevista ao Expresso.

Um em cada quatro católicos acha que se falou “demasiado” dos abusos sexuais por membros da Igreja Católica

“Compreendo e assumo que não fui feliz. Não consegui passar o que levava para dizer”, disse D. José Ornelas, na sequência da conferência de imprensa, em Fátima, em que a CEP reagiu aos resultados do relatório. Nessa altura, Ornelas recusou afastar preventivamente membros do clero que fizessem parte da lista de 100 nomes enviada pela comissão independente à CEP (lista que seguiu também para o Ministério Público). “Não posso tirar uma pessoa do ministério porque chegou alguém que disse ‘Este senhor abusou de alguém’. Quem foi que disse? Em que lugar? Quando?”

Entretanto, e depois da polémica envolvendo declarações semelhantes do Patriarca de Lisboa, cardeal Manuel Clemente, várias dioceses afastaram do ativo padres suspeitos. É o caso de Lisboa, que suspendeu quatro, do Porto, três, ou de Braga e Angra, ambas com dois padres afastados.

JÁ CHEGA?

Há outra pergunta do estudo de opinião, feito entre 11 a 20 de março, em que se nota uma clivagem clara entre católicos e não católicos. “Acha que se falou demasiado do assunto?”

Se olharmos para a amostra total, a resposta é um claro “não” (74%). Se fecharmos o ângulo nos “não católicos”, encontramos apenas 8% que acham que o caso dos abusos sexuais na Igreja foi falado em excesso. Porém, do lado dos crentes, o cenário é outro: 25% de católicos praticantes regulares e 27% de católicos consideram que se tem falado “demasiado” nos abusos. 

Jovens são mais favoráveis ao fim do segredo de confissão quando há abusos, fim do celibato tem apoio transversal

Há categorias da sondagem em que não se registam diferenças significativas entre católicos e não católicos. É o caso, por exemplo, da sugestão de “acabar com a obrigação de celibato dos padres e religiosos”, que colhe 91% de respostas favoráveis e quase transversais. Ou de passar a fazer uma avaliação psicológica de “todos os que queiram ser padres e religiosos”, que recebe 90% de respostas a favor, também transversais. Uma transversalidade que não acontece sempre.

A última pergunta do estudo é sobre o segredo da confissão em caso de abuso de menores. Os jovens dão uma resposta unívoca — “é preciso acabar com o segredo” (94%) —, que vai diminuindo à medida que aumenta a idade (83% nos maiores de 65 anos). E com uma quebra significativa nos praticantes regulares, em que 77% apoiam o fim do segredo de confissão. É, ainda assim, uma larga maioria. Mas está bem longe dos 89% entre os “outros católicos” e dos 93% de não católicos.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 11 e 20 de março de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 Regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 84 pontos de amostragem, onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2787 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 807 entrevistas válidas (taxa de resposta de 29%, taxa de cooperação de 40%). O trabalho de campo foi realizado por 35 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação, de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 807 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto do jornalista JOÃO DIOGO CORREIA e infografia de SOFIA MIGUEL ROSA)

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