domingo, dezembro 12, 2021

Salgado: Pensão e pinturas vão pagar coima de €3,7 milhões



A ordem de execução que leva a penhora de bens foi dada. Parte de ativos sob arresto vão pagar sanção do Banco de Portugal. A lista é extensa. A pensão de reforma, várias pinturas, moradias e contas bancárias: o Ministério Público deu ordem para que sejam executados 3,7 milhões de euros a Ricardo Salgado, o banqueiro que durante mais de 20 anos presidiu ao Banco Espírito Santo, de acordo com informações obtidas pelo Expresso. Dos vários casos, criminais e administrativos, que correm contra o banqueiro, este foi o primeiro a transitar em julgado e como tal o primeiro a chegar à fase em que Salgado será obrigado a pagar coimas. O cerco acaba de se fechar. O objetivo da execução é obter bens para saldar a coima imposta pelo Banco de Portugal na contraordenação levantada por falhas no desempenho na função de banqueiro. Salgado é visado, entre outros, por atos de gestão ruinosa e por falhas na implementação de sistemas de gestão de risco na colocação do papel comercial emitido por sociedades do Grupo Espírito Santo colocado em clientes do BES.

Ao Novo Banco, agente pagador da pensão, e à GNB, sociedade gestora de fundos de pensões, chegaram, no final de novembro, cartas saídas do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, ordenando a penhora da pensão do antigo banqueiro (que segundo a imprensa rondava os 39 mil euros mensais e já estava parcialmente arrestada à guarda da Justiça), bem como o bloqueio das suas contas bancárias no valor correspondente ao que é devido em coimas.

Para conseguir o dinheiro devido por Ricardo Salgado, o Ministério Público que funciona junto do TCRS lançou mão a vários instrumentos: “Saldos bancários, títulos de crédito, participações sociais e quaisquer outros ativos financeiros, bem como bens imóveis e móveis, sujeitos ou não a registo, salários, reformas ou pensões auferidas (com os legais limites), situados ou obtidos em território nacional ou no estrangeiro, ainda que penhorados ou arrestados, suficientes para o pagamento da dívida exequenda e seu acrescido”, lê-se na ordem de execução a que o Expresso teve acesso.

Coima de €3,7 milhões é a primeira aplicada pelo Banco de Portugal, mas sanções podem ir aos €8 milhões

A ordem de execução apanha a maioria dos bens publicamente ligados a Salgado já arrestados preventivamente por requerimento do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), validado pelo juiz de instrução do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Carlos Alexandre, ao abrigo do megaprocesso do Universo Espírito Santo, em que Salgado é acusado de 65 crimes. Mas estando os bens arrestados preventivamente num processo, como é possível executá-los? Isso mesmo questionou o Novo Banco, em resposta ao tribunal, pedindo orientações sobre como proceder.

Apesar de na decisão do TCRS se ler que “nada obsta ao prosseguimento da execução para cobrança da quantia de exequenda”, a verdade é que o arresto preventivo dos bens no processo-crime pode atrasar esta execução. Ao que o Expresso apurou, uma das vias poderá ser o procurador responsável por este caso, agora transitado em julgado, pedir ao DCIAP o levantamento de parte do arresto do processo-crime, para que possa já ser executado o valor de 3,7 milhões de euros.

SALGADO PERDE DE QUALQUER FORMA

Na prática, é como se um tribunal tivesse chegado primeiro aos bens de Salgado, congelou-os (arresto) e aguarda pelo resultado do processo para que, caso dê em condenação e resulte no pagamento de indemnização, haja bens que possam ser utilizados para pagar a eventuais lesados do BES; e o segundo tribunal, apesar de ser já uma sentença transitada em julgado, tem de esperar pela autorização do primeiro para o pagamento da coima ao regulador.

Esta será, no entanto, uma quantia que será sempre paga pelos bens de Salgado — e bastante inferior aos milhares de milhões de bens arrestados — , se não for de imediato, porque não foi levantada a parte do arresto que permitia o pagamento, será depois caso sobrem bens no final. Acresce que não se sabe o resultado do processo-crime nem sequer se o juiz Ivo Rosa — que entretanto ficou com a instrução do processo em exclusivo — decide manter o arresto na totalidade, como está.

No extenso rol de bens de Ricardo Salgado que o MP quer executar para pagar a coima (verba que será entregue ao Estado, e não ao supervisor) estão pinturas de Stephen J.Renard ou Thomas Ruff, que não estão avaliadas. Na verdade, estes quadros constam também da lista dos já arrestados preventivamente à guarda do Universo Espírito Santo e que precisam ainda de avaliação.

O fiel depositário dos bens arrestados — e agora executados — será Ricardo Salgado, apesar do que aconteceu com João Rendeiro, outro banqueiro condenado pela Justiça, que tinha obras de arte à guarda da mulher que desapareceram, foram vendidas ou falsificadas.

Até aqui, o antigo banqueiro alegava insuficiência económica para não efetuar o pagamento, por ter os seus bens arrestados. A defesa de Salgado – que não quis fazer comentários – tentara já que a caução apresentada nos processos-crime, já gasta para evitar a prisão, pagasse as coimas, mas não foi bem sucedida. Agora, é certo que fica sem alguns bens para perfazer esta soma de 3,7 milhões, que resulta do primeiro processo da autoridade bancária a transitar em julgado. Os restantes processos podem levar a coimas aos 8 milhões (só no Banco de Portugal) (Expresso, texto dos jornalistas Diogo Cavaleiro, Liliana Valente e Rui Gustavo)

Sem comentários: