quinta-feira, dezembro 30, 2021

Sondagem: Vantagem socialista reduz-se e Rio capitaliza em eleitores sem partido. Mas, no fim, pode ficar tudo na mesma


A um mês das eleições legislativas, são cada vez mais os sinais de imprevisibilidade, revela a sondagem realizada pelo ISCTE/ICS para o Expresso e a SIC. Olhando para os dados, há um copo meio cheio para António Costa: os socialistas têm sete pontos de vantagem sobre o PSD, as intenções de voto no PS estão acima do resultado das eleições de 2019 e a maioria dos votos está ainda nos partidos à esquerda (44% vs. 51%). Se os resultados de 30 de janeiro fossem estes, os socialistas conseguiriam formar Governo, podendo tentar negociar um acordo de governação com PCP, Bloco ou PSD (os votos do PAN dificilmente seriam suficientes para fazer uma maioria).

Porém, olhando para a tendência, o copo parece meio vazio para os socialistas. Não só o PS partia quase do mesmo ponto onde está hoje — sem maioria e precisando de apoio para os orçamentos —, como perde gás face à sondagem de novembro: tem menos dois pontos face ao inquérito de novembro, vendo o PSD de Rui Rio a subir cinco pontos após as diretas (estando três pontos acima do resultado de 2019). A diferença encolheu, assim, para metade em apenas um mês, tornando o resultado final mais imprevisível. Mais, a direita está agora a sete pontos das intenções de voto nas esquerdas — se somarmos os 2% do PAN. A maioria da ‘geringonça’, assim, encolheu, e muito: a vantagem era de 19,9 pontos nas últimas legislativas e de 19 pontos na sondagem de novembro de 2020.

A contribuir para este estreitar da margem da esquerda notam-se, sobretudo, os resultados mais fracos do Bloco. Ao contrário da CDU de Jerónimo de Sousa (estável nos 6%), o partido liderado por Catarina Martins cai de forma clara para os 5%, muito abaixo dos 9,5% registados nas legislativas de 2019. A perda era já notória na primeira sondagem pós-chumbo do Orçamento, sendo agora confirmada como tendência — e pode ser aproveitada pelos socialistas, que continuam um pouco acima do resultado das últimas eleições. Quanto ao PAN, também está abaixo dos resultados de há dois anos, mas a sua ligeira quebra está dentro da margem de erro — e já vem de trás.

MOBILIZAÇÃO À DIREITA

À direita, todos sobem. O agora pequeno CDS cresce um ponto face a novembro (embora esteja dois pontos abaixo de 2019), o Iniciativa Liberal atinge os 4%. Só o Chega perde três pontos, ainda que permaneça indiscutivelmente acima do que conseguiu na sua primeira eleição. A descida de três pontos pode, em parte, justificar-se com alguma deslocação de voto para os sociais-democratas (que ganham cinco pontos, precisamente o que perdem Chega e PS). Um fôlego para Rui Rio aproveitar, agora que o país está prestes a entrar nas quinzenas de debates e depois da campanha de estrada.

De resto, se quisermos comparar os pontos de partida das duas eleições, os dados da última sondagem Expresso/SIC feita antes das legislativas de 2019 são ainda mais animadores para Rio: é que em setembro desse ano o PSD tinha uma desvantagem muito superior, de 19 pontos, que acabou por encolher para metade. Uma recuperação desta dimensão (imprevisível nesta altura) poderia ainda dar uma vitória ao PSD. Impossível? A recuperação de Carlos Moedas nos últimos dias das autárquicas e os sinais de alguma (des)mobilização de votantes podem dar ainda algum alento ao líder social-democrata.

Separando os dados entre eleitores com e sem simpatia partidária assumida, percebemos que António Costa mantém, entre os que a assumem, um voto fiel: 40% dos votos brutos registados, mais um ponto do que há dois anos. Ao invés, os eleitores sem simpatia partidária só lhe entregam 11% dos votos, menos cinco pontos do que antes. Já Rui Rio recupera sete pontos entre os fiéis (26%) e ultrapassa Costa entre os não-partidários (20%, mais 11 do que em 2019).

Para juntar mais imprevisibilidade ao resultado, atente ao crescente número de eleitores indecisos: são mais 14 pontos percentuais face à sondagem que foi realizada a um mês das últimas legislativas — 38% dos eleitores sem partido preferido.

CRISE PESA

A tudo isto juntam-se os efeitos destes dois anos de pandemia, que podem pesar sobretudo sobre quem governa. Primeiro exemplo: a maioria dos inquiridos considera que a situação da economia em Portugal piorou (53%) ou que piorou muito (10%) no último ano — um aumento muito expressivo de 37 pontos face ao registo pré-pandemia.

Segundo exemplo: 56% dos inquiridos consideram que a qualidade dos serviços públicos de saúde piorou no último ano, 11 pontos acima de há dois anos. E mais um: a perceção de que a corrupção aumentou é enorme, acima de 70%, sendo uma área onde as opiniões negativas se acentuaram face a setembro de 2019 — mais 13 pontos percentuais.

A favor de António Costa corre, ainda assim, a avaliação do desempenho geral do atual Governo. Em relação a setembro de 2019, as avalia­ções de “Bom” estão acima em dois pontos percentuais, ao passo que as avaliações de “Mau” cresceram três pontos percentuais. O equilíbrio passa a vantagem, mesmo assim, porque se nota uma recuperação de oito pontos nas avaliações positivas face a novembro passado, o que permite recuperar um saldo positivo.

Hoje, 50% dos portugueses dão um voto positivo global à governação. Será suficiente para uma vitória?

FICHA TÉCNICA

Este relatório baseia-se numa sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 10 e 20 de dezembro de 2021. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (quatro grupos), Instrução (três grupos), Região (cinco regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (cinco grupos). A partir de uma matriz inicial de Região e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 103 pontos de amostragem, onde se iniciaram caminhos aleatórios para a seleção de domicílios em que foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram realizadas 3538 tentativas de contacto, das quais se apurou que 259 correspondiam a situações não-elegíveis. Foram obtidas 901 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa de cooperação de 38%). O trabalho de campo foi realizado por 39 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação, de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses residentes no continente com 18 ou mais anos, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 9). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 901 inquiridos é de +/-3,3%, com um nível de confiança de 95%.

EM NÚMEROS

7 pontos percentuais separam a esquerda da direita, contando com o PAN, com a vantagem da esquerda a estreitar-se para menos de metade no último ano

20 pontos percentuais a menos na intenção de voto em pequenos partidos entre eleitores sem simpatia partidária — um indicador de bipartidarização

38 é a percentagem de eleitores sem simpatia partidária que se diz indecisa sobre em quem votar. Debates serão decisivos?

63 é a percentagem de inquiridos que consideram “pior” ou “muito pior” a situação da economia no último ano, menos do que há um mês

40 é a percentagem de eleitores que faz fé nas vantagens de uma maioria absoluta; são mais 13 pontos, insuficientes para a dar a qualquer partido

5,8 é a nota de popularidade de António Costa a um mês das legislativas, numa escala até 10; regista uma subida de 0,4 pontos face a novembro

38 é a percentagem dos simpatizantes do PS que escolhem o PSD em primeiro lugar para negociar a governabilidade caso não haja maioria

46 é a percentagem de eleitores que veem competência em António Costa; são mais 20 pontos do que a daqueles que a reconhecem em Rio

24 é a percentagem dos inquiridos que não acham que Costa ou Rio tragam honestidade política (Expresso, texto de DAVID DINIS e infografias de JAIME FIGUEIREDO)

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