Assente a poeira após a aprovação do plano de reestruturação pela Comissão Europeia, há novos avanços na sua execução na reta final do ano. O Estado vai tornar-se esta semana dono de 100% da TAP SA. Um passo a dar com o aumento de capital de €1,7 mil milhões — valor que se soma aos €1,2 mil milhões injetados em 2020 e aos €536 milhões que entram nas contas nos últimos dias de dezembro. Em dois anos, a TAP recebe de ajudas do Estado €2,198 mil milhões — a fatia de leão dos apoios públicos a empresas para mitigar danos provocados pela covid.
A TAP SGPS e o acionista privado Humberto Pedrosa deixam de ser acionistas da TAP SA, ficando apenas na holding, onde, para já, permanecem a Portugália, a Manutenção & Engenharia (M&E) Brasil, a Groundforce e a Cateringpor — as três últimas até serem vendidas. Começa a traçar-se ainda este ano o caminho que separará TAP SA e TAP SGPS. E que, admitem fontes do sector, culminará com a insolvência da TAP SGPS, para onde têm estado a ser canalizadas as imparidades e contingências da operação no Brasil, cujo impacto nos últimos 20 anos foi de mais de €900 milhões de prejuízos. No fim do processo haverá uma espécie de TAP boa, onde estará o negócio da aviação (TAP SA e Portugália), e uma TAP má, onde irão ficar os danos colaterais do Brasil. O Ministério das Finanças não faz comentários sobre o futuro da TAP SGPS e afirma que a passagem da Portugália para a TAP SA não acontecerá já.
O IMBRÓGLIO BRASIL
A venda da Manutenção e Engenharia Brasil, negociada com Bruxelas, é um dos maiores desafios que a TAP e o Governo terão de enfrentar, envolvendo manobras diplomáticas. Responsável por parte significativa dos prejuízos da TAP SA, a ex-Varig Engenharia e Manutenção foi também, segundo fontes conhecedoras do negócio, o que permitiu à TAP crescer no Brasil, tornando-se o seu maior trunfo. Dar acesso à TAP a slots e a rotas relevantes no Brasil foi uma espécie de prémio pela salvação de parte da estatal brasileira Varig quando o negócio se fez.
O Governo e a TAP tudo farão para evitar uma falência descontrolada da M&E Brasil, até porque poderia ser desastroso, provocaria certamente uma longa batalha judicial e poderia desencadear retaliações por parte do Governo brasileiro, pondo em risco este mercado. O ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já admitiu que a saída do Brasil iria ter custos elevados para a TAP. Quanto? Ninguém sabe, mas será sempre na casa das centenas de milhões de euros. Só em 2020 foi reconhecida uma perda por imparidades relativas à subsidiária do Brasil de €113 milhões, e parte são contingências legais associadas a trabalhadores. A M&E Brasil tem mais de 600 trabalhadores, pelo que despedi-los será penoso e caro.
Apesar de a TAP nunca ter conseguido vender a M&E Brasil, nos anos que se seguiram à privatização houve demonstrações de interesse. A Airbus, sabe o Expresso, chegou a olhar para a unidade do Brasil. E a chinesa HNA, quando se preparava para se tornar um acionista de referência da TAP, colocou a hipótese de a comprar. O caminho da venda será o mais simples, mas acredita-se que só será possível se o Estado assumir contingências futuras com trabalhadores. Um preço a pagar para manter as portas abertas no mercado brasileiro, onde a TAP tem vindo a perder exclusividade. As brasileiras LATAM e Azul, de David Neeleman, já voam para Lisboa.
Mais fácil de executar será, acredita-se, a venda da Groundforce e da Cateringpor. Nas mãos dos gestores de insolvência, o processo da Groundforce encaminha-se para que, através de um aumento de capital, a participação de 51% de Alfredo Casimiro — cujas relações com a TAP e o Governo se deterioraram — seja diluída. Em seguida, a empresa de handling (assistência aos aeroportos) será vendida a um dos grandes operadores europeus — a belga Aviapartners e a Swissport são potencias candidatos.
Sobre o futuro da Cateringpor, onde a TAP detém 51% do capital e há um parceiro alemão, não há para já notícias. No final de 2020, a empresa tinha 539 trabalhadores, mas chegou a ter mil.
PORTUGÁLIA, UM CASO À PARTE
Uma história diferente é a da Portugália (PGA), que no futuro, e por determinação de Bruxelas, passará da TAP SGPS para a TAP SA, na separação dos negócios da aviação face aos outros. De que forma, ainda não é público. Mas o Expresso sabe que está a ser estudada a hipótese de a PGA ser alvo de uma doação em pagamento da TAP SPGS à TAP SA, que tem um crédito sobre a holding de cerca de €800 milhões. A entrega da Portugália à TAP SA poderá assim ajudar a abater a dívida da holding e a melhorar as contas da nova TAP.
Apesar da hecatombe que tem estado a atingir as companhias aéreas, com destaque para a TAP, a Portugália tem escapado praticamente ilesa — houve cortes de 25% nos salários, mas ninguém foi despedido e houve até contratações, nomeadamente de pilotos, que passaram de 150 para 220. Pedro Nuno Santos tem aliás sublinhado a importância da PGA para o futuro da TAP. 2022 será mais um ano desafiante para o sector da aviação. E para a TAP um momento de arrumar a casa.
NÚMEROS
2,198 mil milhões de euros é o valor do apoio público à TAP desde 2020, dos quais cerca de €640 milhões ao abrigo dos danos provocados pela covid-19
2,55 mil milhões de euros é o valor que a Comissão Europeia autorizou o Governo português a injetar na TAP como auxílios de Estado (Expresso, texto da jornalista ANABELA CAMPOS)
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