domingo, abril 02, 2023

PS receia danos eleitorais futuros

O Governo de maioria absoluta socialista fez esta semana um ano, mas os quase oito anos de governação que António Costa leva na bagagem — em cima de uma crise inflacionista — notam-se nas ruas e nas intenções de voto. De acordo com a sondagem feita pelo ICS-ISCTE para o Expresso e a SIC, com recolha de dados em meados de março, a maioria absoluta socialista nunca esteve tão mal aos olhos dos portugueses, registando uma queda de 7 pontos percentuais face ao barómetro de dezembro. “Nada que não esteja em linha com o que já sabíamos”, comenta um destacado dirigente socialista, que recorda que a anterior sondagem tinha sido realizada antes da grande crise do final do ano, o que leva a crer que os números ainda fazem eco desses meses horribilis.

A tendência de fuga do eleitorado socialista para o buraco negro dos “indecisos” está identificada no Largo do Rato e levou já, como o Expresso escreveu, à contratação do especialista da comunicação política Luís Paixão Martins para estudar o que está a afastar os votantes socialistas, e para identificar o que os trará de volta. A quatro anos de nova ida às urnas, os socialistas não desvalorizam os números, mas também sabem que a maioria que sustenta o Governo lhes dá o conforto do tempo para recuperar. Nada deitará o overno abaixo, nem a pior das sondagens, uma vez que só o Presidente da República o pode fazer nos termos da Constituição. Marcelo tem dito que estará atento às eleições europeias, mas sobretudo ao teste da execução do PRR (ver caixa), mas também vai dizendo que o cenário de dissolução lhe parece improvável — a não ser que aconteça algo “patológico”.

AINDA PASSOS VERSUS COSTA

Com a contestação social a aumentar (muito audível ontem durante a conferência de imprensa sobre as medidas para a Habitação), mas ainda longe de estar “generalizada”, segundo Marcelo, o Governo tem tentado recorrer a um antídoto para se manter à tona: recuperar a iniciativa, manter os apoios e sair mais à rua, com os ministros com ordens expressas para andar no terreno, ora no roadshow do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ora nos Conselhos de Ministros descentralizados, que já foram de Castelo Branco ao Algarve e a Setúbal. Tudo isto combinado com um mantra que Costa chamou a si em 2015, por uma questão de limpeza da imagem socialista, e que não mais largou: o rigor das contas públicas.

Fernando Medina tem sido o arauto dessa política, o que lhe tem valido algumas críticas em surdina, sobretudo quando aparece publicamente a defender os bons resultados da economia portuguesa ao mesmo tempo que os portugueses continuam com a corda ao pescoço pela subida das taxas de juro nos créditos à habitação ou pelo disparar dos preços, bem acima das atualizações salariais. “Há uma certa dissociação” entre o discurso do Governo e o sentimento dos portugueses, nota um deputado socialista, que alerta para o perigo de esse fosso se alastrar. Quem o disse publicamente foi mesmo um membro do Governo, o ministro da Economia, que fez uso do seu estatuto de “pessoa independente” que “diz sempre o que pensa” para admitir, em entrevista ao “DN”/TSF: “Temos uma melhoria significativa da economia mas que ainda não chegou ao bolso dos portugueses pelo impacto da inflação.”

A frase “o país está melhor, a vida das pessoas é que não” ficou célebre por ter sido dita por Luís Montenegro em 2014, na altura líder parlamentar de Passos Coelho, e tem voltado a pairar como o “diabo” em cima dos socialistas. A comparação é evidente e António Costa tem carregado nas tintas para vincar as diferenças. “À incerteza da guerra, o Governo responde com a certeza de que irá cumprir a Constituição”, disse esta semana no encerramento das jornadas parlamentares do PS, lembrando os tempos da troika em que as medidas do Governo PSD/CDS batiam sistematicamente na trave. “Virámos a página da austeridade e o diabo não veio”, insistiu o primeiro-ministro. A “insensibilidade social” é uma linha vermelha que os socialistas temem que o Governo pise — sob pena de os estragos serem irreversíveis.

PARA PORTUGUÊS VER

A notícia do défice muito mais baixo do que o esperado podia ser, por isso, um problema. Daí que o primeiro-ministro se tenha apressado a dizer que a notícia não seria essa mas sim “os apoios” sociais que o Governo se preparava para aprovar — tanto ao nível do aumento salarial na função pública e no subsídio de refeição, como ao nível dos €30 mensais para famílias vulneráveis, como do IVA zero para certos alimentos essenciais, que a oposição duvida se concretize de facto numa baixa dos preços. No PS ninguém esconde que esta medida que o Governo sempre rejeitou surge mais para inglês ver do que propriamente para português sentir; em todo o caso, a perceção que fica é a de que o Executivo está a fazer qualquer coisa para baixar os preços, e, se não correr bem, a pressão assentará toda nos ombros da grande distribuição. O mesmo na habitação, com Costa a cantar “vitória” por ter sido o Governo a trazer o tema para a agenda mediática. O objetivo é combinar apoios para quem mais precisa com apoios transversais a outros segmentos da população — aqueles que o PS está a ver fugir. “A solidariedade também é uma escolha, é dinheiro que não usamos noutro lado”, nota ao Expresso fonte socialista.

Alguns setores do partido continuam a achar insuficiente e a temer o impacto eleitoral da crise no longo prazo. “A redistribuição tem de assentar menos numa lógica assistencialista e mais num aumento real dos salários”, escreve esta semana no Expresso a deputada e ex-ministra Alexandra Leitão. Certo é que a ideia de fim de ciclo é comentada na bancada socialista, mas com um parênteses. A “arte e o engenho” de António Costa não são de subestimar. Até 2026 para que lado vão as sondagens?

COABITAÇÃO VISITA AVEIRO E VISEU

Depois das declarações de amizade e boa relação institucional do primeiro-ministro e do Presidente da República nas Caraíbas no fim de semana, a coabitação volta a estar em teste esta sexta-feira, com a visita de Marcelo Rebelo de Sousa a obras no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O dia começa na Universidade de Aveiro pelas 10h, mas depois concentra-se no distrito de Viseu, com o Presidente, acompanhado pelo Governo, a visitar obras na cidade e também a ir a uma empresa em Mangualde e a uma associação recreativa no concelho de Tondela. O objetivo é mostrar eixos diferentes da aplicação do PRR, da inovação à economia, da habitação ao apoio social. A aplicação do PRR, e dos restantes programas de fundos, foi esta semana o tema central da reunião do Conselho de Estado, que teve a presença da comissária Elisa Ferreira. Na reunião, como se lê no comunicado, foi “reconhecida a importância dos fundos europeus no desenvolvimento da economia europeia e portuguesa, que ocorre num contexto único e irrepetível, pelo que é imprescindível que todos os intervenientes -—Estado, sector social, empresas, sociedade civil, cidadãos — se empenhem para que a mais completa execução dos montantes atribuídos se concretize, a pensar em todos os portugueses” (Expresso, texto da jornalista EUNICE LOURENÇO)

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