domingo, abril 02, 2023

Sondagem: Montenegro resiste a afastar-se de vez de Ventura

Sob o pretexto de que não é “um partido de fogachos e repentismos” — por oposição (implícita) ao Chega —, o PSD vai protelando uma demarcação definitiva em relação ao partido de André Ventura. A sondagem que o Expresso publica esta semana mostra que enquanto o PS perde terreno, o Chega cresce de forma mais significativa do que os sociais-democratas. Hugo Soares, secretário-geral do PSD, desvaloriza: “Não se pode fazer essa extrapolação de forma evidente”, diz ao Expresso, sublinhando que “os partidos da extrema-esquerda estão a perder eleitorado”. Ou seja, a direção social-democrata reconhece haver “uma perda direta de eleitorado de alguns partidos para o Chega”, mas tal “não significa que esse eleitorado seja o moderado”. O PSD vai insistindo no facto de que, desde que a atual direção de Luís Montenegro iniciou funções, o partido “subiu sempre e consistentemente”. Mas essa subida é lenta, sobretudo quando comparada com a do Chega. “Chamo-lhe uma subida sustentada”, contemporiza Hugo Soares.

A manter-se o calendário eleitoral, as legislativas serão só daqui a três anos e meio, pelo que os próximos embates eleitorais são as regionais da Madeira, já este outono, e as europeias, em maio do próximo ano. Sobre as primeiras, a direção do PSD não esconde que o objetivo é ganhar com maioria absoluta. Sobre as europeias, não revela o jogo quanto a potenciais cabeças de lista, ainda que reconheça a importância da refrega. Aliás, o partido deu esta semana dois sinais da relevância que lhe atribui. Questionado sobre a meta eleitoral para as europeias, Montenegro disse o óbvio, mas depois foi um pouco mais além. “Queremos ter mais votos do que qualquer outro partido”, afirmou num primeiro momento, acrescentando em seguida: “Se forem resultados que abram a esperança de o PSD ganhar eleições legislativas — que é para isso que aqui estou e para ser primeiro-ministro —, eu prossigo. Se isso não acontecer, nessa altura os portugueses não precisarão — e muito menos os militantes do PSD — de me dizer o que devo fazer, porque sei muitíssimo bem o que devo fazer.” Eleito para dois anos, Montenegro terá de se submeter novamente a eleições internas em ano de europeias. Com estas declarações na Suíça, no final de um périplo junto de comunidades portuguesas em vários países europeus, deixou implícito que não será recandidato à liderança do partido se os resultados ficarem aquém.

O CHEFE DE GABINETE QUE VEIO DE BRUXELAS

O outro sinal de que as europeias são decisivas para a atual direção foi o convite feito a Pedro Esteves, há mais de uma década assessor do eurodeputado Paulo Rangel em Bruxelas, para chefe de gabinete de Montenegro. Ao que o Expresso apurou, a transferência para Lisboa acontecerá “no início de maio”, a um ano das europeias. Na São Caetano à Lapa, Pedro Esteves é visto como “uma mais-valia”, que “conhece bem os corredores e a máquina de Bruxelas, o funcionamento do Parlamento Europeu e também o partido e a sua estrutura”. Por outras palavras, parece relativamente consensual ser o homem certo para ajudar a olear a máquina para as europeias e outras eleições futuras.

Quanto ao resto, reina o silêncio sobre os nomes equacionados para cabeça de lista. “Tudo o que tem vindo nos jornais sobre europeias é manifesta e pura especulação”, diz Hugo Soares. Já se escreveu sobre o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, o presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, e o antigo primeiro-ministro Passos Coelho. “Rui Moreira não preenche tudo porque é muito regionalista. Miguel Albuquerque tem muita experiência porque lida diretamente com a Europa, sendo presidente de uma região ultraperiférica. Mas Passos seria um péssimo nome porque significaria queimar uma figura de perfil executivo e que tanto se pode candidatar a São Bento como a Belém”, atalham fontes sociais-democratas.

DESFAZER O TABU SÓ “QUANDO FOR O TEMPO”

A pedra na engrenagem continua a ser o Chega que, ao que tudo indica, passará a estar representado no Parlamento Europeu (a incógnita é, na verdade, quantos eurodeputados conseguirá eleger). No plano nacional, o PSD voltou esta semana a ensaiar uma descolagem do partido de Ventura sem, no entanto, afastar de vez a possibilidade de entendimentos futuros.

Após o ataque que na terça-feira matou duas mulheres no Centro Ismaili de Lisboa, o líder do Chega apressou-se a dizer que “o sangue destas vítimas está nas mãos do Governo de António Costa”. Margarida Balseiro Lopes, vice-presidente do PSD, acusou Ventura de “acicatar ódios e de forma oportunista fazer política com a desgraça alheia”, rematando, no Twitter, com um “miserável”. Ao final do dia, Hugo Soares esteve num frente a frente com Ventura, na CNN, e traçou uma linha de demarcação: “O que nos distingue é que eu sou incapaz de usar a tragédia humana para ganhar um voto.”

“A linha vermelha que separa o PSD do Chega é o oportunismo e a decência”, insiste ao Expresso o secretário-geral do PSD. Hugo Soares rejeita haver qualquer “ambiguidade” na direção atual relativamente ao Chega, partido que continua a ser necessário a uma maioria de direita, como mostra a intenção de voto nestas páginas. Mas concede: “Se dúvidas houver, o presidente do PSD já disse que vai deixar muito claro, quando for o tempo de o fazer, como pretende governar.” Mesmo com demarcações pontuais, Montenegro continua a recusar-se a desfazer o tabu (Expresso, texto do jornalista Helder Lima)

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