segunda-feira, dezembro 27, 2021

Eleitores-fantasma: “Grande desvio dificulta leitura dos níveis de participação”

Importa fazer uma distinção conceptual. Na aceção mais comum do termo, os eleitores-fantasma referem-se à permanência nos cadernos eleitorais de registos de pessoas já falecidas devido a inércia administrativa. Uma versão mais abrangente do termo pode incidir também sobre eleitores emigrados, isto é, pes­soas que já não residem habitual­mente em Portugal (logo, estão fora das estimativas do INE) mas que conservam o seu recensea­mento eleitoral por cá. Estes eleitores são diferentes dos eleitores-fantasma ‘clássicos’, desde logo porque podem votar se se deslocarem a Portugal.

Como tem sido a evolução do número de eleitores-fantasma?

Foram dados passos importantes no sentido da resolução do problema em meados da década de 90 e especialmente numa reforma administrativa de 2008. Essa reforma foi eficiente a lidar com os óbitos, mas menos com a emigração, que é um problema mais complicado. A melhor explicação para a discrepância estará hoje justamente na emigração, mais do que nas mortes não atua­lizadas nos cadernos eleitorais. Tinha a expectativa de que a Lei nº 47/2018, de 13 de agosto, que alterou o Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral, levasse a um aumento muito pronunciado do número de recenseados no estrangeiro, ao mesmo tempo que reduziria substancialmente o número de inscrições em território nacional. Contudo, apesar de a primeira expectativa se ter concretizado, a segunda expectativa não se verificou até hoje.

A presença de eleitores-fantasma nos cadernos eleitorais é insanável? E quais as consequências?

Dificilmente deixará de haver desvios entre residentes e inscritos nos cadernos eleitorais. O que está em causa em Portugal é a grande magnitude do desvio, que dificulta a leitura e a interpretação dos níveis de participação e abstenção. Se medirmos a participação eleitoral em função da estimativa de residentes, e não de recenseados, obtemos um valor praticamente 10 pontos percentuais mais elevado. Isto importa, porque as perceções de valores como 55% e 65% de participação eleitoral, por exemplo, são distintas. Em todo o caso, temos de pensar se o rigor estatístico deve ser o único fator a ter em conta. Medidas muito apertadas de controlo dos cadernos eleitorais podem ter efeitos perversos, impedindo pessoas de votar, o que seria um atentado a um direito fundamental de participação democrática. Não julgo que as consequências sejam muito substanciais, mas, ainda assim, podem existir. A implicação mais plausível diria respeito à existência de uma assimetria territorial no desvio entre recenseados e população efetivamente residente. O número de deputados atribuídos a cada círculo eleitoral varia em função do número de eleitores recensea­dos. Supondo que há um dado círculo eleitoral com um número muito maior de recenseados do que de residentes, isso significará um maior número de deputados atribuídos a esse círculo eleitoral em comparação com outros. É teoricamente possível que uma diferença de apenas um deputado possa alterar as perspetivas de eleição de um dado partido (Expresso)

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