segunda-feira, dezembro 27, 2021

Covid-19. Tendencialmente, as novas variantes dos vírus são mais transmissíveis, mas menos letais. Porquê?

Isto é sobre a Ómicron, mas é também sobre todos os outros vírus. A literatura e a experiência dizem que os vírus “aprendem” com o tempo a conviver com o seu hospedeiro. Se o matam, morrem também. Chama-se Ómicron a última variante mais relevante de uma linhagem com mais de 1.500 outras conhecidas do SARS-CoV-2. Foi batizada pela Organização Mundial de Saúde a 26 de novembro. E não bastou um mês para colocar em causa o destravar de medidas que o mundo tinha em marcha. Pelo que se sabe até agora, esta estirpe é bastante mais transmissível do que as anteriores. Entra mais rapidamente nas células humanas, reproduzindo-se e propagando-se de pessoa em pessoa a um ritmo nunca antes visto para este vírus.

E se era discutível até que ponto a Ómicron causaria doença mais ou menos grave que a variante Delta, dois recentes estudos citados pelo The New York Times, do Instituto de Saúde Pública da Escócia e do Imperial College, de Londres, provaram esta quarta-feira que as hospitalizações baixam até 45% em infetados com esta variante - uma redução de dois terços por comparação com à variante delta. A Ómicron é mais transmissível e aparentemente menos letal que as anteriores, o que a encaixa por completo no que se espera da evolução natural de um vírus até se tornar endémico na sociedade.

“O VÍRUS É TANTO MAIS EFICAZ QUANTO MENOS NOS MATAR”

Os vírus estão sempre a mutar. Cada replicação pode acarretar consigo “erros” no pequeno genoma, dos quais alguns, em zonas importantes, geram, ao acaso, elementos mais aptos.

São seres tão simples que a comunidade científica ainda não decidiu se lhes há-de chamar seres. Não têm, na verdade, vida própria. Vivem, mas agarrados a outros seres mais complexos seus hospedeiros - como nós.

Por acaso e em harmonia: eis como se formam as variantes dos vírus

Entre as mutações dos vírus, são muitas as que introduzem pouca ou nenhuma diferença na sua habilidade de entrar nas nossas células e de reproduzir-se. Mas uma vez que ele se altera ao acaso, algumas dessas “inovações”, em zonas importantes, acabam a torná-lo mais “habilidoso”.

Há aquelas que o convertem num vírus mais apto a causar doença grave, mais letal. E essas variantes, naturalmente, são as que se findam mais rapidamente. Como no caso do vírus do ébola, grave e muitas vezes fatal, causador de epidemias “rápidas”. Uma vez que o vírus precisa do hospedeiro para viver, se o matar, morre também. Passa a ser cada menor a sua capacidade de reprodução.

“As variantes persistem mais e com mais sucesso se tiverem mais pessoas a tê-las”, refere ainda a investigadora. Tanto que existe na ciência a teoria de que, com o tempo, os vírus tendem a manter uma relação mais harmoniosa com os seus hospedeiros - infectam-nos com maior facilidade e rapidez mas sem lhes provocarem doença tão grave. Vivem permitindo-lhes viver também, num caminho para irem eliminando as hipóteses de serem eliminados.

No entanto, como disse a geneticista Emma Hodcroft ao Financial Times, “os vírus estão sempre à procura da sua próxima casa”. Vezes há em que, ao acaso, surge uma variante simultaneamente mais transmissível e mais letal. É com essas que mais nos devemos preocupar.

“O recorde de casos será batido pela Ómicron”: variante representará 30% das infeções até domingo e será dominante no Natal em Portugal. Por enquanto a Ómicron já deu respostas para duas das três perguntas mais importantes no momento em que surge uma nova variante. É mais transmissível? É mais letal? Gera resistência às vacinas? Para esta última, não há dados robustos. Apesar de se saber que é necessário um maior número de anticorpos para neutralizar a nova variante, a OMS e o regulador europeu do medicamento consideram, à data, que as vacinas aprovadas para a covid-19 continuam eficazes contra a doença grave, hospitalizações e morte.

Também se sabe que, ao contrário do cenário enfrentado pelo vírus antes do lançamento de qualquer fármaco, um “cenário imunológico simples”, no qual quase todos eram suscetíveis, agora, com uma cobertura global da primeira dose de mais de 53%, o próximo movimento do vírus não terá a transmissibilidade como vitória tão fácil. O que parece certo, entre a comunidade científica, é não haver forma de travar as possíveis “novas vidas” do vírus a não ser com uma vacinação massiva mundial. E essa ainda está longe de se cumprir (Expresso, texto da jornalista Joana Ascensão)

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