segunda-feira, janeiro 20, 2020

Vem aí uma injeção única de €1,4 mil milhões no Novo Banco? Saiba tudo o que está em causa

Mais de cinco anos após o fim do BES, e três anos depois da venda do Novo Banco à Lone Star, começam a intensificar-se as referências a uma nova alienação do Novo Banco. É um passo que se segue à ideia de que a garantia criada para à instituição, que podia ir até 2026, será fechada já. O fecho antecipado desse mecanismo pode custar 1,4 mil milhões este ano. Mas de onde vem esta história? O Novo Banco continua a pesar nas contas públicas. Não é uma surpresa. Afinal, há, desde 2017, um acordo que assegura que, até 2026, vão continuar a haver pagamentos à instituição financeira sempre que um conjunto de créditos e outros ativos, como imóveis, causar perdas. Só que o Governo e o Banco de Portugal, através do Fundo de Resolução, bem como a Lone Star, que é dona da maioria do capital do banco, querem acabar com essa possibilidade de pagamentos durante mais seis anos, como o Expresso adiantou em novembro. Para isso, é preciso antecipar o encargo. É esse custo que é noticiado esta sexta-feira pelo Público: 1,4 mil milhões de euros. Uma despesa que, a concretizar-se poderá colocar em causa o excedente orçamental anunciado por Mário Centeno para 2020 (que, no entanto, poderá ser uma realidade já este ano).




A garantia acordada há três anos
É em 2017 que o Banco de Portugal está na sua segunda tentativa de venda do Novo Banco. O fundo de private equity americano Lone Star é o comprador anunciado. Esta sociedade é uma gestora de fundos especializada na compra de participações em empresas em dificuldades para reestruturá-las e depois vendê-las com mais-valias. É ela que acaba a comprar 75% do capital do banco, ficando os restantes 25% nas mãos do Fundo de Resolução, o veículo criado para financiar problemas no sector bancário e que é financiado pelos próprios bancos. Mas, para conseguir fechar essa operação, o Banco de Portugal e o Fundo de Resolução (que era o acionista único desde a resolução do BES, em 2014) tiveram de negociar as condições com a Lone Star, que passava pelo facto de os americanos não se quererem responsabilizar por um conjunto de ativos problemáticos que não iriam dar rendimento e que, pelo contrário, poderiam causar dificuldades adicionais. Em causa estavam créditos tóxicos, como da Ongoing, ou participações em empresas não estratégicas, como a seguradora GNB Vida.
É assim, com o apoio do Governo, criado o mecanismo de capital contingente. É uma espécie de garantia – ainda que todos se recusem a assim chamar-lhe. Não é garantia porque não é certo que venha a ser executada. É contingente por isso mesmo: só acontece mediante condições. Esse mecanismo cobre um conjunto de ativos. Para ser acionado, é preciso que haja uma desvalorização do valor dos ativos ao mesmo tempo que essa descida leve o rácio de capital do Novo Banco abaixo de níveis pré-determinados. Um mecanismo que foi acompanhado e que contou com a benção das autoridades europeias.
Os valores dessa garantia
Nesse mecanismo, o Fundo de Resolução poderia vir a ser chamado a colocar até 3,89 mil milhões de euros no Novo Banco para cobrir as perdas eventuais. A cada ano poderia haver injeções. O mecanismo iria estender-se até 2025, com a possibilidade de extensão por mais um ano. Mas o Fundo de Resolução não tem fundos próprios, já que tem uma situação deficitária, muito por causa do Novo Banco. Aquando da sua criação, foi necessária capitalizá-lo com 4,9 mil milhões de euros, sendo que, desse montante, um total de 3,9 mil milhões foi emprestado pelo Tesouro, ou seja, pelos contribuintes. Agora, a cada novo ano, o Novo Banco pode convocar o Fundo de Resolução a cobrir aquelas perdas (sempre com aquele limite máximo de 3,89 mil milhões), sendo que, se precisar de empréstimos do Estado, só poderá pedir anualmente 850 milhões de euros.
A assinatura do acordo de venda do Novo Banco à Lone Star aconteceu a 18 de outubro de 2017 no Banco de Portugal. Um negócio festejado mas que ainda dá dores de cabeça.
O que já aconteceu
Ora, este mecanismo já foi parcialmente executado. Em 2018, por conta dos resultados do ano anterior, o Novo Banco precisou de 792 milhões de euros (430 milhões dos contribuintes). Em 2019, em resultado dos efeitos do mecanismo do ano anterior, voltou a chamar 1.149 milhões ao Fundo de Resolução que, por sua vez, pediu 850 milhões aos cofres públicos. Assim, em dois anos, metade do mecanismo foi esgotado: 1,9 mil milhões. Falta poder executar outros 2 mil milhões do sistema cuja execução é apenas contingente. Entretanto, é só quando houver contas certificadas relativamente ao resultado de 2019 que o Fundo de Resolução saberá qual o montante que poderá ter de colocar, em 2020, no banco do qual tem 25%. As contas do primeiro semestre de 2019 apontavam para que fosse preciso 541 milhões de euros – mas só no final do ano é que há certezas. O Orçamento do Estado para 2020 prevê uma verba de 600 milhões de euros para cobrir estas necessidades. Mas mantém a autorização para poder vir a emprestar 850 milhões ao Fundo de Resolução.
Repetidas injeções que danificam a reputação
Só que a questão das colocações continuadas de dinheiro no Novo Banco é complicada para a gestão reputacional do banco, do Fundo de Resolução e também do próprio Governo. É por isso que, como noticiou o Expresso a 16 de novembro do ano passado, o Governo, o Fundo de Resolução e a Lone Star começaram a estudar uma possibilidade de antecipar o fecho do mecanismo, ou seja, de não haver possibilidade de injeções adicionais até 2026. Acabaria com a inundação mediática de números e de gastos públicos. Mas, para isso, era necessário fazer um pagamento em antecipação, ainda que, do lado do Governo, fosse essencial um desconto face ao teto máximo. É isso que o jornal Público noticia esta sexta-feira, 17 de dezembro: o montante que está em cima da mesa é de mais 1,4 mil milhões de euros a colocar no Novo Banco como injeção final do mecanismo. Ao todo, juntando aos montantes já colocados ao abrigo da garantia, ficaria um total de 3,3 mil milhões de euros. Ficaria uma margem de quase 600 milhões face ao teto máximo de 3,89 mil milhões.
Um excedente em risco?
Com esta possibilidade de 1,4 mil milhões a serem gastos pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, haverá um risco orçamental. Independentemente do dinheiro ser dos contribuintes ou dos bancos que contribuem para o Fundo, como este veículo está na esfera das contas públicas, há impactos nas finanças públicas. Para 2020, o Governo estima um excedente orçamental de 0,2%. Ora, uma injeção desta magnitude iria desequilibrar as contas e empurrar as contas públicas para um défice, eliminando aquele que seria o primeiro excedente de Portugal em democracia. A esperança de Mário Centeno para o excedente poderá ser 2019. Ainda que o Executivo antecipe um défice, a verdade é que a execução orçamental de 2019 (ainda sem todos os meses) tem sido favorável à ideia de que haverá excedente já este ano.
Um Governo dividido
Voltando ao mecanismo e à notícia de que a injeção única e final será de 1,4 mil milhões, o Governo, através do Ministério das Finanças, já se apressou a referir que não se estuda qualquer injeção de capital para “acelerar o processo de saneamento completo da instituição financeira”. Mas não desmente as conversas para fechar o mecanismo de capital contingente. Mário Centeno, aliás, tem-se tentado colocar à margem deste tema. Em entrevista ao Expresso, disse desconhecer a proposta, mas admitiu que o Estado “ganharia imenso" se conseguisse "no limite fechar o mecanismo contingente de capital no curto prazo, limitando a incerteza”. O mesmo não é verdade em relação a António Costa. Ao Público, em dezembro, o primeiro-ministro assumiu que o tema era verdade, mas sublinhando que qualquer pagamento antecipado obrigava à existência de um desconto: “A questão que nos foi colocada pelo Banco de Portugal foi a de uma eventual eliminação do período de incerteza com uma redução simultânea do limite do teto do capital contingente. É uma medida que está a ser estudada, está a ser também apreciada pelo conjunto do sistema bancário”.
“Há vantagens claras em eliminar a incerteza, mas convém não deixar de ter em conta que aquele mecanismo é um mecanismo contingente e não uma obrigação de pagamento a prestações”, assumiu o primeiro-ministro na entrevista de dezembro.
Operação acelera venda (e fusão)
Com o fim antecipado do mecanismo, há algo que se torna evidente: a Lone Star pode também pensar mais seriamente em vender a sua participação de 75% no banco (e o Fundo de Resolução os restantes 25%). Esse é, aliás, um cenário que está em cima da mesa. A venda poderá ser difícil, pelo que a perspetiva passa por uma consolidação em Portugal. É por isso que começou a surgir a hipótese de o banco vir a ser fusionado com o BCP. E, embora o banco liderado por Miguel Maya tenha dito que não fará aquisições até 2021, não deixará de olhar para o banco. E, em termos políticos, seria uma possibilidade interessante, já que é um banco com sede em Portugal e que consolida no país (o único dos bancos, além da Caixa Geral de Depósitos, que está nessa situação). Os outros potenciais alvos de fusões são bancos de capitais espanhóis (BPI, do CaixaBank, ou o Santander) e, em termos políticos, mais difícil de explicar. Apesar das conversações estarem sobretudo a ocorrer em Lisboa, qualquer cenário precisaria sempre de autorização externa: a Comissão Europeia tem de dar a luz verde, até porque o Novo Banco está sujeito a um plano de reestruturação devido às ajudas públicas anexadas ao mecanismo; o Banco Central Europeu é o supervisor único que precisa de aprovar tudo.
Banca receberá pouco
A eventual venda ou fusão terá de ter em atenção um fator importante para o sector bancário. Apesar de ainda ter 25% do Novo Banco, o Fundo de Resolução não terá essa participação efetivamente. A culpa é do regime especial dos ativos por impostos diferidos, que serviu para ajudar a banca na altura da crise da dívida, mas que dá agora a contrapartida ao Estado. E a contrapartida é que o Estado possa entrar nos bancos que tenham prejuízos. Ora, o Novo Banco tem tido prejuízos e, à medida que eles acontecem, o Tesouro português “rouba” uma participação ao Fundo de Resolução (na venda de 2017, ficou acordado que as consequências deste regime seriam sentidas pelo Fundo e não pela Lone Star). Com base nas contas do primeiro semestre de 2019 (pelo que o número ainda não é final), o Fundo de Resolução tem direito apenas ao equivalente a 15% do Novo Banco, já que o Tesouro português já “comeu” uma participação de 10% devido a este regime. Ou seja, os bancos – que, no final de contas, terão de reembolsar todos os empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução – só terão direito a 15% das receitas de venda do Novo Banco (e ainda é preciso esperar pelos resultados de 2019 e adiante para saber, em definitivo, qual o verdadeiro peso do Tesouro). (Expresso)

Sem comentários: